A ideia de coletividade é intrínseca ao nosso presente e futuro — mesmo que, para muitas pessoas, a sociedade siga cada vez mais individualista.
O fato é que um indivíduo é capaz de impactar a realidade, mas ela só é verdadeiramente transformada quando outras pessoas compartilham dessa ação.
E a transformação conjunta não é apenas na teoria. No Trendbook 2023, a Portobello fez um mapeamento e identificou macrotendências que vão orientar a sociedade nos próximos anos.
Mas não serão só elas: algumas ideias coletivas que foram trabalhadas nos últimos anos continuarão sendo desenvolvidas neste período.
Veja como a coletividade estará presente daqui para frente e como é possível criar soluções para o benefício da sociedade como um todo.
A coletividade e os movimentos mapeados pela Portobello
We Manifesto
Uma das macrotendências de 2023 é We Manifesto. Se quiser entender melhor o conceito, veja o trecho do Archtrends Podcast em que as apresentadoras Maria Silvia Ferraz e Cassia Guerra explicam com mais detalhes.
Engajamento além das redes sociais, necessidade de posicionamento além de hashtags, responsabilidade pelos próprios atos.
Assim podemos entender as bases da macrotendência We Manifesto, que aponta a necessidade real de ser um agente político.
We Manifesto seria a declaração de uma tendência já mapeada pela Portobello em 2020: Me is We.
Nesse contexto, as pautas coletivas ganham foco e todos são agentes da luta, mesmo que, num primeiro momento, não estejam relacionados a ela.
Temas que estarão em voga:
- Decolonialidade (escola de pensamento que tem como objetivo libertar a produção de conhecimento do padrão eurocêntrico);
- Diversidade de raças e tipos de corpos;
- Pautas identitárias;
- Ancestralidade.
Neo Real e Inside Out
A pesquisa da Portobello mapeou outras duas macrotendências que conversam entre si e com o apelo à coletividade ressaltado por We Manifesto.
É o caso da tendência Neo Real, que trata da ressignificação do conceito de realidade. Nesse contexto, a coletividade pode ser expressa em espaços reais e também virtuais.
Já a tendência Inside Out, que chama atenção para a necessidade de olhar para dentro de si e buscar pelo bem-estar, sinaliza que o cuidado consigo mesmo permite também zelar pelas pessoas ao redor. De dentro para fora.
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Outras ideias de coletividade que vão direcionar o futuro
Veja alguns exemplos de pensamento e ação coletivos que serão essenciais daqui em diante — e como a arquitetura está relacionada a muitos deles.
Sustentabilidade
Nos últimos anos, o tema sustentabilidade ficou ainda mais em voga.
Em termos práticos, sustentabilidade é o equilíbrio entre os recursos naturais disponíveis e o consumo deles. Quando são explorados numa velocidade maior do que a natureza consegue repor, o esgotamento ocorre e o clima se desequilibra.
Por exemplo: as árvores conseguem deixar a temperatura mais amena. Com seu corte, o calor tem sido ainda maior — o que tem provocado desastres naturais com mais frequência.
Pensando nos efeitos climáticos anunciados pelo sexto relatório IPCC, de 2022, é possível ver como a coletividade é fundamental para frear tragédias e deixar um mundo mais saudável para filhos e netos.
Outro fator importante é que qualquer segmento pode ser mais sustentável — inclusive a arquitetura.
Poucas profissões são tão voltadas ao consumidor quanto a arquitetura. Por mais que haja o toque do arquiteto em qualquer projeto, ele só é realmente viável quando o cliente percebe que suas necessidades e desejos foram supridos pelo que está no papel.
Então, se a profissão é tão voltada para o próximo, por que ela também não pensaria em quem ainda não está nesse mundo?
É também responsabilidade da arquitetura gerar menos resíduos e usar os recursos locais para gerar o menor impacto possível na comunidade local.
Veja como, de maneira simples, a arquitetura tem se tornado mais sustentável e voltada para a coletividade.
Arquitetura simples
Baixo custo não deve ser sinônimo de baixa qualidade.
O uso de materiais e serviços locais, aproveitamento de pequenos espaços e reaproveitamento de construções já existentes (em vez de começar outra do zero) mostram não só a preocupação com uma arquitetura mais simples e consciente.
Isso mostra também que a arquitetura deve estar alinhada à realidade brasileira, que precisa usar a criatividade para lidar com a falta de recursos.
Arquitetura e qualidade de vida
Uma residência não é apenas funcional — ela não serve somente como um local para permanecer ou dormir.
A função da casa é, antes de tudo, ser um lar. E isso só é possível quando há laços entre morador e moradia que vão além das estruturas. Uma construção precisa colaborar com a qualidade de vida dos seus residentes.
Uma arquitetura que pensa no conforto e na saúde do indivíduo vai além do aspecto material.
Ela pensa na economia de recursos, no conforto térmico e na interação entre residência e ambiente. Algumas ideias que auxiliam nesse aspecto é a priorização da iluminação e da ventilação naturais e a vegetação dentro e fora da residência.
Desenho universal e acessibilidade
Vigente em todo o Brasil, a Lei da Acessibilidade prevê que toda pessoa com deficiência ou mobilidade reduzida possa ter fácil acesso a qualquer espaço urbano.
Isso ocorre por duas iniciativas. A primeira é a eliminação de obstáculos. Por exemplo, com as substituição de escadas por rampas, a inserção de corrimão nos banheiros e elevadores nos ônibus para facilitar entrada e saída.
O segundo meio é o redesenho do espaço urbano. O desenho universal não vem apenas como um recurso para pessoas com deficiência, mas também para que mulheres, crianças, idosos e demais grupos sociais possam circular com facilidade e autonomia.
Transformação social
A arquitetura faz parte da transformação social local. É só ver como ela é um marco da mudança de sociedade com o passar do tempo ou de pequenas tribos em uma cidade multicultural.
Portanto, é essencial pensá-la como agente de mudança no aspecto coletivo.
O Projeto Cor em Ação, que acontece na Serrinha, em Florianópolis, é um exemplo de arquitetura como transformação social.
Primeiramente voltado à melhoria de acesso em vielas, o projeto realiza obras como criação de degraus, rampas, corrimão, reparos e pintura.
Atualmente, também realiza oficinas com crianças para promover conceitos de cidadania.
Armário coletivo
Você sabia que a produção de uma calça jeans no Brasil consome mais água que um indivíduo durante um mês? Isso contando apenas o gasto hídrico.
Essa mesma peça também tem uma alta pegada de carbono (medição das emissões de gases de efeito estufa originadas da atividade humana). E ainda deixa resíduos que demoram a se decompor.
Além disso, a indústria da moda é a segunda mais poluidora do mundo, atrás apenas da indústria petrolífera.
Apenas nos últimos anos, mais de 92 milhões de toneladas de resíduos têxteis foram descartados.
Isso não significa, claro, que não se deva mais comprar roupas. Afinal, uma peça usada por muito tempo acaba se desgastando, e o que vestimos também é uma manifestação da nossa personalidade. Contudo, é preciso pensar coletivamente.
Uma ideia que une o coletivo e a necessidade de aproveitar o que já foi produzido é o Armário Coletivo.
Criada por Carina Zagonel e Albano Bernardes, a iniciativa de compartilhamento de peças faz com que pessoas deixem aquilo que não querem mais e peguem o que gostaram.
Comprar de brechós, alugar peças comuns, reformar suas próprias roupas e até trocá-las com outras pessoas, como uma espécie de escambo, são algumas das iniciativas para aproveitar o que já existe e diminuir essa produção excessiva.
Engenharia
Assim como a arquitetura, a engenharia é fundamental para um trabalho de construção que cause menos impactos negativos e ajude a comunidade local.
Uma iniciativa do tipo é a ONG Engenheiros Sem Fronteiras (ESF), que tem como objetivo utilizar tecnologias sociais em projetos de impacto que transformam vidas.
Os projetos da ESF são desenvolvidos e postos em prática por voluntários locais que se organizam em núcleos.
Antes de colocá-los em prática, há uma conversa com os membros da comunidade, para conhecer suas reais necessidades. Segundo relatório de 2019, são mais de 700 projetos concluídos no Brasil em uma década.
A ONG não se limita a engenheiros e conta com o trabalho de advogados, contadores, jornalistas, publicitários, psicólogos e educadores.
Inclusão
Um projeto de coletividade é, antes de tudo, de inclusão. E isso também precisa ocorrer em áreas vistas como elitistas, como arquitetura e engenharia.
Apesar dos avanços, a arquitetura ainda é vista como um segmento excludente. Pesquisa feita entre 2019 e 2020 pelo CAU/BR (Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil) aponta que o salário de mulheres negras é quase metade do que ganham os colegas homens e brancos.
No Archtrends Podcast, a arquiteta Gabriela de Matos falou sobre inclusão na arquitetura. Ela ficou conhecida por criar iniciativas e pesquisas que fomentam a inclusão no segmento, principalmente de mulheres negras, como o projeto Arquitetas Negras.
Outro exemplo é Lilian Santos, que usou de sua própria vitória como designer de interiores para inspirar outras mulheres pretas.
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Combate ao racismo
Nos últimos anos, um termo muito debatido e discutido tem sido o racismo estrutural.
Popularizado pelo hoje ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania do Brasil Silvio Almeida, o conceito apareceu no seu livro Racismo Estrutural, da série Feminismos Plurais, organizada por Djamila Ribeiro.
Esse conceito entende que o racismo está tão intrínseco nos diversos campos da sociedade — política, educação, economia, ideologia e até saúde — que já faz parte da sua estrutura.
Contudo, não é porque esse tipo de conduta virou um aspecto cultural — e, portanto, repetido inconscientemente por muitas pessoas — que deve permanecer.
A coletividade no combate ao racismo é fundamental. E isso começa na reflexão das atitudes, como estranhar quando uma pessoa preta está numa universidade, solicitar que uma mulher alise os fios ao trabalhar no meio corporativo, confundi-la com uma funcionária quando está numa loja ou ter preconceito com religiões de matrizes africanas.
Esses são apenas alguns exemplos comuns que muita gente nega ser racismo, mas que já fazem parte da estrutura da sociedade. Afinal, nenhuma dessas alegações se sustentam; são construções sociais que renegam o que é de origem afro.
Revitalização
Já pensou em um projeto de revitalização urbana coletivo, em que todos da comunidade podem participar? E se a gente te disser que é possível colocá-lo em prática por meio de uma horta?
Usadas desde pelo menos o século XVIII e retomadas no século XIX, com o avanço da Revolução Industrial na Inglaterra, as hortas urbanas conseguem atender pontualmente a cinco das 17 demandas da Agenda 2030 da ONU:
- 2 - Fome Zero
- 3 - Boa Saúde e Bem-Estar
- 8 - Emprego Digno e Crescimento Econômico
- 11 - Cidades e Comunidades Sustentáveis
- 12 - Consumo e Produção Sustentáveis
E uma boa notícia: a maior horta urbana do mundo é brasileira. Localizada no bairro de Madureira (RJ), ela será responsável por, até 2024, gerar renda e segurança para 50 famílias de baixa renda, por safra.
Viu como a coletividade faz toda a diferença para o desenvolvimento de um futuro melhor? Para conhecer mais sobre as tendências 2023 estudadas pela Portobello, faça o download do Trendbook!