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O que é racismo estrutural?

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26.12.2022
A importância (senão urgência) de compreender o racismo de forma ampla e contextualizada
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Diante de um caso de racismo, é comum que a pessoa que cometeu o ato seja considerada “malvada”, “ruim” ou “perversa”. Entretanto, atrelar uma atitude racista à intenção de prejudicar alguém não é a melhor forma de combater esse problema. 

Para ouvir o artigo completo, clique no play abaixo:

Primeiramente, se partirmos da ideia de que o racismo é algo sempre intencional ou motivado por maldade, vai ser difícil entender como pessoas que admiramos podem, também, ser racistas. Precisamos reconhecer, portanto, que até mesmo aquela colega de trabalho divertida e respeitosa pode vir a cometer um ato de racismo. 

Outro motivo pelo qual não é eficaz relacionar o racismo a intenções maldosas é que esse ponto de vista desconsidera uma questão bem mais ampla. Costuma ser mais fácil para o sistema, de modo geral, punir individualmente pessoas que cometeram racismo, como se isso fosse capaz de resolver o problema, o que é uma ilusão. Essas pessoas não devem ser vistas como uma falha da sociedade, mas sim como uma consequência óbvia da forma como essa mesma sociedade se estruturou. 

O que é racismo estrutural?

Racismo estrutural é o termo utilizado para mostrar que o racismo está enraizado em nossa sociedade, ou seja, no direito, na economia, na ideologia, na política. Ele se mostra a partir de práticas, hábitos e falas cotidianas, tanto de forma consciente, como inconsciente. Isso significa que, se o país onde vivemos foi construído com base em ideais racistas, o racismo deixa de se expressar como uma anormalidade e se torna um componente significativo que escancara como as relações sociais foram historicamente construídas em nosso país.

o que é racismo estrutural

Desse modo, é imprescindível compreender como o racismo se imbrica na ordem social, analisando-o como uma questão estrutural. É o que explica o advogado, filósofo e professor Silvio Almeida em seu livro Racismo estrutural, que compõe a série Feminismos Plurais. A partir dessa leitura, que aproveito para deixar como recomendação importante para construirmos cada vez mais uma postura antirracista, compreendemos que o racismo não tem a ver com comportamentos individuais vinculados à maldade, mas ao resultado do funcionamento normal de uma sociedade fundada na hierarquia racial.

Vamos analisar um exemplo?

Quando uma empresa exige que uma mulher negra alise o cabelo para ser contratada, é notável que houve racismo. Entretanto, para além da atitude da empresa, é importante observar como esse caso se insere em um contexto maior que reverbera outros tantos casos parecidos. Não se trata de relevar a atitude racista individual, muito pelo contrário: trata-se de puni-la, compreendendo que ela se repete em outros locais e que, portanto, a punição sozinha não consegue resolver o problema em sua totalidade.

No exemplo citado, para além da denúncia, é importante que a sociedade reflita sobre o que faz com que cabelos crespos e cacheados sejam marginalizados. Afinal, crescemos em um país que por muitos anos considerou cabelos com essas texturas como ruins. Essa constatação não é biológica, nem universal: ela evidencia uma ideologia racista que impera no Brasil desde a época da escravidão. É a partir da consciência que se tem desse contexto, portanto, que se pode pensar em medidas que vão além da denúncia e que enfrentem, de forma eficaz, o racismo.

“O colonialismo é uma ferida que nunca foi tratada. Uma ferida que dói sempre, por vezes infecta. E outras vezes sangra”

Essa frase, que a artista e teórica Grada Kilomba escreveu em seu livro Memórias da Plantação, ressalta que, mesmo após tanto tempo, as consequências da colonização persistem. Para entender o racismo incrustado na estrutura de nossa sociedade, é necessário compreender como chegamos até aqui.

Grada Kilomba o que é racismo estrutural
Grada Kilomba | Foto: Maressa Andrioli

Durante mais de três séculos de escravidão, pelo menos 4,8 milhões de pessoas africanas foram trazidas para o Brasil. Inicialmente, foram escravizadas para trabalhar nos engenhos de açúcar, principal produto de exportação da época. Com o passar dos anos, o comércio transatlântico de africanos se tornou tão lucrativo que as pessoas trazidas para cá deixaram de ser apenas mão-de-obra e se tornaram a própria mercadoria

Pessoas foram escravizadas única e exclusivamente por conta de sua raça. Cor da pele, textura do cabelo, local de origem, idioma e outros elementos culturais foram inseridos numa lógica hierárquica na qual tudo o que remetia aos africanos passou a ser desvalorizado pelo sistema. 

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Uma série de preconceitos a respeito do continente africano que vinham sendo elaborados desde a antiguidade e a necessidade de lucrar formularam a justificativa que os colonizadores precisavam para fincar a escravidão na base de nossa história. Tal ideologia fez com que africanos e afro-brasileiros fossem desumanizados e considerados, inclusive juridicamente, como coisas. A partir dessa premissa racista, essas pessoas foram comercializadas como objetos, abdicadas de direitos e tratadas como seres sem alma. 

Como o historiador Boris Fausto aponta em seu livro História Concisa do Brasil, a escravidão foi uma instituição nacional que se inseriu na sociedade e condicionou sua forma de agir e pensar. Além disso, a falta de apoio ou indenização após a abolição da escravidão (considerada “uma mentira cívica” pelo professor e ativista Abdias do Nascimento), a persistente perseguição a pessoas negras e a falta de oportunidades explicam inúmeras desigualdades às quais essa população é submetida atualmente.

“Sem terras para cultivar e enfrentando no mercado de trabalho a competição dos imigrantes europeus, em geral subsidiados por seus países de origem e incentivados pelo Governo brasileiro, preocupado em branquear física e culturalmente a nossa população, os brasileiros descendentes de africanos entraram numa nova etapa de sua via crucis. De escravos passaram a favelados, meninos de rua, vítimas preferenciais da violência policial, discriminados nas esferas da justiça e do mercado de trabalho, invisibilizados nos meios de comunicação, negados nos seus valores, na sua religião e na sua cultura.”

(Abdias do Nascimento, no texto 13 de maio: uma mentira cívica, publicado em 2013 no portal Geledés)
Abdias Nascimento o que é rascimo estrutural
Abdias Nascimento | Foto: Acervo Ipeafro

Feridas abertas: as consequências do passado em números

O resultado da marginalização de pessoas pretas e pardas no decorrer da história pode ser observado no cenário do mercado de trabalho, que reflete essas desigualdades até hoje. Afinal, pessoas negras continuam sendo a maioria da população desempregada no Brasil. É o que mostra a pesquisa divulgada em novembro de 2022 pelo FGV Ibre – Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas, coordenada pela economista Janaína Feijó. Com base em microdados da última PNAD Contínua (IBGE), o estudo mostrou que, dos 9,5 milhões de desempregados registrados no terceiro trimestre deste ano, cerca de 64,9% eram pretos e pardos. Além disso, o levantamento revelou que pessoas negras:

  • representam 61,3% dos trabalhadores que ganham até dois salários-mínimos;
  • somam 24 milhões dos 39,1 milhões de trabalhadores que estão na informalidade;
  • possuem rendimento médio de R$ 2.095, enquanto entre trabalhadores brancos e amarelos esse número chega a R$ 3.533.
Gráfico de comparação entre a taxa de informalidade do terceiro trimestre de 2021 e do terceiro trimestre de 2022 / Fonte: FVG IBRE
Gráfico de comparação entre a taxa de informalidade do terceiro trimestre de 2021 e do terceiro trimestre de 2022 / Fonte: FVG IBRE

Indicadores de violência também revelam a estrutura racista brasileira. Em quase todos os estados brasileiros, uma pessoa negra tem mais chances de ser morta do que uma pessoa não negra. É o que revela a pesquisa Atlas da Violência, publicada em 2021 pelo Ipea – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Segundo o estudo, a taxa de violência letal contra pessoas pretas e pardas em 2019 foi 162% maior que a mesma taxa contra pessoas não negras. Além disso, pessoas negras representaram 77% das vítimas de homicídios no país. 

Tabelas que mostram o número de homicídios de pessoas negras e não negras entre 2009 e 2019. Nesse período, houve aumento de 1,6% de homicídios contra pessoas negras e redução de 33% contra pessoas não negras. Fonte: Atlas da Violência (Ipea)
Tabelas que mostram o número de homicídios de pessoas negras e não negras entre 2009 e 2019. Nesse período, houve aumento de 1,6% de homicídios contra pessoas negras e redução de 33% contra pessoas não negras. Fonte: Atlas da Violência (Ipea)

O relatório associa diversas causas a esses dados, dentre elas: as condições socioeconômicas e demográficas às quais muitas pessoas negras são submetidas, limitando seu acesso a melhores condições de vida; a reprodução de estereótipos racistas pelas instituições do sistema de justiça criminal que fazem de pessoas negras o principal alvo de ações policiais; a ausência de políticas públicas específicas que combatam as desigualdades sofridas por essas pessoas.

Combater o racismo de forma efetiva

O panorama de desigualdade racial presente no Brasil não é de hoje, mas fruto de uma sequência de medidas racistas, bem como a insuficiência de medidas antirracistas, no decorrer da história do país. É possível concluir, a partir desse resgate histórico e análise de alguns dados atuais, que a construção de uma sociedade mais igualitária não pode ocorrer somente por meio de denúncias pontuais de casos de racismo. 

Nesse sentido, é necessária uma reestruturação mais ampla, que implique em práticas antirracistas no dia a dia de cada um de nós e em cada instituição. Alguns exemplos são a implementação de leis como a Lei de Cotas, que reservou no mínimo 50% das vagas das instituições federais de ensino superior e técnico para estudantes de escolas públicas (e, dentro dessa porcentagem, uma parte para pessoas pretas, pardas e indígenas) e a Lei 10639, que estabeleceu diretrizes para a inclusão da disciplina História e Cultura Afro-Brasileira no currículo da rede de ensino.

É comum que digam que “a história cobra”, como uma forma de se ausentar das discussões e mudanças sociais. Entretanto, se tem algo que a nossa sociedade demonstra diariamente é que a última coisa que a história fez todo esse tempo foi cobrar. Somos nós que devemos participar dessa profunda alteração social e o primeiro passo é se ver como parte do problema – e da solução. O racismo não desaparecerá sozinho.

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  1. Gente de meu DEUS, permitam que eu os trate assim, é em razão do psiquico social da posse que tudo é meu: meu pai, minha mãe, eu filho, meu amigo, meu professor, meu namorado ou namorada, meu marido ou minha mulher (não é esposa é mulher), minha casa, meu carro, minha rua, minha cidade, então tudo é meu, é este psiquico que também está intuído em nossa mente em relação ao racismo. O interessante, o racismo só se pratica contra cor preta ou dela descendente? Pergunto eu?! Então não existe racismo contra as demais cores? Nossa legilação não define cores, somente oringem, cor, etnias, raça etc.
    Porém ao meu ver o que estar ocorrendo neste momento é o ativismo da separação mediante leis, (o apartaide) e não um projeto ou programa insicivo de concientização social dentro de um contesto de vivência humanizada em que todos somos humanos e não são as cores que nos conjulga em viver em sociedade.
    Gente de meu DEUS, aqui eu não estou fazendo juizo de religiosidade é apenas exemplificação psiquica de nossa fé, vejamos então: Há os que acreditam ser descendente da Adão e Eva, origem humana, outro que acreditam serem evolução de outro ser por exemplo o “macaco”, a ciência tanto do lado subjetiva psicologica como o lado ciencia materia tem suas explicações logicas e fundamentadas no tempo.
    Pois bém, qualquer que seja nossa origem somos humanos descendente de uma só cor que não indica a melhor ou a pior cor, a propria ciencia diz que a cor branca te sua origem da cor preta, e faz suas justificativas dizendo que foi devido a imigração do homem preto para regiões frias, geladas: (Aqui vai uma pergunta de onde ve o homem branco e de onde vem o homem preto?).
    Uma observação curiosa: Quem já viu um urso preto viver nas regioes geladas? Quem já viu um urso branco viver nas regiões quente de matas?.
    Então voltamos ao racismo no Brasil que provém da mais cruel maldade praticada contdra o ser humana e que não foi praticada por brasileiros, lembremos disso durante a escravidão o Brasil pertencia posse de outros povos que aqui vieram e não do povo brasileiro que já forá exterminado, assim estar nos registro que em 1500 aqui existia mais de cinco milhões de humanos que hoje só existe menos de um milhão. É um real.
    Por outro lado gente de meu DEUS, o nosso Brasil foi dividido e doado a estrangeiros “lembrem-se” em capitanias que fora registrados como donos e que comercializaram ao seu belo prazer e que a abolição da escravidão determinou que os os escravos libertos não tinham direitos a terras ou a outros bens e assim continua até hoje pois as terras do nosso Brasil tem donos deste o seu descobrimento que são os que aqui vieram comercializar.
    Acretito que nós deviamos cobrar era de quem veio aqui e se apossou de nossas terras e comercializaram e nos deixando sem direitos a nada. Onde está a ONU para ver isto, não fala.
    Gente de meu DEUS, os donos do Brasil hoje são os descendentes dos descobridores e exploradores que aqui vieram só povo branco os negros nunca imigraram para o brasil foram trazidos como mercadorias portanto nunca tiveram oportunidade de er possuidor de nada pois os registros de propriedades pertencem aos descendentes daqueles que se apossaram de nosso torrão Brasil. Vejam os registros que expulsa o direito de propriedade dos negros neste pais, por isto somos pobres favelados invasores da propriedade alheia. (Aqui plagiando o programa planeta dos macacos) “desculpem a ingnorância do macaco”. Mas é a verdade é só ver os registros.

    1. Querido JORGE MATOS FERREIRA, seu texto não deixa clara sua posição e opinião sobre o tema, pois começa em u sentido e termina em outro.
      Você utiliza bem a retórica, mas não deixa claro seu posicionamento.

  2. Muito o conteúdo. Sou Assistente Social e Pedagoga e achei o conteúdo esclarecedor para replicar com a população e assim irmos gradativamente exercitando posturas antiracistas.

  3. O texto parte da presunção que somente pessoas que possuem cor de pele mais escura são descendentes de africanos, esquecendo do que se deu a formação da população brasileira como é hoje, somos uma mistura de europeus, com indios, com escravos. Numa mesma familia podemos ter irmaos com cores diferentes, isto é Ciência, mas então baseando-se no texto, nessa mesma família, um irmão nasce com uma dívida histórica e outro nasce devendo. O texto também parte da presunção que as pessoas por terem certo tom de pele devem seguir certa religião, certos valores e certa cultura, seria bastante presunçoso.

      1. Não existe racismo estrutural, existe racismo, somente isso, sem termos, sem nomenclaturas! O racismo estrutural é termo de identitários! Fim.

  4. Parabéns pelo texto, ele é inspirador e consegue entregar ao leitor uma noção mais ampla das causas do racismo no Brasil. Também o texto nos desafia a ser parte importante nas soluções, a medida em que nos desafiamos a sair da nossa zona de conforto!

    1. Ainda enfrentamos muito racismo nos dias de hoje em nossa sociedade…..
      As escolas não tem ainda nenhum currículo sobre racismo e preconceito , eu no tempo que trabalhava agora já estou aposentava trabalhava muito o 20 de novembro ( Zumbi ) dos palmares foi um grande guerreiro negro…..

Mariany Alves Bittencourt
Colunista

Mariany Alves Bittencourt é jornalista formada pela Universidade Federal de Santa Catarina. É autora...

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