Democratizar a autoestima
Não seria exagero dizer que o melhor item de design criado no último ano no Brasil é uma capa para próteses de pernas. O produto responde a uma necessidade real até então pobremente atendida. É inédito, e ainda mais barato e acessível que seus similares. Possui o traço intangível que distingue o bom design, uma característica que expande a funcionalidade para alcançar o afeto.
A empatia foi determinante também para o processo criativo, liderado pelos designers Rodrigo Brenner e Mauricio Noronha, do escritório paranaense Furf. A aproximação e conversas com pessoas amputadas fizeram os designers identificarem que um dos principais objetivos deveria ser devolver autoestima àquele grupo de pessoas. Havia ainda outras brechas para inovar, como o fato de que os modelos mais tradicionais disponíveis no mercado acabavam sendo frustrantes em sua tentativa de mimetizar o formato da perna e a cor da pele – principalmente os de baixo custo, em geral uma combinação de espuma ou plástico e meias de nylon –, ou muito caros e para poucos, caso dos feitos sob medida por meio de impressão em 3D.
O cliente, a empresa ID Ethnos, deu aos designers total liberdade de proposições. Segundo eles, a princípio a ideia inicial era desenvolver um modelo em 3D, exclusivo. Porém, eles decidiram “fazer o oposto”: um produto feito em escala e inclusivo. A estratégia foi criar um só modelo adaptável, e ainda com possibilidade de customização, transformando a nova capa em um elemento que expressa estilo e identidade. Nada melhor que o design para propor isso, sem deixar de atender à função primordial da capa e de agenciar uma série de limitações, como o custo.
A nova capa serve para as pernas direita e esquerda, para homens e mulheres, e para alturas variadas. A peça é dividida em duas partes, frontal e traseira, que se encaixam de maneira rápida por meio de imãs e parafusos, vesti-las é como vestir qualquer outro acessório. Uma marcação linear no interior faz com que ela possa ser facilmente cortada pelo próprio usuário quando adquirida, ajustando-a assim ao tamanho da prótese. Um elemento decorativo traz leveza ao desenho e dá nome ao produto, Confete. São pequenos furos que lembram uma chuva dos papeizinhos redondos típicos do Carnaval, que permitem que fitas, cordas e outros elementos sejam adicionados – em julho, o designer Humberto Campana promoveu um pequeno workshop em seu estúdio em São Paulo para inspirar as personalizações.
A Confete é a primeira capa adaptável e colorida de prótese de perna produzida em massa no mundo e ressignifica o fato de o plástico injetado ser um meio de criar produtos democráticos. Ela se tornou motivo de curiosidade e reconhecimento. “Hoje muitos usuários relatam que recebem elogios e sorrisos das pessoas no dia a dia.” A criação foi reconhecida internacionalmente com o Leão de Bronze de Cannes na categoria Product Design (primeiro da história do Brasil), levou o Best of the Best no aclamado prêmio alemão Red Dot, a Menção Honrosa no Prêmio Museu da Casa Brasileira deste ano, e foi exposta em Londres em evento da importante revista Wired. A melhor notícia, no entanto, é que desde agosto o produto – até oito vezes mais barato que seus concorrentes, cujo preço de mercado varia entre 400 e 500 reais –, foi incluído na lista de benefícios do INSS, distribuído sem custo para os que necessitam. A Furf e a ID Ethnos estão com novos projetos em andamento.
Há muitos campos nos quais o design pode ser agente de transformação, milhares de coisas que podem cumprir melhor o seu propósito ao serem redesenhadas de uma maneira clara, sintética e criativa. Termino com palavras dos designers: “Sempre pensamos no cenário mais amplo e no profundo significado da palavra “projeto” que, para nós, é um questionamento de como podemos fazer a humanidade evoluir.”