Mies van der Rohe: menos é mais e outras lições do mestre da arquitetura
Ludwig Mies van der Rohe é considerando um dos maiores arquitetos do século XX. Até hoje, suas obras e a sua forma de pensar servem como objeto de pesquisa e continuam a inspirar arquitetos e designers do mundo todo.
Além disso, deixou lições importantes para diversos profissionais pensarem as construções, seu uso e como conceber espaços simples e funcionais.
Mas o que fez Mies van der Rohe chegar a esse patamar enquanto arquiteto?
É o que vamos descobrir a seguir.
Continue lendo para saber mais sobre a vida do arquiteto, suas obras e como colocar seus ensinamentos em prática!
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Encontro de Mies van der Rohe com a arquitetura
Ludwig Mies van der Rohe nasceu em Aachen, na Alemanha, em 1886. Ainda jovem, trabalhou na oficina de cantaria de seu pai, mas foi ao se mudar para Berlim que começou a dar seus próprios passos.
Em 1905, passou a trabalhar com Bruno Paul, designer de interiores.
Alguns anos mais tarde, se tornou um discípulo de Perter Behrens, considerando o primeiro designer da história.
Já nessa época, entrou em contato com grandes arquitetos como Walter Gropius e Le Corbusier, cujas ideias o influenciaram ao longo da vida.
Embora não tivesse uma formação acadêmica, o seu talento foi reconhecido e diversas encomendas começaram a chegar.
Tanto é que foi nessa época em que adotou o sobrenome “van der Rohe”, símbolo de sua ascendência social. Afinal, deixou de ser um mero filho de comerciante para se tornar um arquiteto reconhecido pela elite cultural de Berlim.
Em 1912, resolveu abrir o seu próprio escritório e ter uma carreira profissional independente. No começo, construía casas populares influenciadas pelo neoclassicismo e pelos estilos medievais da Alemanha.
Com o avanço tecnológico, Mies van der Rohe passou a criar novas estruturas, distanciando-se dos estilos tradicionais.
Começou a receber influências do neoplasticismo e do construtivismo russo, que estimularam a busca por um novo estilo arquitetônico.
Suas obras eram baseadas em desenhos puros e técnicas estruturais bastante avançadas. Mies van der Rohe combinava estrutura e membranas externas que formavam espaços vazios.
Para o arquiteto, esses espaços deveriam ser preenchidos por pessoas.
Com essa visão, Mies van der Rohe passou a contribuir para o avanço da arquitetura modernista. Além da estética mínima, usava materiais inovadores, como aço e vidro, e trabalhava a relação entre exterior e interior em suas obras.
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Mies van der Rohe à frente da Bauhaus e tensões com o regime nazista
Por conta da clara identificação de Mies van der Rohe com as tendências mais recentes da arquitetura, ele foi convidado a lecionar na Bauhaus, escola de design vanguardista fundada por Walter Gropius.
Em 1930, ocupou o cargo de diretor da Bauhaus e conviveu com grandes artistas como Paul Klee e Kandinsky.
Mas esteve à frente da escola por pouco tempo. Isso porque, a partir de 1933, a escola foi forçada a fechar as portas por pressão dos nazistas.
Até mesmo o estilo criado por Mies van der Rohe passou a ser rejeitado, já que não representava o espírito nacionalista alemão.
Então, o arquiteto se viu obrigado a deixar o país por conta das tensões com o regime nazista. Em 1937, resolve migrar para os Estados Unidos.
Conheça, a seguir, alguns dos trabalhos mais marcantes dessa fase do arquiteto:
Pavilhão Alemão da Feira Universal de Barcelona
Foi durante esse período que o arquiteto criou um de seus projetos mais famosos, o Pavilhão Alemão da Feira Universal de Barcelona. A estrutura pesada do edifício era formada por planos horizontais e verticais, além de ser sustentada por pilares metálicos.
Ao final da Feira, o Pavilhão foi demolido. Porém, por conta de sua importância para a arquitetura e carreira do arquiteto, sua reconstrução foi encomendada pela Fundação Mies van der Rohe nos anos 1980.
A obra se tornou um símbolo do modernismo e da missão de Mies van der Rohe de criar um novo estilo que representasse a época.
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Villa Tugendhat
A Villa Tugendhat, na República Tcheca, foi uma encomenda de um casal jovem e abastado que conheceu o trabalho de Mies van der Rohe em Berlim.
Eles queriam uma casa espaçosa, funcional e com formas simples, características centrais nos projetos do arquiteto.
Com uso do aço, foram criados espaços livres e abertos nessa casa de três níveis que se relacionam com a mudança de inclinação do terreno.
Além das aberturas e cor da fachada, distribuição dos ambientes e materiais usados interna e externamente, Mies van der Rohe também desenhou os móveis da casa.
Design de mobiliário: cadeira Barcelona e muito mais
Mais do que um ícone da arquitetura, Mies van der Rohe também foi um exímio designer. Apaixonado por mobiliário, foi responsável por criar peças emblemáticas, como a cadeira Barcelona.
A ideia dele foi criar uma cadeira inspirada no conforto da realeza, ou seja, que fosse elegante e imponente, e oferecesse máximo conforto.
Por ter uma estrutura em aço flexível ao peso, a cadeira se molda ao corpo de quem a utiliza. Haviam versões variadas, de acordo com o acabamento: couro natural ou ecológico, em diversas cores.
A peça fez tanto sucesso que Mies van der Rohe criou a Coleção Barcelona. Além da cadeira, desenvolveu poltrona, mesa, puff e sofá.
O arquiteto e designer sempre prezou pela excelência dos detalhes, precisão das proporções e visual das formas, combinados ao uso de materiais modernos.
Como resultado, criava peças elegantes, confortáveis e com design minimalista.
Assim como nos projetos de arquitetura, Mies van der Rohe encontrou na união entre vidro e metal uma solução para o design de mobiliário.
Além da cadeira Barcelona, uma das mais imitadas no mundo até hoje, criou outras peças notórias, como a cadeira MR e cadeira Brno, feita para a Casa Tugendhat.
Estados Unidos: período de maturidade criativa
Ao chegar aos Estados Unidos, Mies van der Rohe já era considerado um pioneiro da arquitetura moderna.
Embora o país tenha dado condições para a promoção do novo estilo arquitetônico e do desenvolvimento tecnológico, alguns críticos enxergam o momento como delicado.
Isso porque esse impulso do mercado capitalista não faria sentido diante do projeto social-democrata que se deu nos anos de Bauhaus.
Após desenvolver um projeto para um complexo residencial no Wyoming, o arquiteto foi convidado para dirigir o Instituto de Tecnologia de Illinois. Para aceitar, colocou a condição de projetar os novos edifícios do campus.
O Crown Hall, por exemplo, uma de suas obras mais conhecidas, fica localizada na universidade.
Como professor, foi responsável por formar uma geração de arquitetos funcionalistas nos Estados Unidos, cujos trabalhos consistiram na construção de arranha-céus.
A partir da década de 1950, logo após naturalizar-se cidadão estado-unidense, Mies van der Rohe viveu sua fase de maturidade criativa e consolidação como arquiteto internacional.
O arquiteto não poupou esforços para promover uma nova arquitetura para o século XX.
Suas obras se voltaram para a criação de amplos espaços “universais”, como parte de estruturas ordenadas e molduras de perfis preenchidos por vidro ou tijolo.
Durante essa fase, Mies van der Rohe criou obras icônicas, como veremos a seguir.
Casa Farnsworth
Uma delas foi a Casa Farnsworth, projetada entre 1946 e 1951 para servir de retiro para a médica Edith Farnsworth.
A casa revela aspectos que, para Mies van der Rohe, deveriam caracterizar a arquitetura da época: estrutura minimalista, uso de novos materiais e espaço fluido. A combinação entre linhas mínimas e planos sobrepostos faz parecer que a casa flutua sobre o solo.
Rodeada pelo verde da floresta, a casa é envolvida pela natureza e pela luz natural, que adentra o interior por meio das paredes de vidro.
Não por acaso, a Casa Farnsworth se tornou uma das principais referências da arquitetura moderna.
Seagram Building
Outro destaque dessa fase é o Seagram Building, em Nova Iorque, projetado pelo arquiteto em 1958 e considerado símbolo da arquitetura funcionalista para arranha-céus.
Criado para ser um edifício empresarial, sua forma conta com linhas simples que dão volume à torre de 157 metros de altura e 38 andares. As principais características do projeto são a estrutura de aço coberta por perfis de bronze e a cortina de vidro.
Lafayette Park
Em 1959, Mies van der Rohe criou a sua maior coleção de edifícios residenciais, localizados no centro de Detroit.
Assim como em outras obras dessa fase, o arquiteto usou como componentes estruturais o aço e os painéis de vidro nas fachadas. E, claro, o volume dos edifícios dialoga com a paisagem do entorno.
Neue Nationalgalerie
A Neue Nationalgalerie foi a primeira obra de Mies van der Rohe na Alemanha e a última que pôde concretizar em vida.
Na época em que o projeto foi encomendado, Berlim ainda estava dividida pelo muro. Para revitalizar uma parte da cidade, a República Federal Alemã resolveu criar diversos equipamentos culturais.
Entre eles, estava a Neue Nationalgalerie, além da Filarmômica e a Matthiaskirche.
Localizado no centro de Berlim, o museu expressa o minimalismo do Estilo Internacional criado pelo arquiteto. Os pilares em formato de cruz e os painéis de vidro conferem volume à galeria.
A obra trouxe uma nova configuração para o museu. Sobre um subsolo de pedra de cerca de 110 metros, emerge o edifício que abriga peças de arte em seu interior.
Ter uma planta livre para expor obras praticamente ao ar livre e, ao mesmo tempo, um espaço abaixo do solo foi uma inovação para a época.
Além do aspecto arquitetônico, essa configuração conferiu mais liberdade e criou novas possibilidades curatoriais.
Chicago Federal Center
O Chicago Federal Center está localizado no centro de Chicago Loop, nos Estados Unidos. Embora tenha elaborado o projeto, Mies van der Rohe não pôde vê-lo concretizado, já que a conclusão se deu em 1974, cinco anos após a sua morte.
É formado por três edifícios construídos com vidro e aço: Edifício Everrett McKinley, Jonh C. Kluczynski e o Correios dos EUA, que formam a Chicago Federal Plaza.
O estilo do projeto foi trabalho por Mies van der Rohe ao longo de seus 20 anos à frente da Escola de Arquitetura IIT, marcado pela geometria retilínea, o pé-direito duplo e os detalhes minimalistas.
6 lições que podem ser aprendidas com o mestre da Arquitetura
Veja a seguir quais são os principais ensinamentos deixados por Mies van der Rohe:
1. Simplifique os projetos e seus conceitos
Não é nada difícil encontrar trabalhos bem complexos baseados em ideias subjetivas, muitas vezes compreendidos apenas por profissionais da arquitetura.
Mas o grande problema de exagerar nos detalhes está no risco de limitar a interpretação da obra a um público muito específico — que não inclui possíveis clientes.
Mies afirmava que, por serem destinados às pessoas, os espaços construídos deveriam ser facilmente entendidos por elas. Dessa forma, grupos distintos teriam condições de avaliar o ambiente e saber como se deu todo o processo criativo.
Essa lição mostra a importância de trabalhar com ideias claras e de permitir que diferentes sujeitos interpretem o conceito aplicado.
Na prática, vale apresentar soluções com esquemas simples, maquetes que simulem ambientes, entre outros recursos que facilitem a visualização da proposta.
2. Conheça as características dos materiais
Para Mies van der Rohe, os materiais empregados nas construções não podem ser selecionados apenas por uma questão estética.
Isso porque cada produto tem características específicas a serem aproveitadas na montagem de estruturas, coberturas, fechamento de paredes e outras partes da obra.
Em seu projeto Crown Hall, por exemplo, o arquiteto conseguiu criar vãos generosos com vigas de aço.
Se optasse pelo uso do concreto armado, essas estruturas precisariam ter dimensões maiores para suportar as cargas da construção, o que talvez não traria um visual tão interessante ao conjunto.
É fundamental, portanto, estudar tanto as qualidades como os defeitos de cada solução antes de fazer a escolha dos materiais.
O próprio Mies ficou famoso por abusar de estruturas em aço com fachadas em vidro, que traziam a transparência necessária para integrar interior e exterior, criando um efeito de continuidade.
3. Construa ambientes que realmente serão ocupados
De acordo com van der Rohe, conceber edifícios enormes sem um objetivo claro não faz nenhum sentido.
Mesmo em metrópoles, onde as densas redes urbanas imperam, é importante prever áreas livres (pequenos vazios) para que a cidade não gere uma sensação de sufocamento e o cenário não pareça poluído.
Ao prever grandes volumes sem planejamento, o arquiteto contribui para a criação de áreas inutilizadas.
Instalações que não têm função ou que existem apenas para acrescentar detalhes ao edifício são onerosas, monótonas e, por vezes, inseguras, visto que não são ocupadas pelo público.
Em sua obra Neue Nationalgalerie, o Museu de Arte Moderna de Berlim, Mies trabalhou com uma cobertura que se estende bastante para fora, criando uma transição suave entre os ambientes internos e o entorno — que, embora não apresente paisagismo detalhado, tem árvores e grandes calçadas.
4. Priorize uma boa ideia em detrimento de várias ruins
Mies van der Rohe acreditava que uma boa ideia era capaz de solucionar muitos problemas.
Para ele, não valia a pena perder tempo com inúmeras propostas de projeto, visto que isso poderia resultar em várias respostas e, consequentemente, em uma obra confusa e sem identidade.
Ao conceber o Pavilhão Alemão, em 1929, o arquiteto uniu as características de leveza, fluidez, flexibilidade e transparência para chegar à solução formal.
Nesse processo, considerou o uso da instalação (na época, para abrigar a Feira Universal de Barcelona) e as atividades que seriam realizadas no local.
A obra ficou famosa por sua geometria e combinação de materiais, como aço, vidro e mármore.
Hoje, reconstruída após a demolição, atrai visitantes que se apropriam do espaço para participar de eventos e debates, observar exposições e conferir novidades a partir de intervenções artísticas.
5. Valorize as necessidades das pessoas
Espaços construídos são ocupados todos os dias por pessoas com comportamentos, desejos e pensamentos próprios.
Logo, é crucial que os arquitetos pensem nas necessidades de diferentes grupos na hora de projetar edifícios, sejam residências, espaços comerciais, ambientes corporativos e até indústrias.
No prédio Seagram, desenvolvido por Mies em Nova Iorque, as áreas cobertas são conectadas a uma pequena praça que funciona como ponto de encontro.
A diversidade de ambientes é uma estratégia interessante para garantir conforto e uma melhor experiência aos usuários das instalações.
Com um propósito bem definido, a mistura de espaços para trabalhar, relaxar ou transitar funciona muito bem. Manter o foco nas necessidades das pessoas contribui para a obtenção de projetos com qualidade e mais atrativos, que efetivamente dão apoio ao público e dificilmente se tornam entediantes.
6. Equilibre beleza e funcionalidade
Não dá para negar que muitas obras idealizadas por grandes mestres da Arquitetura se tornam ícones por seu design inovador.
Mas a verdade é que o apelo visual pouco importa se os espaços não atendem às necessidades dos usuários.
Isso explica por que Mies se preocupava tanto em equilibrar beleza e funcionalidade.
O cuidado em adequar essas características fica claro no projeto da Casa Farnsworth, famosa pela aparência harmônica que se integra ao verde do entorno.
Perceba que o arquiteto usou grandes aberturas contínuas em vidro, do piso ao teto, a fim de permitir visualizar o exterior do interior e vice-versa.
Sobre essa percepção, ele afirma que “se você puder ver a natureza, através das paredes de vidro da Casa Farnsworth, perceberá que ela ganha um significado ainda mais profundo do que quando a vê a partir do lado de fora. Dessa forma, ainda mais é dito sobre essa natureza: ela se torna parte de um todo ainda maior”.
Legado de Mies van der Rohe para a arquitetura
Essas principais lições de Mies van der Rohe relevam o tamanho do legado deixado por ele. Faleceu em 1969, aos 83 anos, nos Estados Unidos.
Teve uma carreira admirável, que não se resumiu a criar casas, edifícios, museus e outras obras.
Mies van der Rohe se manteve fiel aos seus ideais e aos aspectos que valorizava tanto na arquitetura quanto no design.
Seus trabalhos evidenciam o seu estilo minimalista e racional, uma herança valiosa para a arquitetura moderna do século XX.
Ao acompanhar a trajetória de Mies van der Rohe, vemos que nem sempre seu trabalho foi valorizado. Tanto é que o fato de não seguir os ideais nacionalistas da Alemanha o obrigou a migrar para os Estados Unidos, país que se tornou sua pátria e onde atingiu o seu auge.
Durante a vida, também exerceu um papel importante enquanto educador, pois tinha convicção de que as suas ideias podiam ser ensinadas a outras pessoas.
Com sua criatividade e seu pensamento lógico, Mies van der Rohe marcou a história, tanto que inspira profissionais e estudantes pelo mundo afora até hoje.
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Muito interessante
vc passeia por estas experiencias rohe,frank,corbusier.....niemeyer e , ainda , ao som de beatles,dylan,joão gilberto....jobin a vida adquire um lindo e importante significado com todas estas maravilhosas diversidades.