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Pavilhão da Bélgica, com esta estrutura, convida os visitantes a experimentarem as qualidades táteis, acústicas e visuais do novo material proposto (Foto: Cortesia)

Os Pavilhões Nacionais da 18ª Bienal de Arquitetura de Veneza

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16.08.2023
Enviada especial à Veneza, a arquiteta Ludmila Moron descreve os pavilhões nacionais da Bienal de tema Laboratório do Futuro
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O futuro é uma incógnita, mas quais são as condições apropriadas para a criação de um futuro sustentável e inclusivo?  Através de temas, territórios, elementos e premissas, 49 países expuseram suas narrativas nas sedes do Arsenale e Giardini da Bienal de Arquitetura de Veneza de 2023. 

>>> Saiba mais sobre a Bienal de Arquitetura de Veneza

Na grande maioria, os pavilhões fizeram uma nova leitura de antigos cenários, interpretando que este é o caminho para a concepção das novas realidades, levando em consideração as mudanças climáticas e o estilo de vida. A partir de semelhanças de algumas propostas com temas recorrentes, fiz um agrupamento daqueles que se destacaram neste setor da mostra, que oferece um amplo e plural panorama mundial sobre o objeto desta edição. 

Ancestralidade 

A volta ao passado para resgatar a história e em busca de respostas que a arquitetura ainda não deu é o tema maior dessa exposição. Então, de uma maneira ou de outra, ele aparece em quase todos os pavilhões. A Austrália, por exemplo, ilustra a importância do processo decolonial. 

Uma interpretação bem contundente é a do pavilhão brasileiro, premiado com o Leão de Ouro pela pela primeira vez, que declara que sem reparação do passado não há futuro. Propõe a história contada por quem ainda não a contou, negros e índios, discutindo o território de Brasília e a extinção da Praça Onze, no Rio de Janeiro, com seus processos urbanísticos colonizadores como projetos de eliminação cultural. Terra, o tema-título, é vista a partir da sua ligação com os povos originários e de origem africana, “tanto como passado quanto futuro, como patrimônio e projeto, como reparação e design”. Esta exposição evidencia a importância do conhecimento e cultura desses povos para pensar e estabelecer um novo tipo de relação com a natureza, voltados à sua salvaguarda. 

Saiba mais:

No pavilhão uruguaio, o futuro pede novos caminhos para fazer velhas coisas. En Ópera conta através da música como a nova lei florestal, de 1987, fez com que a área de florestas crescesse mais de 30 vezes, e a indústria florestal, pela primeira vez, ultrapassasse as exportações da indústria da carne. 

A Romênia, com Now, Here, There, propõe a geração de novas ideias a partir da análise de processos criativos de invenções ou inovações elaboradas a partir de colaborações interdisciplinares que aconteceram em décadas passadas. 

O Pavilhão de Veneza, o único municipal, apresenta Venetie MML, a grande vista, a narração da obra. Faz um paralelo entre a cidade antiga, representada pela linda e icônica vista aérea da região desenhada por Jacopo de´Barbari em 1497, Venetie MD, e sua nova versão, Venetie MML, criada a partir de novas tecnologias cartográficas e que inclui os novos edifícios a serem concluídos até 2050. Aqui, de novo, o futuro é ancestral, mas também tecnológico. A mostra detalha 300 intervenções para demonstrar que “a operação de evolução urbana é possível somente através de um trabalho em equipe e gestão complexa de um grande manufato urbano”. Uma frase emblemática: “Bem vindos a Veneza 2050, a  cidade mais antiga do Futuro”, nos faz refletir sobre a importância de todos os momentos dos territórios e a relevância que a sensação de pertencimento e orgulho em relação ao local têm para o seu desenvolvimento.

 Pavilhão da Suíça, do arquiteto Bruno Giacometti, e sua exposição sensorial através do tapete impresso (Foto: Cortesia)

Bem leve, o pavilhão suíço utilizou da metalinguagem em sua mostra Vizinhos. O espaço tinha somente um tapete estampado com a planta deste edifício, desenhado pelo arquiteto Bruno Giacometti, e do vizinho, o pavilhão venezuelano projetado por Carlo Scarpa, mostrando como originalmente os edifícios dialogavam e como as alterações que aconteceram ao longo dos anos criaram o destacamento entre eles. De uma maneira bem relaxante e sensorial - tire os sapatos e passeie pelo tapete —, voltamos ao passado, de novo, para elaborar o presente, onde “aprendemos somente nos relacionando com os outros”. 

Água  

Elemento fundamental para pensar o futuro do planeta, foi escolhida como tema central de diversos países. A Argentina apresentou vários projetos recentes relacionados ao tema; o Egito elegeu o Nilo; as Filipinas os estuários. Em Corpos de Água, a Grécia abordou a modificação do seu território pelas intervenções relacionadas a reservatórios, drenagem, irrigação, abastecimento e projetos hidrelétricos, mostrando a transformação geológica em construção e a sua problemática como um laboratório para o futuro. Já a Dinamarca, com Imaginários Costeiros, evidencia a crise da paisagem costeira colocando a problemática como espaço ideal para existir um laboratório do futuro. 

Inclusão 

Duas propostas de destaque para este tema, concretas e contundentes, foram apresentadas pela Áustria e pelo Canadá.

Pavilhão da Áustria. Modelo do projeto apresentado para a Bienal e não aprovado, que fazia a ligação entre o bairro de Sant´Elena e o Giardini (Foto: Cortesia)

Questionador, o pavilhão austríaco Beteilung (Participação) é uma grande instalação. O projeto expográfico previa que esse grande parque, que é o Giardini, fosse aberto aos cidadãos venezianos através de um acesso por este pavilhão ao bairro de Sant´Elena, fazendo dessa conexão uma reconstrução do tecido urbano. A área do Giardini corresponde a 10% do centro histórico de Veneza e foi tornando-se privada ao longo dos anos; atualmente o acesso é pago e limitado ao período das mostras da Bienal. As permissões foram negadas e o que você encontra é um canteiro de obras paralisado que conta essa história.  

O pavilhão do Canadá, Não está à venda, faz uma forte panfletagem através de projetos arquitetônicos ativistas em defesa da habilitação social ecológica, criativa e que respeite as diferenças culturais. São dez demandas que discutem,  entre outros temas, o processo de gentrificação e a propriedade coletiva. 

Material 

A sustentabilidade pensada a partir dos materiais e todo o seu valor cultural também foi abordada a partir de diferentes lentes. Os Estados Unidos discutiram o uso e reúso do plástico. Muitos países, como a Arábia Saudita, trouxeram a terra como material primário e antropológico para uma reflexão colaborativa da criação do futuro.

Pavilhão da Alemanha. Um jogo de tabuleiro no qual você toma várias decisões para montagem de um projeto  sustentável e baseia suas escolhas de materiais em relação ao briefing, custo e tempo de projeto (Foto: Cortesia)

Aberto para manutenção, o pavilhão alemão armazenou grande parte do material da Bienal de Arte de 2022,  catalogando e montando uma oficina para o seu reúso. Todo o mobiliário do pavilhão, que conta com cozinha e sala de reuniões, é feito com esse material. A mostra lança os olhos para a importância da manutenção arquitetônica no lugar da demolição e reconstrução. Além de ter uma programação de oficinas para aprendizado de pequenos restauros, propõe um jogo de tabuleiro no qual, passo a passo, você entende os valores e necessidades de um projeto em relação ao reúso, reciclagem e consumo de materiais locais. 

O pavilhão da Bélgica, com a exposição In Vivo, traz uma reflexão sobre os recursos finitos e produção arquitetônica. Propõe a criação de um novo material totalmente renovável através do cultivo de fungos, discutindo o aspecto cíclico  dos materiais em integração aos processos da natureza.

Durabilidade 

A questão da longevidade dos edifícios em relação à emissão de carbono na construção civil já é um dado bastante consolidado. Mas que países se posicionaram alinhados com esta ideia menos desenvolvimentista do ponto de vista econômico? 

A Turquia apresentou lindos exemplos de reúso de edifícios abandonados, com simulação através de realidade virtual, expondo um grande leque de possibilidades e dimensões de intervenção que tornam os espaços vivos novamente através da presença de pessoas e da ação coletiva. Faz uma crítica incisiva às grandes construções que remodelam grandes trechos urbanos e examina as suas consequências dentro das cidades. 

Arquitetura, um lugar para ser amado _ quando uma arquitetura é vista como uma criatura viva é o tema-título do  pavilhão japonês. De maneira bastante poética e celebrando os 67 anos da inauguração do edifício do pavilhão, o foco é a importância da presença das pessoas nos edifícios e das histórias por ele abrigadas para a longevidade arquitetônica.  

Outros destaques

Pavilhão da Grã Bretanha. Sabão Azul e Água, da artista Sandra Poulson, “analisa o papel das rotinas de  limpeza como instrumento de mobilidade social e ocupação do espaço” (Foto: Cortesia)

O premiado pavilhão da Grã Bretanha, Dançando em frente à Lua, expondo uma série de esculturas realizadas a partir de materiais reutilizados da Bienal de Arte de 2022, destaca a importância da produção circular. A obra Bardo, de Madhav Kidao é um exemplo de como repensar esse ciclo: “Segundo a filosofia monoteísta, e por extensão, ocidental, a morte é uma conclusão: tudo inicia e acaba, nasce e morre. Já para o hinduísmo, budismo e outras crenças antigas, a existência é contínua: os homens são um mero elemento dentro de um sistema mais amplo, interconectado”. Apresenta elementos artísticos cheios de histórias e significados que ligam a questão social de maneira indissolúvel à questão da sustentabilidade. 

O novo museu etnográfico em Budapeste, projetado por Marcel Ferencz e construído em 2022, é apresentado no pavilhão húngaro com o tema Reziduum – A Frequência da Arquitetura. A exposição mostra a relevância do partido arquitetônico ao enterrar grande parte do edifício e integrá-lo ao parque. Também conta a relação entre a fachada rítmica inspirada nos elementos culturais do próprio museu, como a música. A seção interativa onde você pode criar a sua própria estampa a partir dos símbolos e padrões etnológicos do museu é uma imersão em todo o processo cultural e criativo do museu.

A Chéquia discute de uma forma pungente as condições de trabalho dos arquitetos, já que são os autores do futuro arquitetônico, explanando a necessidade de revisão das situações de trabalho para a possibilidade de um futuro melhor. Como mudar o futuro se as condições de trabalho não são dignas? Impressionante a exposição de dados como horas de trabalho semanais, índices de doenças como burnout e relações abusivas, em todo o mundo. 

O laboratório do futuro está em todo lugar pois o futuro é um projeto do agora. Mas como a arquitetura projeta os lugares onde será criado o futuro? As respostas são múltiplas e multifacetadas pois o futuro deve ser complexo e rico se deseja ser inclusivo e sustentável. 

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  1. Muito bom o texto de Ludmila! Informa muito bem sobre o que aconteceu na Bienal de Veneza: quem não pôde ir conseguiu ter uma boa visão sobre os caminhos da arquitetura hoje.



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