Arquitetura mudéjar na Espanha
Ao visitar diversas regiões da Espanha, identificamos um tipo de arquitetura muito particular, que incorpora elementos da cultura muçulmana. Ficamos intrigados ao encontrar azulejos, estuques, arabescos e arcos, ainda que estejam inseridos num contexto social cristão. Há uma explicação e é inegável a influência muçulmana nesta arquitetura chamada de mudéjar.
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Confesso ter ficado muito impressionado tanto em encontrar exemplos de arquitetura moura em excelente estado de preservação, quanto em descobrir a existência desse fenômeno arquitetônico único e genuinamente ibérico, a arquitetura mudéjar.
Veja mais da viagem de Ale Disaro:
O que é a arquitetura mudéjar? Como identificá-la? Quais são os materiais usados e os seus elementos construtivos? Quais os estilos dessa arquitetura? Onde encontrá-la?
Uma introdução encorpada para despertar ainda mais sua vontade de visitar a Espanha.
Começamos com a definição para um ponto de partida sólido:
O que é arquitetura mudéjar?
A arquitetura mudéjar foi uma arte decorativa e construtiva comissionada pelos católicos a mestres e construtores muçulmanos e mouriscos (muçulmanos forçados à conversão católica), entre os séculos 12 e 17. Trata-se de um fenômeno exclusivamente ibérico, que combina estilos artísticos cristãos com a arte islâmica.
A arquitetura mudéjar utilizava materiais, técnicas e mão de obra dos muçulmanos para erguer edificações com maior rapidez e menor custo. Principalmente, os muçulmanos construíram com tijolos, enquanto o estilo românico dos cristãos previa construções com pedras.
A aparição do estilo mudéjar data no século 12, numa cidade na rota do Caminho de Santiago. Essa cidade tornou-se um grande centro religioso e econômico, onde trabalharam mestres e pedreiros muçulmanos para acelerar as obras que se desenvolviam na cidade. A rapidez nas construções de tijolo se imporia sobre as construções em pedras e chamaria a atenção dos reis católicos.
O mudéjar se consolidou, de fato, no século 13 e o estilo seguiu para sul e sudeste da Península Ibérica, chegando a locais onde as pedreiras eram escassas - lembrando que, até então, a pedra era a matéria-prima principal na arquitetura cristã. Por conta da rapidez construtiva e do menor custo, o mudéjar tornou-se o estilo preferencial.
Como identificar a arquitetura mudéjar?
Há algumas características que permitem identificar a arquitetura mudéjar:
- uso extensivo do tijolo como alvenaria,
- azulejaria no revestimento,
- arcos em ferradura e lobulares na sustentação,
- forros de madeira na cor natural ou policromados,
- gesso no intrincado trabalho em estuque,
- muitos padrões geométricos e vegetais de origem árabe.
Breve história da presença muçulmana na Espanha
Os muçulmanos estiveram na Península Ibérica por quase 800 anos. Sua presença deixou profundas marcas na cultura, culinária, língua e arquitetura da Espanha.
Chegaram no ano 711 d.C. através do Estreito de Gibraltar e dominaram quase toda a península sob o nome de Al-Andaluz. Com o decorrer da história, foram perdendo território até terem sua última morada, o reino nasrida de Granada, tomado em 1492 por Isabel I de Castilla e Leão e Fernando II de Aragão. Durante estes quase oito séculos, o controle da península fora disputado entre reis católicos e muçulmanos num processo histórico denominado Reconquista.
Entre dominação, aculturação e mudanças de poder, esse processo produziu um hibridismo cultural e arquitetônico peculiar e único entre cristãos e muçulmanos.
Arquitetura como símbolo de dominação
Neste contexto de disputa, a dominação religiosa e todos os seus signos eram traduzidos como símbolos de poder. À parte da rapidez na execução e menor custo, a arquitetura mudéjar floresceu pois também fora empregada como símbolo de dominação. A arte islâmica era comissionada por católicos e para edificações católicas.
Em muitos lugares conquistados pelos católicos, mesquitas foram destruídas e catedrais imediatamente erguidas em seus lugares. Outras edificações eram, em parte, mantidas e alteradas com a adição de símbolos cristãos e heráldicos.
Para a época, nada mais simbolicamente opressor do que profanar e alterar o sagrado de um povo ao estabelecer uma nova ordem.
Convívio, aculturação e hibridização
A arquitetura católica da época era em grande parte realizada em pedra - herança romana, bizantina, visigoda e posteriormente recebendo mais influências como a gótica e renascentista de outros cantos da Europa. A rocha era o material central na construção dessas igrejas, abadias e claustros. Porém, o uso desta matéria-prima onerava em custo e tempo.
Com o passar dos séculos e das graduais conquistas, os católicos passaram a apreciar e a incorporar a estética muçulmana num processo inverso de aculturação - inverso em alusão à onda muçulmana que anteriormente tomara a península e, então, começava a perder território para as conquistas católicas.
Muitos católicos hesitavam em destruir por completo as edificações. Assim, mantinham-se as estruturas e realizavam-se adequações.
A arquitetura, técnicas e materiais construtivos do conquistado (muçulmano) passaram a ser incorporadas pelo seu valor e qualidade estética de forma híbrida (mudéjar). Muitos reis, nobres e comerciantes passaram a decorar seus palácios com azulejaria, estuques e forros de madeira a ponto desta arte decorativa se tornar prestigiosa.
Materiais e elementos construtivos
A arte mudéjar se apoia em materiais mais baratos, que eram usados pelos muçulmanos ibéricos. São exemplos dessa herança empregada como decoração sobreposta a elementos construtivos cristãos e muçulmanos:
- Tijolos,
- azulejos e barro esmaltado,
- gesso usado no estuque,
- madeira para forros planos,
- muxarabis e esquadrias,
- arcos em ferradura e lobulares,
- abóbadas com muqarnas,
- capitéis e colunas,
- caligrafia,
- padrões geométricos e vegetais.
Tipos de arquitetura mudéjar
O movimento que se iniciou ao norte no século 12 se estendeu pela península até o século 17. Chegou a diversas regiões, adquiriu características próprias e se sofisticou com o decorrer dos séculos.
Dessa expansão pela península é possível identificar alguns estilos regionais de mudéjar:
- leonês e castelhano,
- aragonês,
- toledano,
- andaluz,
- português.
Onde encontrar
O mudéjar está presente por toda a Espanha e também por partes de Portugal. Cada um dos estilos acima remete à uma região e nessas localidades é possível encontrar igrejas, palácios, sinagogas, monastérios, torres, banhos, portões, alcácer e conventos.
Tive a oportunidade de visitar alguns belos exemplos em Sevilha, Córdoba, Granada e Toledo. Por isso os exemplos citados são dessas cidades. Entretanto, é importante relembrar que o estilo está presente em toda a península.
Alguns desses lugares que conheci e recomendo: Real Alcázar de Sevilha, a Giralda (campanário da catedral de Sevilha) e a Casa de Pilatos, em Sevilha; a sinagoga e a majestosa mesquita-catedral, em Córdoba; a Alhambra em Granada; e as duas sinagogas de Toledo.
Esses lugares não são exclusivamente mudéjares. Muitas estruturas pré-existentes foram readequadas e expandidas, mesclando estilos anteriores como o românico, mouro, gótico, e posteriores como renascentista e barroco.
O estilo neoislâmico
Também chamado de neomourisco ou neomudéjar, foi um estilo artístico revivalista que surgiu na Europa no século 19 e que buscava recriar a arte islâmica antiga. O estilo refletia uma visão seletiva partindo do fascínio ocidental por certos elementos de culturas e artes islâmicas - como a moura e mudéjar, por exemplo.
O movimento se espalhou pela Europa e também por outros cantos do mundo. Inclusive no Brasil com o Pavilhão Mourisco, sede da Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro; o Palacete Rosa, construído pela família Jafet no bairro do Ipiranga, em São Paulo; e o Mercado Municipal de Campinas.
Espero que a coluna tenha instigado sua curiosidade sobre este estilo arquitetônico puramente ibérico e único no mundo!
Andei bastante pela Andaluzia, anos atrás, aplausos para seu conhecimento e generosidade em compartilhá-lo
Passear com você é mergulhar num caldeirão de culturas e saberes .
Parabéns por sua escrita que consegue nos transportar a estes lugares .
Apesar do espetáculo que observamos, é impossível deixar de pensar que o apagamento e a opressão ainda destroem os diferentes. Passamos por isto aqui no Brasil até hoje, basta ver que queriam renomear o nosso acarajé para bolinho de Jesus... isso para dizer o mínimo né? É tão lindo poder ver o mundo diverso! E essa diversidade só soma! Os detalhes e o conjunto da obra são pura história, mas testemunhas do quanto evoluímos ou não. Gratidão pelo texto rico, pelo olhar aguçado, e por trazer tantas reflexões. 👏🏻👏🏻👏🏻
Que belissima aquisição vocês da Archtrends fizeram ao trazer Alexandre Disaro como colunista desse blog!
Que preciosidade esse artigo! Quanta riqueza em fotos e fatos históricos e culturais. Ale é primoroso em nos proporcionar tantos momentos e detalhes de suas vivências e experiências durante a viagem. Só gratidão por essa entrega tão maravilhosa!
Alexandre é uma mente brilhante e expõe tudo de maneira muito clara. 🙂