Exportar excelência
O design brasileiro dos anos 1950 e 1960 vem sendo celebrado como a última grande descoberta do modernismo no mundo. Mas muito antes dos traços de Joaquim Tenreiro, Sergio Rodrigues ou Geraldo de Barros ganharem merecido reconhecimento, a principal matéria-prima que deu forma às criações foi amplamente cobiçada pelo mercado europeu e norte-americano. A simpatia pela espécie Dalbergia nigra – o nosso Jacarandá da Bahia, sob o nome Brazilian Rosewood ou Palisander – teve impulso de dinamarqueses como Arne Jacobsen, Finn Juhl e Hans Wegner, designers que desde a década de 1930 absorviam os preceitos das vanguardas modernas e criavam móveis com soluções ousadas, possibilitadas pela produção semiartesanal. Em 1964, uma reportagem do New York Times esclareceu a predileção: “O jacarandá tem um grão aberto e proeminente que parece ter sido criado especialmente para as linhas simples do design moderno. Os escandinavos, com sua inclinação para enfatizar a superfície e a silhueta dos móveis, foram os primeiros no século 20 a perceber que uma simples folha de jacarandá poderia fornecer a ornamentação desejada”.
Por essa época, os modernos brasileiros haviam igualmente se rendido à beleza dos veios e às possibilidades formais oferecidas por essa madeira densa e resistente. Tenreiro era, então, um nome consagrado no círculo da arquitetura moderna, e Rodrigues havia conquistado um importante prêmio na Itália com sua poltrona Mole, que passou a ser produzida naquele país como poltrona Sheriff. Mas ele mesmo contou que, certa vez, em Londres, viu sua criação anunciada com suposta autoria de um mexicano – Sergio “Rodriguez” –, prova de que ainda estávamos longe de uma ideia de “design brasileiro”, que perdurou até recentemente.
A redescoberta do mobiliário do período começou a se delinear no fim dos anos 1980, motivada, em parte, por se tratar de móveis feitos dessa madeira nobre, tornada raríssima depois de décadas de extração. Nesse contexto surge a marcenaria comandada pela designer Etel Carmona, que logo abriria a loja Etel, em São Paulo. Desde o início, seu alicerce foi o resgate da excelência da marcenaria tradicional e de suas técnicas milenares de encaixes e junções, como malhetes e cavilhas. Ao cuidado de construção e de produção, uniu-se o design de nomes como Claudia Moreira Salles e Isay Weinfeld, e a reedição de criações modernas, entre elas as do coletivo Branco e Preto e do polonês naturalizado brasileiro Jorge Zalszupin.
A Etel se distinguiu também por empregar madeiras pouco utilizadas naquele momento em que o mogno dominava o mercado, como a sucupira, a imbuia e a caviúna. A partir dos anos 2000, de maneira pioneira, a empresa cofundou na Amazônia uma área de manejo sustentável certificada pelo exigente Forest Stewardship Council (FSC), garantindo que parte da diversidade de árvores nativas pudesse ser extraída sem o risco de repetir a triste história de devastação das florestas litorâneas. O início da exportação pela empresa, há 20 anos, possibilitou a brasileiros e estrangeiros conviverem, por meio do mobiliário, com as texturas e tons exóticos do jequitibá, timbaúba, ipê ou angelim.
“Nossas madeiras tropicais são sempre muito diferentes das do hemisfério norte, essas basicamente oriundas de florestas homogêneas, com cores e veios mais padronizados”, me disse Lissa Carmona, diretora da Etel, que inaugurou, no fim de 2017, uma loja em Milão. Lá é motivo de encantamento o pau-ferro, madeira de tom avermelhado e grão fino, cujos veios expressivos se assemelham aos do jacarandá. Pergunto-lhe o maior elogio que escutou na Itália, país que sedia a mais bem-sucedida indústria de design do mundo: “Que nossa qualidade está acima da dos italianos, pois infelizmente a industrialização no país mitigou o primor artesanal dos grandes mestres, como Gio Ponti.”
Em homenagem ao design escandinavo, Jorge Zalszupin deu à sua mais conhecida poltrona o nome Dinamarquesa. A estrutura delgada de sucupira e imbuia, marcada pela ligeira curva ascendente dos braços, é um dos móveis mais vendidos pela Etel e mais trabalhosos de se produzir, passando por inúmeras etapas. Em média, uma árvore leva 30 anos para chegar aos 80 cm de diâmetro necessários para que seu corte esteja dentro dos padrões do FSC. Os troncos chegam secos ao pátio da fábrica em Valinhos, no interior de São Paulo, mas ainda podem esperar quatro anos para que comecem os primeiros passos de sua transformação em design – medida extra para que as madeiras resistam à amplitude térmica das latitudes mais a norte. É um processo obrigatoriamente lento e laborioso. “Ainda hoje, tanto o artesão como nós nos emocionamos ao ver cada peça pronta”, diz Lissa.
Madeiras específicas da nossa biodiversidade, design brasileiro de alta qualidade e produção artesanal adaptada ao mercado internacional formam a trama particular que faz com que, mais de meio século após o auge do design moderno, possamos exportar produtos que nos orgulham e não apenas sua matéria-prima.
Oi Lívia,
Parabéns pelo seu trabalho,
Tenho varias peças do mobiliário de jacarandá e estou pensando e vender, se vc tiver interesse podemos conversar.
desde já grato pela atenção..
Olá, Delcio!
Que bom que gostou, esse artigo da nossa colunista Lívia Debbané é bem interessante mesmo!
Continue acompanhando,
Abraços,
Equipe Archtrends