As cidades se desenvolveram, as construções ficaram cada vez mais altas para receber mais pessoas, nos grandes centros urbanos já não há mais espaços para casas. Contudo, a sensação de calor, de poluição, de abafamento também surgiu. Foram anos pensando no concreto como sinônimo de desenvolvimento quando vegetação e arquitetura deveriam ser intrínsecas.
Neste texto, você vai ver como casas, prédios, parques e a sociedade no geral ganham quando a arquitetura se torna mais verde. Confira!
Vegetação não é decoração
Aqui no Archtrends, sempre falamos da importância do uso de plantas dentro e fora de casa. Além de trazer mais cor para o ambiente, elas melhoram a qualidade do ar, trazem conforto térmico e, para quem acredita, também melhoram a energia do lar.
Contudo, a vegetação vai além disso; ela não é um elemento coadjuvante da decoração da sua casa, e sim um ecossistema organizado em si mesmo.
A vegetação foi negligenciada por uma sociedade que enxerga o concreto e o asfalto como símbolos do desenvolvimento da civilização. Hoje, colhemos os frutos estragados por esse comportamento predatório.
A industrialização e o desmatamento desenfreados trouxeram malefícios ao planeta que, segundo os prognósticos, podem acarretar problemas sérios e irrecuperáveis.
O último relatório da Organização Meteorológica Mundial (OMM), publicado em 30 de novembro, mostrou que, até outubro de 2023, a temperatura média da superfície global ficou 1,4°C acima da média aferida entre 1850 e 1900.
Por isso, 2023 foi considerado o ano mais quente em 174 anos de medições meteorológicas.
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Árvore, o ar-condicionado natural
Em espaços com mais vegetação, o clima tende a ser de 2,5 a 3ºC mais baixo do que em lugares diretamente expostos ao sol. Isso não acontece por conta da sombra, e sim pelo aumento da umidade relativa do ar.
É o processo de evapotranspiração, ou seja, a evaporação da água do solo mais a transpiração das plantas que, juntas, deixam o ambiente mais fresco e o ar mais limpo.
Uma árvore de 10 metros pode "bombear" mais de 300 litros de água por dia para o ar. Além do líquido presente nas folhas, ela envia aquele presente no solo e captado por suas raízes.
Quando vegetação e arquitetura estão aliadas — com o plantio de árvores ao redor da construção, por exemplo —, a plantação filtra o excesso de luz gerada pelo sol, proporcionando menos calor. Além disso, as árvores permitem que o solo absorva melhor a água da chuva de verão.
O conforto térmico, porém, não acontece só nas estações quentes. Quem mora em locais frios também se beneficia da união entre vegetação e arquitetura.
As árvores caducifólias (cujas folhas caem) são adaptáveis às mudanças de estação. No inverno, os galhos nus permitem que os raios solares atinjam o solo, deixando-o mais aquecido. As folhas voltam a crescer na primavera, equilibrando a temperatura local.
Outra vantagem é que a vegetação cria uma espécie de barreira natural para o calor, que os materiais de construção costumam perder com facilidade para o meio. Assim, com as árvores atuando como isolantes térmicos, o espaço fica mais aquecido.
Barreira acústica
A árvore também atua como barreira acústica, ajudando a diminuir a poluição sonora. O fenômeno, chamado atenuação sonora, acontece quando a árvore "amortece" o ruído, já que ela "reflete" o som em vez de absorvê-lo. Ao passar por folhas, galhos e arbustos, o som se curva.
O exemplo de Singapura
Há anos, Singapura vem conscientemente unindo arquitetura e vegetação. Seus projetos arquitetônicos são pensados como uma parceria entre essas duas vertentes, não como plantas atuando apenas como ornamentação em pequenos pontos.
Um exemplo clássico está no Marina Bay Sands, resort de luxo inaugurado em 2010. Além de contar com o maior cassino do mundo, um hotel com mais de 2.500 quartos, um museu, um shopping, teatro e restaurantes, toda a sua estrutura conta com farta vegetação.
Gardens by the Bay
O Gardens by the Bay (ou Jardins da Baía) funciona como o "jardim" do Marina Sands. Porém, ele é uma estratégia do governo de Singapura de transformar o título de "cidade-jardim" em "cidade no jardim".
Inaugurado em 2012, o parque é formado por três jardins próximos ao Rio Singapura: o Bay South Garden, o Bay East Garden e o Bay Central Garden.
Suas estruturas mais icônicas são as Supertrees — 18 estruturas em formato de árvores gigantescas (chegam a 50 m) que são envolvidas por um jardim vertical e contam com painéis solares na parte superior.
Desvantagens da vegetação urbana
Apesar de a junção de vegetação e arquitetura proporcionar inúmeras vantagens — principalmente com relação ao planeta —, ela também tem seus contras, como a sujeira das folhas e o perigo de enganchar na fiação elétrica.
Para evitar esses problemas, existe o planejamento urbano. Por exemplo, prefeituras de grandes centros urbanos, como Rio de Janeiro, João Pessoa, São Paulo e Porto Alegre, contam um Plano de Arborização Municipal elaborado por corpo técnico especializado.
O documento conta com informações sobre manejo e preservação da arborização, além de recomendações de vegetação adequada ao solo urbano.
Algumas recomendações para vegetação e arquitetura urbana:
- É preciso ter cuidado com plantas com copa muito volumosa e galhos grandes, que possam enganchar na fiação elétrica;
- Raízes mais profundas não danificam as calçadas
- Cada planta precisa ter uma área permeável ao redor, que garanta o desenvolvimento das raízes e a correta infiltração de água;
- Árvores de crescimento muito rápido não são recomendadas, pois costumam ter caule mais frágil;
- Plantas com espinhos ou propriedades tóxicas devem ser evitadas;
- Árvores próximas a vias não devem ter frutos muito grandes.
Árvores recomendadas para vegetação urbana
Sua planta não precisa estar dentro de casa para fazer parte do conjunto arquitetônico. A união de vegetação e construção deve vir do pensamento coletivo — de como aquela árvore pode trazer mais cor, frescor e alegria à comunidade.
Na hora de escolher a espécie, é preciso considerar o bioma local, o espaço disponível e o potencial de crescimento da árvore e de suas raízes. Veja algumas espécies adequadas às áreas urbanas:
Ipê | Tabebuia sp
O ipê é um gênero de árvores de grande porte, com altura comercial de 13,80m (embora algumas espécies possam chegar a 35 m). A maior parte delas é de origem brasileira. Sua floração exuberante aparece quando a árvore está caduca. Atualmente, o pau-brasil é a árvore nacional e o ipê é a flor do país.
A árvore é dura, densa, forte, difícil de serrar. Consegue se desenvolver mesmo em condições desfavoráveis, pois é resistente a parasitas e à umidade.
Jasmim-manga | Plumeria rubra
Também conhecida como frangipani, a árvore de jasmim-manga dá origem a uma flor branca que exala seu perfume a distância — nos locais onde há árvores do tipo, é bem comum sentir o perfume durante uma caminhada.
Ideal para locais quentes e que recebem bastante luz solar, a jasmim-manga pode ter entre quatro e oito metros de altura. Suas folhas robustas e flores caem no outono-inverno.
Só é preciso ter cuidado com a seiva presente em seu caule e ramos, que é tóxica quando ingerida, principalmente para cães.
Jabuticabeira | Eugenia cauliflora
A jabuticabeira deixa qualquer rua mais bonita. Sua altura costuma ficar entre 10 e 15 metros. Seu fruto doce e flores brancas nascem no caule e nos ramos.
A temporada de crescimento da frutinha começa em setembro, enquanto suas flores surgem duas vezes ao ano.
A árvore da jabuticaba pode ser cultivada tanto nos jardins de casas quanto em calçadas.
Pau-fava | Senna macranthera
De pequeno a médio porte, a pau-fava mede entre seis a oito metros de altura. Sua floração amarelada e vívida rouba a atenção em qualquer lugar. Sua inflorescência ocorre em panículas (pequenos cachos juntos), que surgem do verão ao outono.
Por ser de porte médio, a pau-fava pode ser usada em jardins, praças e até abaixo da fiação elétrica.
Em áreas afastadas
As grandes cidades, como foram construídas, alienaram o cidadão da natureza, afetando até mesmo seu conhecimento sobre o comportamento das chuvas, o crescimento das plantas ou as variações de temperatura.
O crescimento de prédios e a poluição atrapalharam até mesmo a observação do céu e dos ciclos da lua.
Em cidades mais afastadas, como as zonas rurais ou o interior, em que a urbanização não foi tão feroz, é possível não apenas contemplar, mas interagir com a natureza de maneira mais saudável e cotidiana.
As casas mais simples contam com um layout capaz de aproveitar a circulação de ar. O cobogó, comum no interior nordestino, permite que o vento entre com mais facilidade no jardim da residência.
Aproveitando essa brecha, construtoras começaram a investir em cidades mais afastadas, criando construções luxuosas que funcionam como "refúgios paradisíacos" do caos da cidade.
Assim como as construções coreanas, elas contam com a tecnologia para manter um padrão de vida já conhecido e, ao mesmo tempo, que interage com a natureza sem afetá-la negativamente.
Como visto, a vegetação é uma aliada da arquitetura e deve ser pensada em conjunto com ela. E para continuar pensando na natureza como uma parte integrante das cidades, veja o que são recursos renováveis e como utilizá-los nas construções.