O problema do minimalismo contemporâneo
O minimalismo enquanto movimento estético e artístico se consolidou entre os anos 1950 e 1960, após a Segunda Guerra Mundial, trazendo peças feitas com o mínimo de recursos possível, com poucas cores e seguindo uma repetição de linhas e formas geométricas, com a ideia de criar uma linguagem universal. Porém, a busca por formas simples, linhas retas e geometrizadas já vinha se difundindo muito antes, como com a escola Bauhaus em 1919 e o movimento modernista.
Para ouvir o artigo completo, clique no play abaixo:
Todos esses movimentos de arte e design que culminaram na ideia de minimalismo tão difundida hoje têm em comum a ideia de simplificação dos objetos, trazendo o foco máximo para a sua função. O arquiteto alemão Mies van der Rohe, um dos grandes representantes do modernismo, ficou conhecido por imortalizar a frase que resume esse movimento: Menos é mais.
Outra fase que se tornou um princípio do minimalismo foi dita pelo arquiteto moderno Louis Sullivan: A forma segue a função (form follows function). Isso quer dizer que a prioridade de uma construção, espaço ou objeto é atender ao seu propósito, à sua finalidade, extinguindo supérfluos e mantendo apenas aquilo que é realmente necessário. A ideia de funcionalidade foi muito importante para o design como um todo, trazendo o foco para questões como usabilidade e ergonomia que antes passavam despercebidas, e colocando a função que os objetos desempenham para seus usuários no centro do processo de criação.
Esse conceito de design minimalista, que bebeu da fonte do modernismo e do funcionalismo, acabou se encaixando muito bem no contexto de globalização, industrialização e automatização de processos que vivemos nos últimos 40 anos. Afinal, para se produzir em larga escala, com cadeias produtivas globais, a simplicidade é necessária para se atingir velocidade.
Leia mais sobre minimalismo:
- A urgência do minimalismo, por Carvalhal
- Projeto de arquitetura minimalista em Dubai
- Japonismo: o minimalismo japonês
Hoje, o minimalismo e o funcionalismo se tornaram unanimidade em diversas áreas, da moda à arquitetura. Se pararmos para analisar, veremos que a maioria dos objetos do nosso dia a dia são quase que inteiramente inspirados no design minimalista e funcional: celulares, carros, aparelhos eletrodomésticos, roupas, casas, edifícios. Mas existe algum problema nisso?
O problema, como observa o designer Romério Castro, está na padronização absoluta, junto com a descaracterização do movimento minimalista em si. Se o minimalismo, em sua origem, prega o foco no que realmente importa, hoje vemos que os detalhes são deixados de lado em nome da mecanização e padronização de tudo.
Leia mais de Carvalhal:
- Como a autenticidade abre portas para a sustentabilidade
- Desigualdade de gênero e mulheres importantes para a arquitetura
- IAs geradoras de imagem e os impactos na arquitetura
Muitas vezes, o que hoje chamamos de minimalismo é puramente o resultado de um processo de industrialização e produção em massa, que se tornou ainda mais distante do design e da função real dos objetos. Afinal, no meio de um processo produtivo em larga escala, muito da atenção necessária ao design pode se perder pelo caminho. O resultado não é necessariamente um mundo mais minimalista, como a essência do movimento diria, mas sim mais estático, frio e menos colorido, como já comentei por aqui. Sem falar nos importantes traços culturais de cada lugar que vamos perdendo.
Além disso, em nome de priorizar a funcionalidade em detrimento da forma, podemos acabar nos esquecendo que encantar, comunicar e inspirar também fazem parte da função dos objetos, principalmente para aqueles que também cumprem um lugar emocional nas nossas vidas - como as casas em que moramos, as ruas que caminhamos, as roupas que vestimos.
Se estamos falando de um edifício comercial que precisa atender a inúmeros negócios diferentes, por exemplo, faz sentido que ele busque formas simples e padronizadas, mas isso não necessariamente precisa valer para casas ou prédios residenciais, afinal, esses têm como função principal se adequar às necessidades específicas e personalidades de seus moradores. Já em espaços urbanos coletivos, porque não trazer pequenos incrementos que estão ali cumprindo a função de encantar? Uma inspiração simples é essa estação de metrô em Salvador, Bahia.
Claro, não se trata de querermos voltar à era do movimento barroco ou rococó, onde tudo era feito à mão, com ornamentos incontáveis. O mundo é outro, as nossas necessidades e desejos também. Porém, isso não significa que precisamos abrir mão da emoção, da personalidade e do encantamento. Muitas vezes, ter um tempo para apreciar as belezas do mundo pode ser o respiro que falta na rotina para muita gente, e isso cumpre uma função importantíssima no mundo contemporâneo.
Será que não existe um caminho do meio, um onde resgatamos a verdadeira essência do minimalismo, sem perder em personalidade, essência e encanto? Afinal, um design simples é diferente de um design simplista. O arquiteto mexicano Luis Barragán é uma grande inspiração nesse sentido, mesclando muito bem as inspirações modernistas com a cultura regional mexicana: formas simples, linhas geométricas, muitas cores e vida. Minimalismo não é chato, a padronização que é.
perfeito e necessário👏🏻