Bienal de Arquitetura de Veneza: por que visitar?
Uma Bienal de Arquitetura em Veneza já valeria a visita sem precisar de mais explicações, mas, se você está na dúvida se deve ir na edição desse ano, vai encontrar alguns motivos a mais nesta coluna. Estive em Veneza 11 vezes, oito delas visitando Bienais de Arquitetura, e considero este o evento mais importante e agradável do setor.
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A cidade é única e encantadora, mas também são únicas as sedes expositivas da Bienal, Arsenale e Giardini.
O Arsenale, que remonta aos anos 1.100, citado inclusive na Divina Comédia de Dante, é um antigo estaleiro, onde se produzia toda frota da potência naval que era Veneza. O espaço é tão cenográfico que em 2021 foi utilizado pela grife Dolce & Gabbana para seu desfile de alta-costura.
O Giardini (jardins em italiano) é a outra sede, construída no início de 1.800 por Napoleão Bonaparte. Seu edifício principal, Padiglione Centrale, de 1894, foi construído para a primeira Bienal e passou por diversas transformações e acréscimos assinados por grandes arquitetos, como Gio Ponti e Carlo Scarpa. É um belíssimo parque onde foram edificados, a partir de 1097, vários pavilhões internacionais. Algumas jóias imperdíveis são o finlandês, de Alvar Aalto; o holandês, de Ritveld; o venezuelano, de Carlo Scarpa; o canadense, do Gruppo BBPR; e o dos países nórdicos, de Sverre Fehn. Já é um currículo e tanto mesmo sem saber o que será exposto, não é mesmo?
18ª Bienal de Arquitetura de Veneza: Laboratório do Futuro
A mostra é um panorama da Arquitetura mundial a partir de um recorte curatorial bem definido. Nesta edição, esse papel foi da arquiteta Lesley Lokko. Ao escolher o tema, ela também definiu que o futuro é decolonial e carbono zero. Sua intenção não era simplesmente contar uma história, mas ser uma agente de mudanças. “É impossível construir um mundo melhor se não o imaginarmos primeiro”. Ela justifica a necessidade das mostras, após muita reflexão sobre o carbono emitido, afirmando que “a história da arquitetura, que sempre teve uma narrativa singular e exclusiva, é incompleta”. Um dos objetivos então é preencher esses espaços.
Há muitas novidades nesse ano: equilíbrio de gênero dos participantes; percentual de 70% de obras expostas de autoria de arquitetos autônomos ou pequenos escritórios de até cinco pessoas; grande presença africana; mostras de países que nunca expuseram, como o Níger; e outros tendo pavilhão próprio pela primeira vez, como o Panamá.
Uma leitura possível é que, na Biennale de 2023, a Arquitetura não é a protagonista, mas sim a Terra – como solo, como território e como planeta habitado por nós.
Saiba mais:
- Pavilhão Brasileiro, projeto de Gab de Matos e Paulo tavares, ganha Leão de Ouro na Bienal de Veneza
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É uma mostra que discute em vários momentos os materiais, principalmente em relação à sustentabilidade. Apresenta muitas propostas interativas, uso de inteligência artificial e de soluções paramétricas. Há também seus pontos instagramáveis e multimídia. Mas há, sobretudo, uma ode à arquitetura vernacular, à atenção à comunidade em relação à sua importância e sua força produtiva através da colaboração. Quase uma luta contra o ego arquitetônico para colocar as pessoas em primeiro plano.
O momento de pausa da pandemia talvez tenha trazido a oportunidade de acelerar o processo que pede um novo pensamento. Um reset no status quo para buscar uma outra forma de projetar, que possa ser válida para o planeta.
Foram feitas algumas críticas em relação à falta de Arquitetura nesta edição, vista mais como uma Bienal de Arte do que de Arquitetura. Eu acho que ela faz parte de um momento em que a Arquitetura precisa ser mais artística, pois precisa dos manifestos, e vejo assim a visão da curadora. Em algumas interpretações, como a da Grã-Bretanha, fica evidente como a Arte responde onde a Arquitetura não consegue. O fato de a história das culturas subjugadas não ter permanecido, arquitetonicamente falando, faz dessa Bienal uma contação através de objetos - e essa é uma questão crucial e cheia de significados.
Mostra principal: Ligações Perigosas e Força Maior
Iniciando pelo Arsenale, a mostra principal O Laboratório do Futuro – Ligações Perigosas já convida a se abrir a novas perspectivas, com a citação de Anatole France: “All changes, even the most longed for, haven their melancholy; for what we leave behind us is a part of ourselves; we must die to onde life before we can enter another”.
A entrada nesta sede é sempre emocionante. A expectativa em conhecer ao vivo a escolha expográfica da edição na sala redonda dos pilares é grande. Desta vez, os espelhos nos colocavam nas paredes, convidando a fazer parte da mostra.
Um texto muito impactante da Marina Otero fala sobre como, historicamente na Bienal, “os recursos distribuídos de maneira desigual espelham as condições globais. As diferenças, evidentes entre aqueles que participam dos pavilhões nacionais, se acentuam quando olhamos para aqueles que não puderam participar”. Essa desigualdade histórica é pela primeira vez o centro de uma mostra tão importante, e busca através da descolonização um novo caminho.
“A igualdade de oportunidades econômicas são justamente e inevitavelmente a base do futuro de qualquer disciplina, em particular das artes criativas”. Na Bienal, pela primeira vez a maioria dos participantes vive num mundo onde o suporte econômico cultural é pequeno e, portanto, sua participação é quase impossível. O Laboratório do Futuro dá espaço para que estes convidados se afirmem, se multipliquem e venham a ser protagonistas em um futuro próximo, sem necessidade de ajudas filantrópicas.
Essa parte da mostra traz um conjunto de profissionais que trabalham no limite entre o que é considerado Arquitetura ou não. Este debate vem à tona como um convite para pensar a Arquitetura de uma maneira mais complexa e fluida, portanto alinhada com o momento atual.
A mostra continua no Pavilhão Central do Giardini, com O Laboratório do Futuro: Força Maior. “Uma coleção de obras individuais, ações, trajetórias e distinções, tecidas umas nas outras espacial e curatorialmente”, onde o indivíduo é concebido como “força maior cultural e social”, fazendo um jogo de significados com as cláusulas contratuais que citam força maior como algo “imprevisível, externo e irresistível”.
Nomes como Atelier Masomi, Ibrahim Mahama, Hood Design Studio, MASS Design Group, Studio Sean Canty e até o coletivo brasileiro Cartografia Negra trazem suas interpretações sobre o tema, que vão abrindo a nossa cabeça e criando conexões do local ao global. Recomendo reservar um tempinho para ver o escritório Adjaye Associates, que trouxe muitos projetos com modelos e vídeos apresentados de maneira bastante impactante, mostrando “narrativas que surgiram fora do cânone dominante”. “Coletivamente, os projetos selecionados falam sobre noções de criação de lugares, identidade, memória e significado como centrais para o processo de design, com a ambição de criar estruturas conducentes a formas positivas de transformação humana”.
Dicas para visitar a Bienal de Veneza
Diferente do que pode parecer, a mostra é bem aberta e você não precisa seguir um percurso específico. Pode escolher qualquer uma das sedes para começar e fazer a mostra principal ou as nacionais primeiro, ou intercalar. A noção geral da curadoria vai se formando como uma colagem na nossa cabeça, o processo não é linear.
A sustentabilidade está cada vez mais prática e não teórica – em 2022 a fundação da Bienal obteve a certificação de neutralização de emissão de carbono para todas as suas atividades durante aquele ano. Neste ano, você não vai receber o mapa da mostra; ele foi substituído por um aplicativo com resumo sobre cada exposição. Então lembre-se de ter internet e bastante bateria no celular.
Além dos pavilhões nacionais das duas sedes, que serão tema de outra coluna, Veneza ainda abriga outros 14 pavilhões nacionais e nove eventos colaterais promovidos pela instituição, em diversos prédios com entrada gratuita. Ao mesmo tempo, acontece uma série de exposições paralelas independentes, como a promovida pelo European Cultural Centre. Como são distantes umas das outras, algumas em outras ilhas, fica bem difícil visitar mais de quatro destas mostras em um mesmo dia, para não falar sobre a quantidade de sorveterias, galerias, cicheterias, museus e monumentos que você vai encontrar no caminho.
O ideal seria passar um mês lá e visitar com calma todos os projetos e eventos, mas como para a maioria das pessoas não é viável, deixo uma recomendação de cinco dias, com mínimo absoluto de três. Porque é importante ter dias para ver o pôr do Sol no Canal Grande, na Piazza San Marco e no Canal da Giudeca. Porque a Ilha de San Giorgio Maggiore é imperdível e porque os eventos colaterais acontecem em diversos palácios privados que são abertos ao público em ocasiões especiais como esta.
O ingresso mais simples dá direito a entrada única em cada uma das sedes, em dias não necessariamente consecutivos. São oito horas em cada dia para você visitar a Bienal e, acredite, não é suficiente, é muita informação ao mesmo tempo. Então anota algumas sugestões:
- Faça uma pré-seleção do que é imperdível para você, pois você pode acabar sem ver alguma mostra premiada ou arquiteto do coração;
- Separe também algumas mostras mais leves para intercalar e fazer pausas (veja algumas sugestões na próxima coluna sobre as mostras nacionais);
- Caso tenha previsão de chuva, escolha o Arsenale neste dia, pois há mais áreas cobertas.
A Bienal de Arquitetura de Veneza segue aberta até 26 de novembro, com ingressos a partir de 25 euros para uma entrada em cada sede e até 75 euros para acesso livre até o final da mostra. Programe-se, pois a Bienal fecha às segundas e quase todos os eventos colaterais funcionam de quarta a domingo.
Muito bom ler algo escrito por alguém que tem conhecimento do assunto. Dá pra perceber pelo texto. Excelente.
Que artigo maravilhoso...parabéns e obrigado por conseguir transmitir de forma tão clara, o que viu na Bienal...
Muito boa resenha. Comentários pertinentes e com conhecimento do assunto. Parabéns!