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(Foto: Kindel Media / Pexels)

Ser mulher na construção civil

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15.12.2021
Convidamos seis profissionais para falarem sobre as questões de gênero em suas vivências profissionais. Os depoimentos têm vários pontos em comum: são recorrentes as situações onde precisamos nos impor para sermos ouvidas e termos nosso conhecimento técnico validado.
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Sabemos que, sendo mulheres, enfrentamos desafios para nos reafirmar no mercado de trabalho, no canteiro de obras e no dia-a-dia do escritório. Lidamos frequentemente com situações de assédio, abuso e tantos outros constrangimentos com prestadores de serviços, clientes e fornecedores. 

A violência de gênero no âmbito de trabalho é uma realidade, como mostra a pesquisa “Violência e assédio contra mulheres no trabalho” realizada pelo Instituto Patrícia Galvão e Locomotiva (2020). De acordo com os dados, 76% das trabalhadoras relatam ter sofrido violência e assédio no trabalho, 40% tiveram seu trabalho supervisionado excessivamente, 39% receberam de pessoas do sexo oposto convites para sair ou insinuações constrangedoras e 12% foram alvo de agressões sexuais (assédio ou estupro).

Em nossa área de atuação não seria diferente: lidamos diariamente com situações em que homens na mesma posição podem passar toda sua carreira desconhecendo. A construção civil ainda é vista como um território masculino e é perceptível como a perspectiva de gênero afeta a nossa experiência de trabalho.

(Crédito: Beiral - Estúdio de Arquitetura)

Para enriquecer esse debate e somar suas experiências às nossas, convidamos seis profissionais com idades entre 23 e 33 anos, entre as quais arquitetas, designers e engenheiras, para falarem sobre as questões de gênero em suas vivências profissionais. Como esperado, os depoimentos têm vários pontos em comum entre si e com nossas percepções do dia-a-dia. A presença da mulher à frente de uma equipe gera surpresa, olhares desconfiados e um certo incômodo.  São recorrentes as situações onde precisamos nos impor para sermos ouvidas e termos nosso conhecimento técnico validado.  

J. Z. é arquiteta e urbanista de 24 anos, formada há 01 ano acredita que sua curta trajetória profissional exige mais seriedade, diferente da cobrança dada a um homem de mesma idade:

“Devido a ser mulher, jovem e formada há pouco tempo, sinto que preciso mudar minhas atitudes para aparentar uma seriedade maior do que um homem com a mesma idade e experiência precisaria, para ser levada a sério pelo meu trabalho e minhas ideias, tanto por clientes quanto por outros profissionais da área.”

E engana-se quem acredita que essa situação muda com o passar dos anos. Giovanna Merli, 33 anos, é arquiteta e urbanista formada há nove anos e, ao acompanhar seu colega de profissão, já foi tratada como estagiária, mesmo tendo mais experiência profissional que o colega. A arquiteta também comenta que tem a impressão de que é preciso mais seriedade para sermos respeitadas.  

Uma das nossas entrevistadas é engenheira civil formada há cinco anos e, durante esse período, entre o trabalho no canteiro de obras e o escritório, percebeu que sempre foi necessário manter o distanciamento com clientes e fornecedores. Ao comparar sua vivência a de outros engenheiros, percebe que precisa se impor mais para ter sua palavra validada.

Enquanto mulheres, o assédio moral não é a única forma de violência que nos preocupa. Estamos mais sujeitas às situações de assédio sexual, que vão desde convites para sair, insinuações constrangedoras, comentários sobre atributos físicos e “piadas” de conteúdo sexual, até a mais grave delas, o estupro. Ficamos em estado de alerta, do trajeto à escolha do local de uma reunião.

“Quem irá com você?”, “Compartilhe seu trajeto comigo”, “Não agende em um local deserto” são algumas das frases que escutamos de familiares e amigos, com precauções que tomamos quase que inconscientemente. A arquiteta J.Z comenta: “Sempre tento marcar primeiras reuniões com clientes e fornecedores que não conheço em locais públicos, como cafés”.

Quando dividimos o trabalho com colegas homens, fica ainda mais fácil perceber a discrepância de tratamento que recebemos. São situações que destroem a nossa autoestima e prejudicam o desenvolvimento pleno do nosso potencial. 

L.C. (23 anos) é arquiteta e urbanista e nota a diferença de tratamento que recebe ao apresentar um projeto juntamente com seu sócio, engenheiro civil:

"Estávamos com um cliente precisando de projeto arquitetônico, que no caso eu seria a autora. [...]. O cliente se dirigia e conversava somente com o engenheiro, agindo como se eu não estivesse ali. [...] além dos assédios que somos sujeitas o tempo todo, somos colocadas numa posição inferior à do homem mesmo quando é de sua competência aquilo que o cliente busca.”

Além disso, a profissional disse que evita ser “simpática demais” para que a sua educação não seja confundida com excesso de liberdade. “[...]o tempo todo tenho que me policiar [...] quando se trata de contato com algum homem, mesmo que esteja apenas agindo com educação, ele pode se achar no direito de tentar alguma coisa.” 

Thamires Mendes, 30 anos,  é arquiteta e designer de interiores e seu relato vem para confirmar o uso de nossas ferramentas de proteção:

“Geralmente sou muito brincalhona e parceira dos prestadores [...] acho que a obra flui melhor, mas muitos deles confundem as coisas. Quando percebo isso, mudo a postura imediatamente e aviso a pessoa do porquê dessa mudança.”

Porém, nem sempre uma mudança de atitude contribui para um comportamento mais respeitoso. Thamires conta que em uma de suas visitas à obra sofreu uma tentativa de abuso sexual por um dos prestadores de serviço.  “[...] ele tentou me encurralar em uma parede. Na hora você fica tão surpresa que não tem a atitude correta que é sentar a mão na pessoa né?[...].”  A arquiteta relatou ainda que, além do assédio físico, o funcionário enviou uma série de mensagens com teor sexual.  

Estamos inseridas em uma estrutura social que é machista, é fato. Por maiores que sejam os nossos esforços para evitar a violência de gênero, nosso comportamento não garante que seremos respeitadas, afinal, temos pouco ou nenhum controle nessas situações e não cabe que a culpa recaia sobre nós.  

Durante o desenvolvimento desse texto pensamos muito na importância da conversa entre mulheres. Quantas vezes passamos sozinhas por situações violentas em nossas profissões, enquanto nossas colegas vivem caladas situações muito parecidas?  Mulheres, conversem entre si, se cuidem e estejam fortes para reagir da maneira que for possível.

Homens, estejam atentos ao que suas colegas de trabalho, amigas e familiares vivenciam, colaborem para que o mundo seja um lugar mais seguro para mulheres.

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