Francis Kéré: a arquitetura comunitária e sustentável do vencedor do Prêmio Pritzker
O Prêmio Pritzker de Arquitetura 2022 já tem seu vencedor. Em 15 de março, o ativista social, educador e arquiteto africano Francis Kéré recebeu a consagração por um trabalho desenvolvido há anos em comunidades tanto em Burkina Faso, sua terra natal, quanto em Berlim, a cidade que ele adotou desde 1985.
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Considerado o Nobel da Arquitetura, o Prêmio Pritzker chegou à sua 51ª edição. O que se destaca, porém, é que Kéré é o primeiro arquiteto negro a vencê-lo. E, como é de se imaginar, essa conquista veio com muita luta. Ele fez de sua carreira uma retribuição material por todo o apoio emocional que sua aldeia lhe proporcionou.
Conheça um pouco mais sobre a vida e a obra do arquiteto!
História de Francis Kéré
Diébédo Francis Kéré nasceu na vila de Gando, em Boulgou, Burkina Faso, em 1965. Seu pai era o líder da comunidade e queria que seu filho aprendesse a ler e a traduzir suas cartas.
Portanto, ele se tornou a primeira criança da aldeia a estudar. No entanto, como não havia escola na região, o menino teve que ir morar com o tio aos sete anos na cidade.
Após concluir os estudos, Kéré virou carpinteiro. Depois, conseguiu uma bolsa de estágio na Carl Duisberg Society, instituição com programas educacionais voltada a países em desenvolvimento.
Essa oportunidade o levou para a Alemanha, em 1985, onde ele começou a estudar arquitetura na Universidade Técnica de Berlim.
Obras de Francis Kéré
A seguir, conheça as principais criações de Francis Kéré, tanto em Burkina Faso quanto em outros lugares do mundo.
Escola primária de Gando
Gando é uma aldeia localizada em Burkina Faso, o sétimo país menos desenvolvido do mundo, segundo o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) divulgado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2019.
Entre os 189 países pesquisados, Burkina Faso ficou em 182º lugar, empatada com a Eritreia.
Os 3 mil habitantes de Gando vivem em cabanas de barro com telhados de zinco ou palha. Eles não têm acesso a água encanada ou a eletricidade. A taxa de alfabetização permanece abaixo da média nacional de 25%.
Ainda durante a faculdade, Francis Kéré sentiu que deveria retribuir à família e à comunidade tudo aquilo que havia conquistado.
Em 1998, com a ajuda de seus amigos, ele criou a associação Schulbausteine für Gando e.V. (agora chamada Fundação Kéré), nome que pode ser traduzido como "Blocos de Construção para Gando".
A iniciativa nasceu com o objetivo de construir a primeira escola primária de Gando. Para isso, ele combinou os conhecimentos adquiridos na Alemanha com os métodos tradicionais de construção de Burkina Faso.
A primeira escola primária foi concluída em 2001.
Ela foi construída com tijolos de barro, algo que despertava o ceticismo da comunidade. Havia uma preocupação de que a matéria-prima não tivesse capacidade de resistir às chuvas.
Mas o design inovador de Kéré forneceu a solução. Um amplo telhado de zinco elevado protege as paredes da chuva e permite que o ar circule por baixo para manter o edifício fresco.
Por isso, a construção proporciona um conforto térmico muito maior que as outras escolas de Burkina Faso, feitas de concreto.
Um fato interessante é que a escola acabou se tornando seu projeto de conclusão de curso, em 2004. A iniciativa foi reconhecida internacionalmente com o Prêmio Aga Khan de Arquitetura do mesmo ano.
Escola secundária Lycée Schorge
Localizada na terceira cidade mais populosa de Burkina Faso, a Escola Secundária Lycée Schorge é composta por nove módulos dispostos radialmente em torno de um pátio, protegendo o espaço central do vento e da poeira.
Suas paredes são construídas com pedra de laterita de origem local, o que lhes confere um tom profundo de vermelho.
Quando extraída da terra, a laterita pode ser facilmente cortada e moldada em tijolos, que são então deixados ao sol para endurecer.
O material fornece uma excelente fonte de massa térmica, absorvendo o forte calor diurno e irradiando-o à noite.
Uma fachada secundária transparente, feita de madeira de eucalipto local, envolve as salas de aula, criando diversos espaços com luz e sombra.
O teto das salas de aula é feito de abóbadas de gesso perfurado, que difunde a luz solar indireta para melhorar a qualidade da iluminação, mas evita o calor causado pela radiação direta.
Torres eólicas localizadas na parte de trás de cada sala de aula permitem que o ar quente escape, ajudando a diminuir ainda mais a temperatura interna.
Para minimizar os custos e reduzir o desperdício de material, os móveis da escola são feitos de madeiras de lei locais e sobras de aço da construção do telhado.
Outros trabalhos de destaque
Após anos defendendo uma arquitetura comunitária e sustentável em Burkina Faso, em 2005 Francis Kéré abriu o seu primeiro escritório na Alemanha, o Kéré Architecture.
Atualmente, ele transita por Burkina Faso, África e Europa, com pavilhões e construções em países como Alemanha, Dinamarca, Estados Unidos, Itália, Reino Unido e Suíça.
Sua carreira é marcada pela construção de escolas, hospitais, centros de saúde, abrigos para médicos, instalações para o Coachella e muito mais. Em 2017, Kéré se tornou o primeiro arquiteto africano a projetar um painel temporário no Hyde Park, em Londres.
Prêmios de Francis Kéré
Francis Kéré é a primeira pessoa negra a vencer o Prêmio Pritzker.
Segundo Tom Pritzker, presidente da Hyatt Foundation, patrocinadora do evento, o arquiteto conquistou a premiação pelo pioneirismo de seus desenhos, que são "sustentáveis para a Terra e para seus habitantes em terrenos de extrema escassez".
No entanto, o que mais se percebe, das palavras às obras, é a dedicação em retribuir o que Burkina sempre lhe proporcionou: uma família. Kéré resolveu cuidar daqueles que, quando criança, cuidaram dele.
"Eu cresci em um local onde não havia jardim de infância, mas a comunidade era sua família. Todos cuidavam de você e a vila inteira era seu playground. Meus dias eram preenchidos com a garantia de comida e água, mas também de estarmos juntos, conversando, construindo casas. Lembro-me do quarto onde minha avó se sentava e contava histórias com um pouco de luz, enquanto nos aconchegávamos e sua voz nos envolvia, convocando-nos a chegar mais perto e formar um lugar seguro. Esse foi o meu primeiro sentido de arquitetura", contou Kéré para o Prêmio Pritzker.
A carreira de Francis Kéré foi para a frente quando pessoas ao seu redor reconheceram o valor do seu trabalho. A Portobello sabe dessa importância. Por isso mesmo, quer valorizar os novos talentos. Conheça o programa Portobello+arquitetura!
Foto de destaque: Morando em Berlim desde 1985, Francis Kéré nunca se esqueceu das origens em Burkina Faso (Foto: David Heerde)
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