Gentrificação: saiba o que é este fenômeno e como ele afeta as cidades
Os centros urbanos estão em constante mudança. E quando se discute as transformações das cidades brasileiras, especialmente nos últimos anos, é possível escutar a palavra "gentrificação".
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O uso deste termo é cada vez mais comum, na medida em que o fenômeno vira uma preocupação maior para arquitetos e urbanistas.
No entanto, embora o conceito já soe familiar para alguns, permanece distante de tantos outros, principalmente os mais afetados por suas dinâmicas.
A gentrificação foi tema de inúmeros estudos acadêmicos nas últimas décadas. Entretanto, ainda há muito o que se debater a respeito.
Pensando nisso, produzimos este conteúdo sobre o assunto, abordando os principais pontos. Acompanhe a leitura!
O que é a gentrificação?
Para começar a conversa, decidimos ressaltar um aspecto importante: o uso do termo "gentrificação" não é um consenso.
Muitas vezes, ele é aplicado de maneira equivocada e acaba gerando confusão. O que pretendemos aqui é apresentar uma perspectiva do ponto de vista do planejamento urbano.
De forma resumida, "gentrificação" é a palavra utilizada para descrever o processo de ocupação de uma área por uma nova camada social da população, sempre com maior renda.
Consequentemente, isso gera a expulsão de uma camada social de menor renda, que não tem condições financeiras de permanecer.
O termo foi cunhado pela autora Ruth Glass, em 1964, para explicar um fenômeno que acontecia em alguns bairros de Londres (Inglaterra) na época.
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Como ocorre a gentrificação?
As transformações fazem parte da dinâmica das cidades. E a movimentação de populações dentro dos centros urbanos, também.
O grande problema da gentrificação é que esses processos são forçados e as movimentações ocorrem em massa. Em geral, o catalisador é o aumento do custo de vida em determinadas regiões.
Um equívoco comum está em apontar o que podemos chamar de "agentes gentrificadores". É fácil acreditar que o fenômeno tem uma causa única, como o bar descolado que abriu na sua esquina.
Na verdade, esses "agentes gentrificadores" muitas vezes são as consequências da gentrificação, e não a explicação dela.
Ela pode ocorrer ocasional ou propositalmente. Costuma envolver a mídia, personalidades, profissionais de arquitetura, investidores, empreendedores, construção civil e setor imobiliário, além, é claro, do poder público.
Este fenômeno tem relação com outro processo conhecido como especulação imobiliária. A gentrificação clássica envolve a diminuição dos investimentos e a consequente precarização de determinadas áreas.
Esta dinâmica visa a conquista de um maior retorno financeiro. Os investimentos em regiões deliberadamente degradadas objetivam atrair populações de alta renda, que pagarão mais caro por m².
A chegada dessas pessoas e o aumento dos aluguéis atraem novos comércios e serviços para a área, expulsando também os pequenos comerciantes locais.
Existe relação entre gentrificação e revitalização?
Como vimos há pouco, um dos pontos centrais das discussões sobre gentrificação é o mito do "agente gentrificador".
Muitas vezes, aspectos como a mudança na aparência dos edifícios ou a chegada de uma camada mais rica da população são apontados como causas para o fenômeno.
Na verdade, eles normalmente são apenas uma parte de um processo que já estava em curso, ou seja, são consequências.
Isso pode fazer com que algumas pessoas confundam gentrificação e revitalização. A seguir, explicamos melhor do que se trata o segundo conceito.
A revitalização urbana
"Revitalização", "requalificação" ou "recuperação"; esses são alguns dos termos utilizados para tratar de reformas em certas áreas urbanas, visando melhorias estruturais e estéticas.
Esses processos precisam sempre respeitar os zoneamentos das cidades e as políticas de urbanismo. Os investimentos podem ser públicos, privados ou público-privados.
Idealmente, as reformas devem ser feitas para melhorar a vida das populações urbanas de forma geral, principalmente daquelas em situação de vulnerabilidade.
A revitalização gentrifica?
Um projeto de revitalização urbana, por si só, não deveria gentrificar uma área. Inclusive, ele pode e deve ser pensado para diminuir as chances de gentrificação.
Uma abordagem mais ampla se faz necessária para evitar o fenômeno. Algumas das medidas que podem ser tomadas são:
- estruturar políticas urbanas com diretrizes que minimizem a especulação imobiliária;
- elaborar projetos de revitalização com medidas que diminuam os riscos de gentrificação;
- fazer manutenção adequada e investimentos contínuos em espaços públicos e de lazer;
- garantir o direito à moradia para todos.
Quais são as consequências da gentrificação?
O tema gentrificação preocupa muitos arquitetos e urbanistas, além de pesquisadores das cidades.
Como vimos, a consequência mais visível é a expulsão de populações com menos poder de compra de determinadas regiões e a migração delas para as periferias do tecido urbano.
Os processos de gentrificação também costumam deixar rastros como espaços públicos que não são devidamente cuidados ou especialmente convidativos.
Com isso, as áreas urbanas se tornam hostis, afastando ou diminuindo o tempo de permanência de pessoas que não moram na região.
Essa dinâmica gera dois grandes problemas: o aumento da segregação espacial e a diminuição da qualidade de vida.
Segregação espacial
A segregação espacial causada pela gentrificação tem algumas características peculiares.
A primeira delas é que, geralmente, a expulsão das populações com menor renda gera uma migração para as zonas periféricas da cidade.
Quando essas pessoas tentam não se afastar dos centros, elas acabam ocupando áreas de fragilidade ambiental.
Existe ainda um cenário pior, quando essa camada expulsa se afasta dos centros e, nas periferias da cidade, ocupa espaços de fragilidade ambiental, como as áreas de preservação e as áreas de encostas.
Como não há uma infraestrutura adequada para receber os novos moradores, a qualidade de vida da população em geral tende a cair.
Diminuição da qualidade de vida
Seja com a elevação dos aluguéis dos imóveis ou com o aumento dos preços dos comércios locais, se torna mais caro permanecer em áreas gentrificadas.
E esse encarecimento, como já mencionamos, provoca a expulsão.
Outra perspectiva é a de que, para essas populações, passa a custar caro sair. Há custos com a mudança e, além disso, os custos que a distância maior gera.
Morar longe de onde se trabalha demanda mais uso de transporte público e mais tempo dentro desses meios. Consequentemente, há uma diminuição dos momentos de descanso.
Podemos destacar ainda a dissolução de laços com o local onde se mora e frequenta. Há uma reconstrução de vínculos: novos vizinhos, o aumento da distância de serviços básicos e de áreas de lazer.
Essas são algumas das consequências da gentrificação que precisam ser consideradas, pois são os custos que a população mais pobre paga.
Quais são os principais exemplos de gentrificação?
Separamos dois exemplos de gentrificação para ilustrar o fenômeno.
O primeiro é o do bairro de Puerto Madero, em Buenos Aires, um caso de revitalização da zona portuária da capital argentina.
O segundo é o da Cidade Olímpica, no Rio de Janeiro, que pode ser considerado um exemplo clássico de gentrificação.
Clássico porque as obras para megaeventos, como a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos, geram muitos custos e costumam se desdobrar em especulação imobiliária.
Puerto Madero, Buenos Aires
Puerto Madero, a zona portuária de Buenos Aires, havia deixado de receber investimentos desde a primeira metade do século XX. No entanto, passou por uma enorme revitalização.
A reforma, do final da década de 1990, gerou a expulsão dos comércios locais e um aumento dos preços, passando a ser uma das áreas mais valorizadas da cidade.
Hoje, está repleta de restaurantes, boutiques e museus, que atraem muitos moradores e visitantes da capital argentina.
Cidade Olímpica, Rio de Janeiro
O exemplo da Cidade Olímpica, no Rio de Janeiro, é marcante. Nos anos que antecederam as Olimpíadas de 2016, a capital passou por grandes reformas.
Essa revitalização geral provocou muitas remoções e um aquecimento da especulação imobiliária. As áreas centrais passaram por um processo intenso de gentrificação.
A arquiteta Ermínia Maricato utiliza o conceito de
"analfabetismo urbanístico" para mostrar como há pouco conhecimento das populações urbanas sobre mecanismos e agentes que controlam as cidades.
Este artigo foi elaborado com o objetivo de ampliar o letramento urbano e compartilhar informações importantes a respeito de um tema que faz parte da realidade de nossos grandes centros.
Falar sobre gentrificação é pensar no futuro das cidades e na garantia da qualidade de vida das populações que moram nelas.
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