Quando o design invade o Centro de São Paulo (e faz um alerta)
A cada ano, a semana de design de São Paulo é marcada por lançamentos de diversas marcas. Móveis, cadeiras, acessórios… as novidades são muitas, preparadas por grandes empresas em sua maioria concentradas em regiões nobres como Jardins, Pinheiros, e a famosa Alameda Gabriel Monteiro da Silva. Na 11ª edição da DW!, entre 4 e 11 de setembro, 130 endereços participaram espalhados pela cidade toda. Mas foi o Centro Histórico chamou a atenção com uma proposta diferente das demais.
A região central de São Paulo, há algum tempo, passa por uma situação delicada: restaurantes fechando, prédios abandonados, muitas pessoas em situação de rua e um clima de insegurança. É triste ver um local lindo, que guarda verdadeiras joias da arquitetura, tão descuidado e vazio. E em meio a esse cenário, algumas iniciativas surgiram durante a design week, questionando através da arte e do design algumas dessas situações que preocupam aqueles que vivem e admiram o entorno.
A começar pelos estúdios de design, que defendem que ocupar o Centro é a melhor forma de trazer seu brilho de volta. O designer Paulo Alves, que já tem anos de experiência e habitava a Vila Madalena, se mudou para a Avenida São Luís. Ali em frente, a Galeria Metrópole está mais movimentada. O espaço comercial, que já teve seus tempos áureos, é da década de 1960. O edifício leva a assinatura de Gian Carlo Gasperini e Salvador Candia e tem um belo jardim ao centro. Jovens designers e escritórios de arquitetura escolheram o local para retomar suas atividades presenciais no pós-pandemia e aproveitaram o impulso da DW! para começar com o pé direito. Vale visitar para conhecer os trabalhos da turma que tem endereço fixo por lá, tais como Niedo, Studio De La Cruz, Estúdio Niz, Ju Amora, ATO e Garten. Provando que a união faz a força, essa turma convidou outros profissionais para expor durante a design week, enquanto outros se juntaram e alugaram algumas lojas da galeria – caso de André Carvalho, Bia Rezende, Formabruta, Luisa Attab e Stephanie Andrade, que ocuparam brilhantemente um estúdio de fotografia.
Outros dois endereços vieram com um caráter mais experimental, ocupando espaços abandonados com instalações que resgatam a história do local. O Edifício Sete de Abril, projetado pelo Escritório Técnico Ramos de Azevedo & Severo Villares em 1939, abrigou durante décadas a antiga sede da Companhia Telefônica Brasileira, mas estava desocupado desde 2010. Durante a DW!, a mostra Gabinete Sete, organizada pela Kuradoria 177 e Refúgio Design, organizou tours pelo espaço que será retrofitado em breve. Instalações artísticas dialogavam com cabeamentos antigos, telefones, listas telefônicas e outras relíquias que seguem intactas no edifício. Designers também expuseram suas criações no saguão principal, a maioria feitas com materiais recicláveis ou reaproveitados.
O retrofit, processo de revitalização de prédios antigos, foi facilitado em São Paulo após a aprovação de uma lei que garante uma série de incentivos fiscais para requalificar imóveis na região central. Além do Edifício Sete de Abril, outro prédio na mesma toada fez parte da programação da semana de design: o Virgínia.
Projeto de 1951 de José Augusto Bellucci que será retrofitado pela Somauma, o edifício teve três de suas unidades ocupadas por 40 artistas e designers selecionados pelo projeto Barra Funda Autoral. Nomeada O Tempo das Coisas, a mostra contou com instalações imersivas, que dialogavam com a arquitetura desgastada do imóvel. O edifício que abrigava famílias da elite paulistana fica próximo da Ocupação Nove de Julho, uma das maiores e mais organizadas ocupações da cidade. Do alto do nono andar é possível avistar inclusive a enorme horta orgânica que alimenta os moradores, algo rara na selva de pedra.
A visita ao Centro é um convite para perceber tais contrastes, reconhecer privilégios e propõe uma série de autoquestionamentos. Como podemos ressignificar esses espaços e ter uma cidade inclusiva para todas as classes sociais?
A Design Week de São Paulo já tem data marcada em 2023, e acontecerá mais cedo no calendário: 12 a 19 de março. Esperamos que a próxima edição traga mais iniciativas como essa, incentivando discussões tão necessárias como o uso das cidades de forma sustentável, segura e diversa.
Muito obrigado pela matéria. Esse é só o começo de algo maior e próspero para a região central de SP.