26.06.2023
Avaliação 
Avalie
 
Sem votos
Avaliar
ondas ambientais no urbanismo
Rio de Janeiro, sede da marcante conferência ambiental Rio+92, pode ser uma das cidades litorâneas afetadas (Imagem: Wirestock no Freepik)

Duas ondas ambientais ocorreram nas cidades nos últimos 40 anos. Qual será a terceira onda?

 minutos de leitura
calendar-blank-line
26.06.2023
No mês do meio ambiente, o arquiteto Marcelo Roméro, doutor em eficiência energética pela FAU-USP e professor do mestrado da Belas Artes, descreve como diferentes visões sobre sustentabilidade pautaram o urbanismo nas últimas décadas - e os drásticos desafios ambientais que as cidades enfrentarão com a crise climática
minutos de leitura

O ano de 1972 foi absolutamente marcante na questão ambiental global, pois, no mês de junho, portanto, há exatos 51 anos atrás, foi criado oficialmente o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, ou UNEP - United Nation Environment Programme

Leia também:

É bem verdade que muito antes desta data, ainda no âmbito das Nações Unidas, já havia genuínas preocupações com a questão ambiental, e entre elas destaco o resultado da 1.555ª Reunião Plenária, ocorrida em 30 de julho de 1968, onde se decidiu incluir na agenda da 23ª Sessão um item de pauta intitulado The problems of Human Environment, ou Os Problemas do Ambiente Humano

Primeira onda: consciência ambiental global

Mais efetivamente, entre 5 e 16 de junho de 1972, ocorreu a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, em Estocolmo, Suécia, que entrou para a história como a primeira conferência mundial que discutiu e tratou o meio ambiente como uma questão global, e não local. Desta conferência, resultou a Declaração de Estocolmo, que marcou o início de um diálogo entre os países industrializados e em desenvolvimento sobre a ligação entre o crescimento econômico, a poluição do ar, da água e dos oceanos e o bem-estar de populações nos mais diversos ecossistemas globais - sobretudo nas cidades.

Chamados para a Conferência de Estocolmo em 1972. Fonte: Down To Earth (acesso em 18/06/23)

Talvez o principal resultado da Conferência de Estocolmo tenha sido a criação do UNEP - United Nation Environment Programme. Sistematicamente, a partir da criação do UNEP, as Nações Unidas elaboraram uma agenda global bastante agressiva. Em 1982, propuseram a formação de uma Comissão Internacional para estudar em que condições se encontrava ambientalmente o planeta, batizada de Comissão Mundial para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento. Esta comissão contou com a participação de especialistas de diversas nacionalidades, inclusive do Brasil, representado pelo Sr. Paulo Nogueira-Neto, e foi coordenada pela então Primeira-Ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland. A comissão entregou em 1987 o produto do seu trabalho na forma de um relatório, que ficou conhecido e entrou para os anais da história e para os registros ambientais como Relatório Brundtland. Este relatório se tornou um marco na luta ambiental e é reconhecido como o documento onde o termo “desenvolvimento sustentável” foi de fato cunhado e compreendido no seu sentido lato, se tornando palavra de ordem para todas as ações em prol do ambiente. Até os dias de hoje, o Relatório Brundtland é citado em centenas de trabalhos científicos, técnicos e acadêmicos e gerou de fato o início de uma consciência ambiental no planeta.

Capa do Relatório Brundtland – Our Common Future
Capa do Relatório Brundtland – Our Common Future (Fonte: o autor)

Com a conferência Rio 92, se encerrou a primeira onda, iniciada em 1972 com a criação da UNEP, completando um ciclo de 20 anos que chamamos de período da Consciência Ambiental Global, no qual várias ações na escala global foram tomadas e as preocupações ambientais com as áreas urbanizadas do planeta passaram a fazer parte da agenda ambiental internacional.

Segunda onda: resiliência urbana

A convenção Rio 92, ou UNCED - Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, também chamada de Cúpula da Terra ou ECO-92, foi um outro marco ambiental de sucesso em relação à sustentabilidade global, pois enfatizou a questão do desenvolvimento sustentável e da Agenda 21. Esta agenda se constitui em um conjunto de metas e estratégias para promover o desenvolvimento de cada país, porém de forma sustentável e com um rebatimento direto no planeta. A conferência no Rio debateu a relação entre o desenvolvimento econômico e a preservação ambiental, que é uma temática que ainda não teve uma solução definitiva até os dias de hoje. Sabemos quais são os impasses desta questão, mas as soluções esbarram e tangenciam questões políticas, econômicas e de soberania dos países. O Brasil, país sede do evento e signatário do documento final, não deu a devida importância à questão e à Agenda 21 - para além da academia e de algumas prefeituras, é um documento praticamente desconhecido na esfera governamental. A Rio 92 contou com a participação de 179 países e o seu impacto foi tão grande que, na sequência, foram realizadas outras três conferências: Rio+5 em Nova York, Rio+10 em Johanesburgo e Rio+20 novamente na cidade do Rio de Janeiro. 

As duas ondas ocorridas nas cidades no mundo (Concepção da figura: o autor)

A segunda onda se iniciou após a Rio 92, 20 anos depois da Conferência do Meio Ambiente Humano realizada em Estocolmo em 1972. Naquele momento, já havia uma consciência global a respeito da temática ambiental e dos principais impactos que poderiam ser causados nas cidades do mundo, com maior ênfase nas grandes aglomerações urbanas, caso nenhuma medida fosse tomada. Havia também a consciência de que as questões climáticas e ambientais estavam estreitamente relacionadas com outras questões de igual importância como os fatores sociais e econômicos e o sucesso de um setor não se faz sem o sucesso do outro.

A segunda onda marcou o início de uma discussão global entorno da resiliência urbana, que é a capacidade de indivíduos, comunidades, instituições, negócios e sistemas, dentro de uma cidade, de sobreviver, de se adaptar e de crescer, não importando os estresses crônicos ou os choques que venham sofrer e experimentar. Não foi à toa que esta discussão surgiu, uma vez que estresses crônicos e choques ambientais já vinham sendo sentidos e registrados em diversas cidades ao redor do mundo, mas a partir dos anos 1990, afloraram de forma irreversível o conceito de resiliência aplicado às cidades. Esta aplicação se deu tanto na teoria, como na prática, em dois grandes grupos de ações: as ações de mitigação e as ações de adaptação. As ações de mitigação são marcadas por medidas que objetivam reduzir as causas do problema, sejam elas de origem climática, social, econômica ou ambas associadas. As ações de adaptação buscam soluções não mais nas causas, mas nas consequências, reduzindo ao máximo os impactos de uma realidade de estresse ou de choque que já ocorreu. Como resultado desta segunda consciência, direcionada aos ambientes urbanos, mais de uma centena de grandes aglomerados urbanos em todos os continentes realizaram os seus planos de resiliência, com medidas de mitigação e adaptação.

Atualidade: cidades enfrentando drásticas consequências

No momento em que estamos, na segunda década do século 21, passados cinquenta anos desde a Conferência de Estocolmo, as consciências estabelecidas nas duas primeiras ondas caminham juntas. A consciência da questão climática global permanece e vem ganhando cada vez mais força, e as Nações Unidas continuam liderando este processo. De outro lado, os planos de resiliência urbana como elementos agregadores, que buscam soluções tanto para os efeitos climáticos, como para a sustentabilidade das cidades, continuam sendo uma necessidade, pois conjugam simultaneamente as importantes soluções de mitigação e de adaptação. 

As medidas de sustentabilidade isoladamente não resolvem mais os problemas urbanos, pois as cidades, apesar de serem sistemas altamente organizados e complexos, são, na mesma proporção, sistemas altamente vulneráveis a uma série de condicionantes ambientais, sociais e econômicas, e as ações de resiliência emergenciais ou perenes se apresentam como uma possível solução à estas questões. A pergunta que se coloca aqui é: para onde iremos nas próximas duas décadas e que nova consciência surgirá?

A esperança de que o Acordo de Paris seja cumprido integralmente na sua proposição ideal, ou seja, limitando a temperatura média do planeta em 1,5 °C de aquecimento acima dos níveis pré-industriais, nos parece estar cada vez mais distante. Para que isto ocorra, as emissões globais precisam ser cortadas em cerca de 50% até 2030 e este cenário tem pouca probabilidade de ocorrência, não obstante a luta das Nações Unidas por mais transparência e compromissos de todos os países. E qual será o impacto nas cidades caso o Acordo de Paris de fato não seja cumprido? A resposta inclui: elevação do nível dos oceanos atingindo todas as cidades que se situam em regiões litorâneas e as drásticas consequências que o aquecimento global provocará no clima com rebatimento direto nas áreas urbanizadas. 

Possível terceira onda: adaptação climática

Diante disto, e considerando que as medidas de mitigação não chegarão a produzir o resultado desejado, a minha posição inicial é de que a terceira onda será a onda da adaptação climática. O conceito de adaptação será um conceito-chave nas próximas duas décadas. As cidades precisarão se preparar para as alternativas de adaptação em todas as áreas, não obstante o fato de que as ações de mitigação continuarão em curso e ambas devem permanecer caminhando juntas. Neste cenário, os planos de resiliência se fazem cada vez mais necessários, como um instrumento de adaptação preparando as áreas urbanas - que serão em 2030 o lócus de 60% da população do planeta e 90% da população do Brasil –, para o enfrentamento racional, técnico e ambiental desta realidade.

Marcelo de Andrade Romero é arquiteto e urbanista pela FAU-BC (1977-1981); mestre em Avaliação Pós-Ocupação pela FAU-USP (1987-1990); doutor em Eficiência Energética e Comportamento pela FAU-USP e pelo Lab Nac de Energia e Geologia de Portugal (1991-1994); professor do mestrado e da pós lato sensu da Belas Artes (desde 2015); e pró-reitor de ensino da Belas Artes (desde 2019).

Compartilhe
Avaliação 
Avalie
 
Sem votos
VOLTAR
ESC PARA FECHAR
Minha avaliação desse conteúdo é
0 de 5
 

Duas ondas ambientais ocorreram nas cidades n...

Duas ondas ambientais ocorreram nas cidades nos últimos 40 anos. Qual será a terceira onda?

  Sem votos
minutos de leitura
Em análise Seu comentário passará por moderação.
Você avaliou essa matéria com 1 estrela
Você avaliou essa matéria com 2 estrelas
Você avaliou essa matéria com 3 estrelas
Você avaliou essa matéria com 4 estrelas
Você avaliou essa matéria com 5 estrelas

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Como resolver a adaptação climática urbana nas macro-metropoles com tanta desigualdade, baixo grau de civilidade, e omissão e ignorância das instâncias governamentais ?



Não perca nenhuma novidade!

Assine nossa newsletter para ficar por dentro das novidades de arquitetura e design no Brasil e no mundo.

    O Archtrends Portobello é a mais importante fonte de referências e tendências em arquitetura e design com foco em revestimentos.

    ® 2024- Archtrends Portobello

    Conheça a Política de Privacidade

    Entenda os Termos de Uso

    Veja as Preferências de Cookies