Projeto é processo
Dias atrás fomos convidadas para substituir em sala de aula uma colega arquiteta que viajou para defender sua tese de doutorado. Quem convive com a gente sabe que temos prazer em compartilhar com estudantes e outros profissionais parte do conhecimento que adquirimos ao longo desses anos.
Durante a aula, ao apresentar nosso processo de projeto para os alunos, reforçamos algo que precisa ser constantemente lembrado entre nós: projeto não é mágica, é processo.
É muito comum a ideia de que produzir arquitetura é pura inspiração, que chega para nós como algo pronto, como um dom ou um talento inato. Talvez alguns arquitetos até usufruam dessa fama de “superpoderosos”, afinal, é uma carícia no ego ser visto como uma pessoa especial, que nasceu com um talento excepcional.
A questão é que essa ideia acaba sendo uma grande armadilha, porque dificulta a conscientização de que o projeto deve ser encarado como trabalho, que os profissionais sejam justamente remunerados por ele e que o tempo necessário para seu desenvolvimento seja compreendido e respeitado.
E quanto mais trabalhamos, mais evidente fica: não tem milagre, nem inspiração divina. Produzir arquitetura é, fundamentalmente, muito trabalho. É lançar mão das ferramentas e conhecimentos adquiridos ao longo dos anos de estudo, analisar cada nova situação, pensar e responder com arquitetura.
Nosso processo de projeto está vivo e em constante adaptação. Sempre que possível, gostamos de compartilhar com as pessoas as muitas etapas que envolvem o desenvolvimento de um projeto. Ao apresentar o orçamento do nosso trabalho para possíveis clientes, por exemplo, sempre fazemos uma reunião explicando todo o trabalho envolvido.
Mesmo que, naquele momento, o cliente opte por não contratar nossos serviços, enxergamos nessas primeiras conversas uma possibilidade de abrir os caminhos para o entendimento do nosso trabalho, da importância das informações técnicas que transpassam qualquer render bem elaborado apresentado nas redes sociais.
Antes mesmo de começar um projeto já é preciso se apropriar de todas as ferramentas: leitura, pesquisa, busca de referências, visitas em lojas e exposições, o olhar atento ao nosso redor. Tudo é bagagem.
A evolução dos nossos projetos pode ser entendida em três grandes etapas de trabalho: estudos iniciais, desenvolvimento e detalhamento, que se subdividem em várias outras menores.
Estudos iniciais de um projeto de arquitetura
Na etapa de estudos iniciais analisamos as informações que vão nortear o projeto. Muitas ferramentas podem ajudar nessa etapa, variando entre os profissionais e o tipo de proposta que será desenvolvida: plantas de cheio/vazio, uso e ocupação, observação, carta solar, softwares, tabelas, gráficos, esquemas, são algumas das ferramentas possíveis.
Com o passar dos anos entendemos que destinar boas horas a essa fase constrói propostas mais assertivas, evita o retrabalho com o vai-e-vem de inúmeras revisões e, consequentemente, a frustração do cliente. Consideramos aqui cinco pontos fundamentais:
Estudo dos elementos pré-definidos, elaboração de um programa de necessidades, entendimento do orçamento do cliente, definição do conceito do projeto e pesquisa de referências projetuais.
1. Estudo dos elementos pré-definidos: construções, topografia, insolação, ventilação, fluxos, entorno, acessos, restrições urbanísticas, etc.
2. Elaboração de um programa de necessidades: usos, ambientes, equipamentos, relação entre espaços (conexão ou separação) e pré-dimensionamento.
3. Entendimento do orçamento do cliente: Entendimento do valor disponível para execução de obra e ajuste de expectativas.
4. Definição do conceito do projeto: a intenção da construção e seu partido arquitetônico. Quais as diretrizes projetuais para que o conceito seja alcançado?
5. Pesquisa de referências projetuais: Análise de projetos que respondam a problemas semelhantes ou que tenham intenção comum à do conceito definido.
Desenvolvimento de um projeto de arquitetura
E é na fase seguinte, a de desenvolvimento do projeto, onde há mais espaço para a criatividade. Mesmo que as condições preexistentes sejam iguais para vários arquitetos, é aqui em que as ideias de cada um serão expressadas. Nós as chamamos de estudo preliminar e anteprojeto.
Não existe uma maneira única de transformar as informações técnicas do estudo inicial em projeto. Os métodos são diversos, mas, de maneira geral, o desenvolvimento demanda uma sequência de testes e escolhas, partindo das mais amplas para as mais específicas. Costumamos dar início com desenhos à mão, em croquis, estudo de manchas e esquemas de fluxos, mas há quem prefira partir direto para o computador. Não existe um certo e errado!
Setorização
Para entender a distribuição da construção ao longo do lote: estudos de manchas, distribuição de áreas e esquema de fluxos.
Desenhos
Para definição técnica das especificações: plantas de layout, elevações.
Testes de volumetria
Para entender como a planta funciona em três dimensões: maquete física, maquete virtual, croquis, perspectivas a mão.
Definição de materiais
Definição preliminar de materiais e técnicas construtivas, testes e adequações de materiais e técnicas.
Detalhamento de um projeto de arquitetura
Por último, a etapa de detalhamento, em que todas as informações de projeto são reunidas em desenhos e memoriais que podem ser lidos por outras pessoas. Para o cliente, nos referimos como “produto final do nosso trabalho”, que é quando, de fato, o cliente toma posse do caderno físico e tem em mãos todas as informações para contratar os profissionais e, finalmente, tirar o seu sonho do papel.
É através de todas essas etapas que conseguimos nos expressar com estilo próprio, nosso modo de entender o mundo e nossas vivências. Embora tudo pareça muito engessado, é justamente durante esse percurso que o cliente consegue enxergar seus sonhos cada vez mais de perto, experienciando as possibilidades e confiando no nosso conhecimento.
A sociedade nos exige entregas em prazos cada vez menores, em produções aceleradas e em grande volume, algo quase robotizado. Uma boa produção de arquitetura não pode vir associada à glamourização do trabalho em excesso, de noites mal dormidas e entregas exageradas. As demandas do dia-a-dia nos fazem, muitas das vezes, esquecer de que projeto é estudo e processo. Isso exige tempo, dedicação e boa dose de descanso.
Quem leu o nosso texto Quando a arquitetura simples é a melhor solução sabe que buscamos sempre propor uma arquitetura que seja acolhedora, prática e funcional, com propostas que funcionem na rotina dessas pessoas. E isso só é possível de um jeito: respeitando o seu processo.
É muito bom ver profissionais compartilhando seus processos para outros profissionais e principalmente, para clientes. Creio que esse o conhecimento quando compartilhado é potência e também um meio de termos nossa profissão valorizada.
Adorei o artigo! Realmente é muito trabalho, às vezes a gente pensa que depende tanto de criatividade (algo mais ligado aos sentimentos e a esse dom divino) mas tem muito, muito do racional. E isso traz um alento de certa forma, porque entendemos que sempre dá pra melhorar! É uma honra poder "melhorar" e aprender com vocês 💛