Marcelo Rosenbaum e Rodrigo Ambrosio contam tudo sobre o Projeto Sururu no Archtrends Podcast
Do sustentável projeto Sururu: Conchas que Transformam nasceram os revestimentos da Portobello, Cobogó Mundaú e, recentemente, Solar, feitos com residuos da casca do molusco sururu, por comunidades carentes em Alagoas.
Os designers Marcelo Rosenbaum e Rodrigo Ambrosio falaram no Archtrends Podcast os detalhes dessa iniciativa transformadora, que inspira arquitetos, designers e empresas com ações sustentáveis.
Você pode conferir a entrevista completa para o Archtrends Podcast no vídeo abaixo. A seguir, acompanhe os destaques da conversa.
Projeto Sururu: como a parceria surgiu
Os dois se conheceram em 2015, quando Rosenbaum, já com carreira internacional, trabalhou como curador para o Clube de Colecionadores do MAM. No projeto, o colecionador adquire conjuntos de obras de arte de tiragem limitada, criadas por artistas brasileiros.
Nesse trabalho, que tinha o objetivo de estimular o colecionismo no design, era preciso selecionar profissionais que mantinham características do cenário brasileiro de arte.
"O Rodrigo flertava muito com essa mistura do design com a arte, e trabalhava numa investigação não só do produto, mas do material. E, principalmente, da identidade local. Ele, sendo um designer vindo de Maceió (AL), trazia essa inovação com uma identidade muito própria", relembra Rosenbaum.
"A gente estava indo para Várzea Queimada, sertão do Piauí, e o Rodrigo fez um trabalho lindíssimo, minucioso, muito delicado, de entender a costura. E ele, por ter também esse repertório do artesanato, percebia algumas delicadezas que outros designers não percebiam tão claramente. O tipo de costura, qual era a palha mais fina; ele ficava atento a isso”, completa.
Primeiros passos do projeto
Em 2019, Rosenbaum foi convidado por um projeto internacional para dar os primeiros passos no Projeto Sururu. O objetivo era reaproveitar a concha de sururu na região de Maceió.
O trabalho, em conjunto com a prefeitura de Maceió, o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento e Sustentabilidade (Iabs) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento, visava ajudar as comunidades ribeirinhas que dependem do sururu para seu sustento.
"Pensei que seria uma ponte [para entrar em contato com a comunidade] convidar o Rodrigo para fazer parte desse processo todo, desde o início".
O mais interessante é que o projeto era para ser apenas um relatório, e não a construção de um objeto.
Porém, um dos moradores da comunidade abriu as portas de casa para Rosenbaum e Ambrosio, que criaram um laboratório de pesquisa dentro da residência. Com o suporte da ONG Instituto Mandaver e o suporte do artesão Itamácio dos Santos, surge a biomassa que deu origem ao cobogó Mundaú.
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O que é sururu?
É um molusco pequeno, semelhante ao vôngole, típico da região das lagoas de Maceió. Sua casca é furta-cor e a carne é amarela. Os pescadores brincam que o caldo de sururu é afrodisíaco pela energia que traz. Ele é considerado patrimônio imaterial do estado de Alagoas.
A lagoa Mundaú é onde se encontra o sururu em maior quantidade. A comunidade ao redor vive à base da sua pesca.
"O avanço da região metropolitana, do centro, foi deixando-a à margem e transformando-a numa favela, mas era uma comunidade de pescadores", explica Ambrosio.
A concha
O problema é que a concha do sururu traz problemas sanitários para a população, pois a pesca é elevada e não há um descarte adequado para o resíduo. Diversas campanhas, incluindo o Projeto Sururu, surgem para solucionar esse incômodo.
"A concha é praticamente calcária, então não é lixo. É uma matéria-prima que ia para o lixo. Os resíduos orgânicos que ficam na casca apodrecem, e os bichos vão comê-los. Então, isso gera bicho de pé, infecções (a casca é também uma lâmina). Também tem o cheiro, que é muito forte", explica Ambrosio.
Rosenbaum conta que são 300 toneladas de casca de sururu descartadas por mês apenas na região.
Problemas ambientais e sociais
As mulheres que fazem a cata (abrem o molusco e retiram sua casca) do sururu são mal remuneradas e, muitas vezes, vivem em situação de miséria. O trabalho também é desgastante e causa feridas por conta da concha afiada.
Por essas e outras razões, Rosenbaum vê como fundamental o reaproveitamento da casca não apenas como uma questão ambiental, mas também social.
"Tem que ter o aterro sanitário, mas de direcionar para indústria, pra algumas questões. Mas esse é um processo que não pode ser só ambiental. Ele tem que entrar no social inclusive como oportunidade de geração de renda."
"De certa forma, todo problema ambiental em algum momento ele vai se tornar um problema social. Nesse caso é mais direto, ele é logo primário, assim. E o projeto, ele tenta solucionar a parte disso", complementa Ambrosio.
Sururu: conchas que transformam
Em 2023, o Projeto Sururu foi rebatizado com o nome Sururu: conchas que transformam, justamente pelo peso que o marisco tem na vida da comunidade.
Embora o projeto tenha surgido em 2019 como uma parceria entre os profissionais e diversas instituições, Rosenbaum entende que a transformação acontece a passos lentos, mas eficazes.
"A gente tem agora o sururote, que é a moeda social do projeto, para conscientizar sobre essa matéria-prima de uma qualidade absurda."
"No começo do projeto, a gente tinha uma pesquisa da USP para decupar todas as propriedades da concha. São milhares! Ela serve para várias indústrias", explica Rosenbaum.
Festival
O Projeto Sururu trabalha com a identidade, pois a comunidade precisa se reconhecer no projeto. Para essa construção, Rosenbaum e Ambrosio se reuniram com algumas lideranças das seis comunidades e propuseram um festival para celebrar a cultura e a beleza do lugar.
Foi aí que surgiu o festival Mãe Lagoa Mundaú. São dois dias de festa em um espaço neutro, que não era dominado por nenhuma facção.
Todas as comunidades participaram. Uma das brincadeiras foi “o melhor sururu do mundo”. Nela, cada comunidade leva uma dupla de cozinheiras para criar um prato à base do marisco. Houve apresentações de balé, bumba-meu-boi, coral. Um festival da comunidade para a comunidade.
Itamacio
Pouco depois do festival, a dupla conheceu Itamacio dos Santos, artesão local e, nas palavras de Rosenbaum, um "cara muito talentoso, um professor Pardal" da favela em frente à lagoa Mundaú.
Itamacio já construía vasos de areia, resíduos industriais e cimento. Nisso, Rosenbaum e Ambrosio viram uma oportunidade. Trocar a areia pelas cascas de sururu para entender como essa textura funcionaria em um objeto.
De maneira generosa, o artesão também fez um workshop com 30 mulheres da comunidade para ensinar sua arte.
Resíduo vira matéria-prima
Um dos pontos importantes do Projeto Sururu é repensar o que realmente é lixo. Afinal, será que o resíduo descartado não poderia ser utilizado em outras funções e contextos?
Segundo Rodrigo Ambrosio, as comunidades com escassez de matéria-prima virgem costumam utilizar materiais que já estão no segundo ou terceiro ciclo.
"A própria decoração que a gente fez do palco e do festival Mãe Lagoa Mundaú foi com garrafas pets, com uma cooperativa local, mostrando exatamente que a beleza está em todo lugar", observa Ambrosio.
"É incrível como a visão da comunidade também vai mudando. A palavra 'lixo' ainda existe pela organização social, mas [os moradores] não enxergam mais como um lixo, uma coisa, porque eles sabem também que as catadoras que limpam o sururu podem levá-lo no entreposto e trocá-lo pelo sururote", relata.
"Essa moeda social circula por lá para eles terem acesso a bens de consumo, a serviços. Então não tem mais essa caracterização de 'tô jogando fora', não; isso aqui é uma riqueza", explica Ambrosio.
Sururu vira cobogó
A ideia inicial era que Rosenbaum e Ambrosio apenas entregassem um relatório. Mas conhecer Itamacio e se envolver com a comunidade foram acontecimentos que transformaram a relação da dupla com o projeto.
Antes do Mundaú, ambos tinham desenhado móveis, objetos, peças para decoração e até em revestimento. "O cobogó chegou atravessando", conta Rosenbaum.
Na época em que a ideia de fazer o cobogó surgiu, Rosenbaum estava em Miami criando a decoração da loja da Farm. Ele falou com Ambrosio e a dupla colocou a mão na massa, mesmo sem dinheiro — o investimento era apenas para o documento.
Ambos correram atrás de alguém que pudesse fazer a primeira forma de ferro para o cobogó. Depois de pronto, venderam a primeira parede de cobogós de sururu para a Farm de Miami.
Na biomassa, a casca moída de sururu entra como agregado médio para formar o cimentício no lugar da areia. A composição ficou com 80% de sururu e 20% de cimento. O resultado é de uma superfície bem furta-cor no cobogó. Além disso, o desenho do molusco forma o espaço vazado do elemento.
Chegada da Portobello no Projeto Sururu
A Portobello chega, então, não apenas para auxiliar na distribuição do cobogó Mundaú, mas também para ajudar Ambrosio e Rosenbaum a encontrar uma substância biodegradável que pudesse eliminar o cheiro do sururu.
"É inspirador para outros, porque a gente precisa de muitas Portobellos no Brasil nessas questões todas [de sustentabilidade] que vêm surgindo", aponta Rosenbaum.
Com tudo pronto, é hora de lançar o projeto. Ele surge, de maneira tímida, na Expo Revestir 2020, mas rouba a atenção do público com seu design diferenciado, história, proposta sustentável e superfície com toques de furta-cor.
"A gente, enquanto ser humano, vai procurando esse caminho de voltar ao berço inicial, à natureza. Na feira, eu percebi que outras marcas enxergaram também com esse olhar. Então ali eu acho que foi uma ruptura, uma queda de paradigmas", analisa Ambrosio.
"É muito importante falar também o quanto um projeto como esse precisa ser subsidiado. Ele não entra numa lógica direta de preço de mercado e de pensar no valor que vai ser ganho. Porque [o investidor] vai ganhar com ESG”, complementa Rosenbaum.
Em 2023, Ambrosio e Rosenbaum, em parceria com a Portobello, lançaram a linha Solar, também feita com uma mistura de cimento e cascas de sururu. O revestimento conta com seis tipos de cores salpicadas pelo furta-cor das conchas.
"Para o arquiteto, Solar materializa uma possibilidade muito mais abrangente de uso. O cobogó é muito marcante, muito específico e muito figurativo. Já a linha Solar consegue apontar outros caminhos de aplicação”, explica Ambrosio.
"No início, já queríamos colocar cor, mas fazíamos a mistura à mão no laboratório lá na favela. A cor não trazia o que queríamos, então optamos pelo material in natura. Quando a Portobello, enquanto indústria, traz esse suporte e faz um convite para esse material de revestimento com cor, ela traz parceiros que trabalham com cimentício, com coloração, e nos dá estrutura para continuar pensando, mas não só de uma maneira experimental", complementa Rosenbaum.
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