05.06.2023
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Gab de Matos e Paulo Tavares, curadores do pavilhão Terra, recebem prêmio Leão de Ouro na Bienal de Arquitetura de Veneza de 2023 (Crédito: Biennale/Divulgação) 

O futuro é ancestral!

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05.06.2023
O pavilhão brasileiro na Bienal de Veneza ganhou o prêmio Leão de Ouro, com o projeto Terra, de Gabriela de Matos e Paulo Tavares. As colunistas do Beiral Arquitetura celebram a conquista inédita e interpretam o conceito de ancestralidade da exposição
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Foi com muita alegria que soubemos que o pavilhão brasileiro Terra recebeu o Leão de Ouro de melhor participação nacional na Bienal de Arquitetura de Veneza de 2023. Um prêmio inédito para a arquitetura brasileira.

A 18ª Exposição Internacional de Arquitetura - La Biennale di Venezia acontece de 20 de maio a 26 de novembro, em Veneza, na Itália. O tema deste ano, O Laboratório do Futuro, traz o continente africano como protagonista desse debate. Finalmente, todas as atenções voltadas para o que é ancestral.

Saiba mais sobre a Bienal de Veneza:
- Por dentro do Pavilhão do Brasil na Bienal de Veneza 2023
- Bienal de Arquitetura de Veneza 2023 propõe um Laboratório do Futuro
- Balanço da Bienal de Arte de Veneza 2022

A exposição do pavilhão representante do Brasil é de curadoria de Gabriela de Matos e Paulo Tavares e conta com a colaboração de um diverso grupo formado por: povos indígenas Mbya-Guarani; Tukano, Arawak e Maku; Tecelãs do Alaká; Ilê Axé Iyá Nassô Oká (Casa Branca do Engenho Velho); Ana Flávia Magalhães Pinto; Ayrson Heráclito; Day Rodrigues com colaboração de Vilma Patrícia Santana Silva (Grupo Etnicidades FAU-UFBA); coletivo Fissura; Juliana Vicente; Thierry Oussou e Vídeo nas Aldeias.

Gab de Matos e Paulo Tavares, curadores pavilhão brasileiro Terra que ganhou Leão de Ouro
Gab de Matos e Paulo Tavares, curadores do pavilhão Terra (Crédito: Biennale/Divulgação) 

Lesley Lokko, curadora da Bienal, explica: “Há um lugar neste planeta onde todas essas questões de equidade, raça, esperança e medo convergem e se unem. África. A nível antropológico, somos todos africanos. E o que acontece na África acontece com todos nós”.

Terra responde ao tema da edição desafiando as narrativas hegemônicas e contando a história que a história não conta, a do Brasil invisibilizado, que é indigena e negro. Assim, reflete sobre passado, presente e futuro, simultaneamente, numa maneira de ver o mundo que é Sankofa: “não é tabu voltar para trás e recuperar o que você esqueceu (perdeu)”.

Pavilhão brasileiro Terra na Bienal de Arquitetura
Representação digital do Pavilhão (Foto: Divulgação/Fundação Bienal de São Paulo)

Vendo imagens da exposição, veio à lembrança Histórias para ninar gente grande, um dos samba-enredos mais importantes da Mangueira:

“Brasil, meu nego / Deixa eu te contar / A história que a história não conta / O avesso do mesmo lugar [...] Brasil, meu dengo / A Mangueira chegou / Com versos que o livro apagou / Desde 1500 tem mais invasão do que descobrimento / Tem sangue retinto pisado / Atrás do herói emoldurado / Mulheres, tamoios, mulatos / Eu quero um país que não está no retrato”

O pavilhão do Brasil, edifício modernista, foi redefinido para a mostra por três elementos: as grades Sankofa que reconfiguram a fachada; o piso recoberto com terra que ocupa todo o pavilhão e convida o visitante a “pisar na terra”; e uma série de tecidos feitos pelas tecelãs do Alaká, em suspensão adornando o interior como as bandeirolas de um terreiro.

A terra aparece como elemento complexo, que tem dimensões simbólicas, sensoriais, espirituais, mas que também é materialidade concreta e tecnologia. O aterramento é um convite à lembrança de que pisamos todos o mesmo chão e que, a Terra, enquanto planeta, é casa de toda a vida, não somente a humana. E se foi justamente a visão de mundo eurocêntrica de oposição entre homem e natureza que nos trouxe ao esgotamento climático, não é nela que encontraremos soluções para o problema.

É impossível pensar soluções para pautas urgentes, como a crise climática, invisibilizando comunidades indígenas e quilombolas, afinal são elas que ocupam há tempos os territórios mais preservados do Brasil. Gente que carrega o conhecimento ancestral em suas práticas, tecnologias e saberes, bem como outras formas de fazer arquitetura, possibilidades de futuros menos apocalípticos do que o colonialismo nos preparou. 

Como bem disse Ailton Krenak: “O futuro é ancestral e a humanidade precisa aprender com ele a pisar suavemente na terra”.

Após receber o prêmio, Gab de Matos postou em sua rede social: “Há tempos venho pensando o quão importante seria que o cenário mundial de arquitetura soubesse sobre a arquitetura afro-brasileira, essa que surge a partir da diáspora africana e se desdobra em um modo de ser e de fazer singular. Totalmente nossa. E que se relaciona profundamente com aquela que já estava presente em nosso território, indígena.”

Sim, é importante e poderoso que o mundo saiba dessa arquitetura genuinamente brasileira e, mais do que isso, é fundamental que nós brasileiros saibamos disso. A diáspora nos desconectou de quem nós somos enquanto povo, privados do conhecimento sobre as nossas origens e convencidos da falta de valor de nossos ancestrais.

Confira mais colunas da Beiral:
- Querida arquiteta negra!, carta de celebração e incentivo a outras profissionais
- Viva o Benin!, sobre a importância da cultura africana na construção do Brasil
- Kéré, o Pritzker que tanto esperamos

Como é importante questionar os discursos hegemônicos e dizer que as cidades brasileiras não foram construídas sobre espaços vazios. É fundamental lembrar que o território brasileiro era ocupado por populações originárias que foram e ainda são dizimadas sob muita violência.

Como é importante lembrar que a história da arquitetura brasileira apresentada na academia existe, mas que não é a história completa. Assim, Terra traz também o debate sobre a formação e educação na arquitetura, que perpetua o mesmo modelo e forma arquitetas e arquitetos com as mesmas referências.

Terra faz a gente lembrar do chão de terra batida na casa da avó, que as mais velhas molhavam com água, depois varriam, e a vida acontecia sobre aquele chão. Ao contrário do que se diz na academia, crescemos cercadas de arquitetura. Isso também é arquitetura.

O prêmio inédito para o Brasil nos resgata e nos energiza. Somos potentes e somos muitos! Enquanto mulheres negras nos enxergamos na criação e na potência de Gab de Matos. Que essa conquista chegue a cada arquiteto negro e/ou indígena nos lembrando da nossa sabedoria e ancestralidade.

Se há meses atrás lamentamos o descaso com a cultura e o patrimônio histórico brasileiro, hoje, temos muito do que nos orgulharmos.

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