Trazendo a natureza pra dentro de casa
Me considero uma pessoa extremamente urbana. Amo a confusão das cidades, a vivacidade das pessoas se cruzando na rua, a vida cultural que me alimenta de novas referências. Por outro lado, a natureza sempre teve um papel central na minha vida e da minha família, e trazer ela pra dentro de casa foi a maneira que encontrei de equilibrar a equação cidade/mato.
Nesse momento você deve estar pensando o óbvio: agora ela vai falar sobre encher a casa de plantas, dos mais variados tipos e tamanhos. Mas a verdade é que, quando o assunto é natureza dentro de casa, as opções podem ser bem mais vastas do que imaginamos.
Começando por ampliar a ideia de plantas para também alimentos. Caso você tenha algum espaço aberto ou onde bata sol direto, como um quintal, uma laje ou uma pequena varanda, pode fazer sua própria horta urbana. E ali, para além de plantar sua comida, a conexão com a terra pode ensinar bem mais do que imaginamos. Nos traz para o presente, nos ensina sobre o tempo biológico das coisas e não há nada mais prazeroso do que ingerir uma alface que você colocou energia e cuidado para que ela existisse. Traz também uma infinidade de bichinhos, insetos, abelhas e passarinhos. Me cabe aqui ser sincera, traz também cochonilhas, pulgões e outros tipos de pragas que aprendemos a combater com pesticidas naturais. Há dois anos faço parte desse coletivo que só aumenta e confesso que, trabalhando com mídias digitais, dá pra sentir quando é a hora de respirar fundo e colocar a mão na terra.
Trazer a natureza através de experiências também é uma opção, como compostar alimentos in natura (cascas e restos de alimentos crus). Para além de reduzir drasticamente o seu lixo caseiro e contribuir para o meio ambiente, todo esse resto vira comida de minhoca, que depois vira adubo e volta para suas plantas. Não tenho espaço aqui para me alongar sobre como acontece a ciência de uma composteira com minhocas, mas adianto que é algo revolucionário, vale a pesquisa mais a fundo. E se você tem criança em casa, então criar minhocas vira um evento e quase um novo pet.
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Semelhante à ciência da compostagem, você pode se aventurar a fazer pães de fermentação natural e então criar seu próprio levain, um fermento natural feito a partir de lactobacilos vivos. Está em alta também fazer seu próprio refrigerante natural à base de kombucha, uma bebida fermentada feita a partir de chás, contendo o scoby, uma cultura de leveduras e bactérias que equilibra a flora intestinal e fortalece o sistema imunológico.
Seguindo a mesma linha de raciocínio, podemos também criar cogumelos, kefir e todas essas experiências citadas até agora têm em comum o contato com organismos vivos e o entendimento e cuidado que se precisa ter sobre eles. Como um tamagotchi, só que natural, não podemos nos esquecer de alimentá-los quase diariamente. Dá trabalho, sim, mas também nos traz para o tempo natural das coisas, tempo que não faz parte necessariamente da experiência humana.
Mas não só de organismos vivos se faz nosso contato com o mundo natural, como também através dos materiais escolhidos para compor a decoração, que podem ser a base de plantas ou produtos feitos por comunidades que precisam da floresta em pé para continuar existindo.
Falando dos materiais, podemos optar por lençóis de linho, bancos de papelão, vasos e louças de cerâmica, cestarias de palha. Aqui cito apenas alguns exemplos que me vieram à cabeça, mas as opções são infinitas. Além de duradouros e atemporais, esses materiais são todos biodegradáveis. E, melhor ainda, quando a gente consegue juntar produtos e histórias, feitos em processos artesanais, por comunidades para as quais vale a pena direcionar nosso dinheiro.
Aqui em casa tenho alguns xodós, produtos com design e cheios de histórias, como o tapete feito à mão com fibras naturais como taboa e buriti, por uma comunidade de artesãs do povoado da Santa Rita, no Piauí. E a rede feita de fio de tucum e tingimento natural pelas mulheres Matis, do Vale do Javari. Recentemente adquiri um banquinho de capivara de madeira feito por indígenas do Xingu. Esses bancos indígenas de povos do Xingu têm se tornado referência do design nacional. E para além de mais uma opção de assento quando recebemos amigos em casa, minha pequena Celeste, de 10 meses, adora brincar de escalar. Melhor do que qualquer brinquedo de plástico.
Fato é que equilibrar nossos ambientes cada vez mais urbanos com o mundo natural tem sido um grande desafio. O futuro nos empurra a todo momento para a tecnologia e manter segura nossa conexão com a natureza é algo que considero vital. Aqui tentei mostrar alguns caminhos, mas a verdade é que existem muitos outros que nem eu mesma consegui imaginar ainda. Fica aqui então o meu convite para a gente fazer esse exercício juntos, e descobrir cada vez mais rachaduras naturais em meio ao concreto cinza das cidades.