Prêmio Pritzker valoriza arquitetura social e sustentável
Não seria exagero afirmar que Toyo Ito, Shigeru Ban, Frei Otto e Alejandro Aravena já eram arquitetos amplamente reconhecidos internacionalmente quando foram laureados pelo Pritzker, respectivamente, em 2013, 2014, 2015 e 2016. Nos anos mais recentes, entretanto, a premiação tem surpreendido, indicando nomes não tão famosos, pelo menos para nós, brasileiros. É o caso dos mais novos vencedores, a dupla francesa Anna Lacaton e Jean-Philippe Vassal.
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O Prêmio de Arquitetura Pritzker é o principal reconhecimento do nosso meio – há quem o chame de Oscar da arquitetura. Desde 1979, a cada ano o Pritzker premia um arquiteto vivo, pelo conjunto de sua obra. Recentemente, nos fez conhecer mais dos trabalhos dos espanhóis Rafael Aranda, Carme Pigem e Ramon Vilalta, laureados de 2017; do indiano Balkrishna Doshi, de 2018; do japonês Arata Isozaki, de 2019; e das irlandesas Yvonne Farrell e Shelley McNamara, de 2020.
A variedade de origens impressiona. Também é notável que nenhum deles, incluindo os novos Pritzkers, Lacaton e Vassal, possua grandes obras de destaque, o que ocorria no passado. Por exemplo, Jean Nouvel, laureado de 2008, tem em seu currículo a Torre Agbar, em Barcelona. Norman Foster, de 1999, o novo Parlamento Alemão, em Berlim. Renzo Piano, de 1998, o Centre Pompidou, em Paris. Todos eles fazem parte de uma geração de starchtects, ou arquitetos estrelados.
Por que o Pritzker mudou de direção em suas escolhas e tem elegido arquitetos mais low profile? Teria passado a era da arquitetura ostentação? A indicação de Shigeru Ban em 2014 já foi um indicador da mudança dos tempos. O arquiteto japonês se destacava por seus esforços humanitários, em locais destruídos por desastres. Ao lado de voluntários, ele erguia abrigos simples, de baixo custo e reutilizáveis para as vítimas. Em seu currículo, nenhum grande museu ou arranha-céu espelhado. Mas, sim, pequenas casas de bambu em campos de refugiados.
A indicação de Anne Lacaton e Jean-Philippe Vassal segue a mesma lógica – a valorização da arquitetura social e sustentável. No anúncio em março de 2021, o júri afirma: “Ao priorizar a vida humana através de generosidade e liberdade de uso, eles beneficiam os cidadãos nas esferas social, ecológica e econômica, contribuindo para a evolução das cidades.”
Lacaton nasceu em Saint-Pardoux, interior da França. Já Vassal vem de Casablanca, no Marrocos, antiga colônia francesa. Eles se conheceram na Escola Superior Nacional de Arquitetura e Paisagismo de Bordeaux. Logo depois de formados, fizeram o primeiro projeto juntos, na Nigéria. “É um dos países mais pobres do mundo, e as pessoas são tão incríveis, tão generosas, fazendo praticamente tudo com nada, encontrando recursos o tempo todo, mas com otimismo, poesia e criatividade. Foi realmente uma segunda faculdade de arquitetura”, declarou Vassal sobre a experiência.
O projeto era uma cabana de palha, erguida com matéria-prima local, que acabou destruída pelo vento apenas dois anos depois. O conceito de arquitetura da dupla é nunca demolir e aproveitar o que já existe de forma sustentável, por meio de adições, respeitando a simplicidade e propondo novas possibilidades.
De volta à França, eles iniciaram o escritório de arquitetura em Paris em 1987. Desde então, projetaram residências privadas e sociais, instituições culturais e acadêmicas, espaços públicos e planos urbanos, sempre priorizando a sustentabilidade. Por exemplo, a casa Latapie, em Floriac, interior da França, se aproveita da iluminação e ventilação natural para criar microclimas agradáveis.
Não muito longe dali, em Cap Ferret, eles projetaram outra casa sustentável. Em vez de cortar as 46 árvores do terreno, eles elevaram a casa do solo e permitiram que os troncos atravessassem a construção. Assim, os moradores vivem entre as plantas. Além de residências privadas, a dupla de arquitetos também já fez vários projetos de habitação social. Inclusive, chegaram a rejeitar projetos que pediam pela demolição de prédios dessa categoria.
Para que destruir se é possível transformar? Em 2017, Lacaton e Vassal reformaram 530 unidades residenciais em três prédios de habitação social em Bordeaux. Foram feitas melhorias tecnológicas, mas, principalmente, os apartamentos ganharam mais metros quadrados, em uma ampliação, garantindo mais espaço privado para famílias em situação de vulnerabilidade social. “Nós nunca vemos o existente como problema. Olhamos com positividade, porque existe a possibilidade de fazer mais com o que já existe”, diz Lacaton.
Os projetos em andamento da dupla incluem a transformação de um antigo hospital em habitação social em Paris; a reforma de um prédio corporativo também em Paris; a construção de prédios residenciais de porte médio em Anderlecht, na Bélgica, e em Hamburgo, na Alemanha; e a construção de um prédio de uso misto em Toulouse, na França.
Surpreendentemente, nenhum arranha-céu espelhado em Dubai. Apenas edifícios baixos na própria França e países vizinhos. Estamos acostumados à cultura do espetáculo, e design e arquitetura não fogem dessa expectativa. É difícil selecionar as imagens para ilustrar o trabalho dos novos Pritzkers Lacaton e Vassal – a princípio, nada salta aos olhos. Porém, escrever esse texto foi tarefa fácil, pois a história por trás da arquitetura dos franceses é notavelmente relevante. Talvez a nova geração de arquitetos seja menos visual, mas trabalhe com mais propósito.
“Esse ano, mais do que nunca, nós sentimos que somos parte da humanidade como um todo. Seja por razões de saúde, políticas ou sociais, existe a necessidade de construir um senso de coletividade. Em um sistema interconectado, ser justo com o meio ambiente e com a humanidade é ser justo com as próximas gerações”, comentou Alejandro Aravena, ele próprio vencedor do Pritzker em 2016 e hoje parte do júri do prêmio. “Lacaton e Vassal são radicais em sua delicadeza e marcantes em sua sutileza, equilibrando uma abordagem ao ambiente respeitosa e direta”, justificou Aravena.
Se a era da ostentação ficou no passado, podemos dizer que o último ano, marcado pela pandemia da Covid-19, reforçou a necessidade da arquitetura como ferramenta de transformação social, diminuindo desigualdades, e de construção de um futuro sustentável. Lacaton e Vassal entendem que a arquitetura tem a capacidade de construir uma comunidade e toda a sociedade.