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(Imagem: divulgação)

Três ondas ocorreram na Arquitetura nos últimos 50 anos. Qual será a quarta onda?

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02.05.2023
O arquiteto Marcelo Roméro, doutor em eficiência energética pela FAU-USP e professor do mestrado da Belas Artes, descreve como diferentes visões sobre sustentabilidade pautaram a arquitetura em três grandes ondas nos últimos 50 anos
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A estação WTC Cortlandt do metrô de Nova York, conhecida como Oculus, de 2016, leva em conta sustentabilidade ambiental, com otimização do consumo de energia, e bem-estar dos usuários, como preconiza a terceira onda (Foto: Wirestock no Freepik)

O setor dos edifícios - e por consequência, a Arquitetura - passou por três longas e grandes transformações desde a década de 1970, quando foi atingido por ações ocorridas na escala global que geraram mudanças significativas nas concepções projetuais e na condução de suas etapas de uso e operação. Analisaremos a seguir este setor, do ponto de vista da sustentabilidade, buscando compreender as transformações ocorridas nas últimas cinco décadas e as transformações futuras, com base nos avanços já alcançados. 

Identificamos aqui três grandes ondas, com cerca de vinte anos em média de duração e permanência nas duas primeiras ondas. Faço uma previsão bastante realista de que a terceira onda, a atual, terá uma duração ainda menor, talvez de 15 anos, e será superada por um novo paradigma ainda desconhecido e apenas prospectado.  

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Primeira onda: do desperdício de energia à arquitetura bioclimática

A primeira grande transformação, batizada aqui de primeira onda, ocorreu com o advento da primeira grande crise do petróleo, ocorrida em 1973, há exatos cinquenta anos, quando não havia nenhuma restrição ao consumo de energia para o setor dos edifícios na escala global. Neste ambiente sem exigências legais, o clima do lugar de construção do edifício foi amplamente ignorado em nome das novas tecnologias de climatização, de iluminação e de equipamentos que surgiam e despontavam à época. As tecnologias passivas, responsáveis pela sobrevivência da arquitetura nos últimos dez milênios anteriores, deixaram de ter um papel preponderante naquela nova arquitetura e passaram a ser apenas elementos de vedação com um papel fundamentalmente estético. 

A consequência destas ações foi o nascimento de um estilo arquitetônico internacional que foi repetido em todos os continentes e todos os climas, independentemente se havia ali alguma relação climática entre os edifícios e as suas localizações geográficas. O resultado não poderia ser outro e os consumos de energia elétrica no setor dos edifícios em todo o mundo, com mais ênfase nos países desenvolvidos, atingiram os maiores valores possíveis. Cita-se, por exemplo, os edifícios corporativos de escritórios, que nos Estados Unidos atingiam consumos da ordem de 100 kWh por metro quadrado, que é cerca de dez vezes maior que os valores praticados atualmente nesta segunda década do século 21. 

A crise do petróleo pois fim a esta era de desperdícios e impôs aos arquitetos os regulamentos energéticos no modelo top-down, de cima para baixo, porém com um grande atenuante, que se tornou um grande benefício, que foram os indicadores de desempenho. Com eles, os projetistas não estavam mais obrigados a seguir padrões construtivos pré-estabelecidos como fora no passado nos códigos de obra e nas antigas cartilhas construtivas, mas estavam livres para criar soluções de fachadas, de cobertura e de envidraçados com toda a liberdade e criatividade possível, desde que estes elementos possuíssem indicadores de desempenho situados dentro dos limites preconizados pelos regulamentos. 

Este foi um grande avanço que resultou na primeira onda e acabou por reconciliar novamente dois elementos que outrora eram inseparáveis: a arquitetura e o clima. O resultado foi tão significativo que a nova arquitetura foi batizada tanto pela arquitetura, como pelo mercado, de arquitetura bioclimática, como se algo novo tivesse sido criado; como se a arquitetura nunca tivesse sido bioclimática; como se os arquitetos daquela geração tivessem criado um novo movimento arquitetônico. Um grande engano, pois, a arquitetura desde o seu nascimento foi bioclimática e o fez pela sobrevivência dos seus usuários. 

Segunda onda: ampliação do conceito de sustentabilidade e certificações

A segunda onda ocorreu a partir dos anos 1990 do século 20 e teve como gatilho o lançamento da certificação ambiental Breeam - Building Research Establishment Environmental Assessment Method no Reino Unido, como um sistema de classificação por desempenho que confere aos edifícios um determinado score e um selo, a partir de um desempenho mínimo alcançado. A Conferência das Nações Unidas em 1992 no Rio de Janeiro, com o lançamento da Agenda 21 e a criação do USGBC – United States Green Building Council em 1993, consolidaram esta visão na escala mundial e caracterizaram a segunda onda com uma especificidade bastante particular. 

Esta especificidade pautou-se na nova preocupação dos arquitetos, para além da eficiência energética em si, pois esta questão já estava superada com os regulamentos energéticos. Era necessário algo mais. Não bastava aos edifícios serem eficientes no uso da energia, tornava-se necessário o serem também no uso da água, no uso dos materiais de construção com baixo impacto ambiental, na relação dos edifícios com o seu entorno imediato e na qualidade dos ambientes interiores, incluindo a satisfação dos usuários e a redução dos gases do efeito estufa na escala global. 

A segunda onda representou uma grande alteração na forma de se projetar, de construir e de operar os edifícios nas etapas de uso e operação e as ferramentas de certificação mediaram esta transformação. Muito embora o evento que marcou o início da segunda onda tenha sido o lançamento da primeira certificação ambiental, vale ressaltar e compreender que isto somente ocorreu naquele momento histórico como decorrência de uma série de ações preconizadas e conduzidas pelas Nações Unidas desde 1972, com a criação do seu programa ambiental, a UNEP - United Nations Environment Programme (ver figura 1). 

Figura 1 – As três ondas ocorridas no setor dos edifícios no mundo.
Concepção da figura: O autor

Terceira onda: centralidade no usuário

A terceira onda priorizou e preconizou os usuários como os elementos mais importantes no processo projetual, habitantes silenciosos dos nossos edifícios, que, mesmo sem uma manifestação ativa, sentem e percebem o ambiente ao seu redor. Eles não foram esquecidos pelas certificações ambientais, mas algo ainda faltava. Se considerarmos as certificações mais frequentemente utilizadas no mundo hoje, como o Leed - Leadership in Energy and Environmental Design ou o Breeam ou a certificação francesa HQE - Haute Qualité Environnementale, há um bloco de créditos direcionados especificamente à qualidade do ambiente interior, mas o aprofundamento e o detalhamento destas questões veio somente com a terceira onda, que lançou um conjunto de certificações específicas para a saúde no interior dos ambientes.  Estão neste bojo as certificações Well Building Certification do USGBC de 2014, a certificação Healthy Building Certificate de 2017 e a certificação GBC Life do Green Building Council do Brasil. 

Quarta onda: para onde iremos agora?

A questão que se coloca é: Para onde iremos agora? Que rumo tomarão os edifícios?  A julgar pela duração da primeira e da segunda onda, os seus períodos médios de duração foram de cerca de 20 anos. Respeitando esta cadência, a terceira onda que está em vigor e continua operando deveria ser superada por um novo paradigma em 2034, mas, a julgar pela velocidade de transformação da sociedade, as grandes mudanças estão ocorrendo em períodos cada vez mais curtos, o que significa que a quarta onda, ou seja, a próxima alteração significativa, deverá ocorrer em no máximo 15 anos, próximo a 2029. Mas não está claro ainda qual será esta transformação e que novo paradigma surgirá.   

Marcelo de Andrade Romero é arquiteto e urbanista pela FAU-BC (1977-1981); mestre em Avaliação Pós-Ocupação pela FAU-USP (1987-1990); doutor em Eficiência Energética e Comportamento pela FAU-USP e pelo Lab Nac de Energia e Geologia de Portugal (1991-1994); professor do mestrado e da pós lato sensu da Belas Artes (desde 2015); e pró-reitor de ensino da Belas Artes (desde 2019).

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  1. Parabéns Sintético e direto, será que a quarta onda já chegou, é o pós Covid: home office



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