Tomie Ohtake nasceu no Japão, mas foi no Brasil onde deu vazão ao seu potencial artístico e construiu uma carreira brilhante nas artes.
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Ao longo de sua trajetória, ela produziu inúmeras pinturas, gravuras e esculturas que ganharam o mundo.
Mas mais do que ter se tornado uma das principais representantes do abstracionismo, a artista deixou um legado valioso que continua a reverberar firmemente.
Saiba mais sobre a vida, as obras e as contribuições deixadas por Tomie Ohtake!
Da chegada ao Brasil até o encontro com a arte
Tomie Ohtake tinha 23 anos quando veio para o Brasil visitar um de seus irmãos.
Embora a ideia fosse voltar ao Japão e seguir a vida por lá, a situação em sua terra natal se tornou crítica por conta da Guerra do Pacífico.
Diante disso, o irmão de Tomie a impediu de retornar.
Em um primeiro momento, a permanência prolongada não foi uma opção. Mas, aos poucos, o Brasil virou sua segunda pátria.
Tomie se casou com o engenheiro-agrônomo Ushio Ohtake, também japonês, e se tornou dona de casa. Eles tiveram dois filhos, Ruy e Ricardo.
Enquanto parte de uma sociedade tradicional, que conservava costumes milenares, ela tinha um círculo social bastante restrito.
Tanto aqui quanto no Japão, Tomie nunca havia estudado pintura.
Porém, desde pequena, gostava de se expressar por meio do desenho, despertada pela arte da caligrafia, bastante usada para a escrita dos ideogramas japoneses.
Essa veia artística mostrou todo seu potencial quando Tomie conheceu, aos 31 anos, o professor de arte Keisuke Sugano, que estava de passagem por São Paulo recém-chegado do Japão.
Com a ajuda dele, ela pintou seus primeiros quadros, mais figurativos e com paisagens de estilo fauvista e com elementos do cubismo. Infelizmente, a maioria das obras dessa fase foram destruídas em uma enchente.
Um ano depois de ter conhecido Sugano, Tomie entrou para o Grupo Seibi, uma associação fundada em 1935, da qual faziam parte artistas plásticos japoneses como Manabu Mabe, Tadashi Kaminagai e Tikashi Fukushima.
Esse contato próximo com a arte fez com que ela saísse do isolamento em que vivia até então.
Ainda como iniciante, participou de exposições do Grupo Seibi. Na primeira vez, recebeu menção honrosa do júri. Nos anos seguintes, ganhou medalhas de ouro em duas ocasiões.
Principais características do trabalho de Tomie Ohtake
Como vimos, por influência de seu professor, as primeiras pinturas de Tomie Ohtake foram mais figurativas. Entretanto, a artista não demorou a começar a desenvolver seu próprio estilo.
Suas experiências passaram pelo fauvismo, cubismo e concretismo até ela entrar de cabeça no abstracionismo, que marcou a sua carreira.
Com muita destreza, soube aproveitar os aspectos típicos do abstracionismo, mas sem deixar de lado as formas e o uso racional das cores.
Não é à toa que Tomie criou uma estética única, que torna suas obras visualmente agradáveis. Mesmo aqueles que não apreciam o abstracionismo se impressionam com os trabalhos da artista.
Desde o final dos anos 1950, ela explorava a espacialidade por meio de gestos abstracionistas. Na década seguinte, já se aventurava em telas maiores, experimentando duas ou três cores e texturas finas, que se tornaram características.
Para produzir um efeito de transparência, Tomie usava tintas muito diluídas, criando pinceladas “rarefeitas”.
A partir dessa pesquisa, começa uma fase artística de sobreposição de planos sobre a tela, com transparências cromáticas, composições sóbrias, tons mais contrastantes e grandes formas coloridas que flutuam no espaço.
Já nos anos 1970, a artista passa a dar preferência a superfícies quadradas e amplas. As curvas começam a surgir com finas transparências.
Tomie também começa a trabalhar com serigrafia e litogravura, que revitalizaram sua obra pictórica.
Nessa mesma época, as linhas curvas e as formas orgânicas surgem em suas obras. Apesar de abstratas, o dinamismo sugere paisagens, montanhas e rios.
Nos anos 1980, os contrastes se intensificam e as cores quentes ganham destaque. É quando a artista também passa a se dedicar à escultura.
Ela fez diversas intervenções em espaços urbanos, com esculturas de grande porte.
O fato de Tomie não ter sido uma artista formada nos moldes convencionais fez com que se aproximasse de forma natural da técnica.
Isso a tornou singular, ovacionada nos salões de arte dos quais participou, no Brasil e no resto do mundo.
Sobretudo na pintura, a influência da cultura japonesa se mostra pela busca da síntese; pode-se dizer muito com poucos elementos.
Tudo isso criando pontes entre o tradicional e o contemporâneo.
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Reconhecimento de suas obras pelo universo da arte
Dizer que Tomie Ohtake teve uma carreira brilhante não é exagero. Apesar de ter começado a explorar seu lado artístico quando já tinha 40 anos, ela colheu os frutos de seu trabalho rapidamente.
Sua primeira exposição individual no Museu de Arte Moderna (MAM) de São Paulo aconteceu em 1957, apenas seis anos depois de ter iniciado na pintura.
A artista ganhou prêmios em diversos salões de arte e participou de exposições em vários países.
Ao longo de sua trajetória, esteve em 20 Bienais Internacionais. Em uma das seis vezes em que participou da Bienal Internacional de São Paulo, recebeu o Prêmio Itamaraty.
Somou mais de 120 exposições individuais em cidades brasileiras e em grandes metrópoles, como Tóquio, Nova York, Milão e Roma, entre outras. Integrou quase 400 mostras coletivas.
Em 1986, uma retrospectiva de sua carreira foi feita pelo Museu de Arte de São Paulo (MASP). Uma década depois, outra foi realizada pela Bienal de São Paulo.
Em 1995, recebeu do Ministério da Cultura o Prêmio Nacional de Artes Plásticas.
Dessa fase em diante, Tomie produziu dezenas de obras públicas que integram a paisagem de cidades brasileiras como São Paulo, Curitiba, Brasília, Belo Horizonte, Santos, Araxá e Ipatinga.
Ela também foi convidada para criar esculturas no Japão para o Museu de Arte Contemporânea de Tóquio e Okinawa e para o Mori Museum, o museu de arte moderna de Tóquio.
Instituto Tomie Ohtake: uma homenagem à artista
Em 2001, foi criado o Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, um centro cultural que homenageia a artista nipo-brasileira.
O edifício foi projetado por Ruy Ohtake, um dos filhos de Tomie e um reconhecido arquiteto e urbanista brasileiro.
Uma das últimas criações da carreira de Ruy foi a linha Oh!Take, da Portobello, composta por peças em concreto colorido, com cores e curvas características de suas obras.
Ricardo Ohtake, o outro filho de Tomie, é quem preside o instituto. Arquiteto e designer gráfico, ele já ocupou cargos relevantes na gestão pública da cultura no Estado de São Paulo.
Toda essa bagagem da família Ohtake tem sido de extrema importância para o desenvolvimento da instituição.
Além de exposições e mostras inéditas no Brasil, o instituto conta com programas de formação e pesquisa no ensino da arte contemporânea.
No aniversário de 97 de anos de Tomie, pinturas de grandes dimensões investigando o círculo foram exibidas por lá.
E, mesmo depois de sua morte, obras da artista continuam compondo espaços dedicados à arte.
Legado de Tomie Ohtake para as artes no Brasil e no mundo
A singularidade de Tomie Ohtake resultou na elaboração de livros, catálogos e filmes — como os produzidos pelos cineastas Walter Salles Jr. e Tizuka Yamasaki — sobre o seu trabalho.
O reconhecimento elevou a artista ao patamar de embaixadora das artes e cultura no Brasil. Por isso, foi convidada para receber personalidades como a Rainha Elizabeth, Yoko Ono, José Saramago e membros da Família Imperial do Japão, entre outras.
Até a sua morte, aos 101 anos, seguiu trabalhando. Em seu último ano de vida, produziu cerca de 30 pinturas.
Ao olhar para a trajetória pessoal e artística de Tomie, é possível perceber o peso que a simplicidade e a naturalidade em encarar a arte tiveram em seus trabalhos.
Afinal, a artista nunca esteve presa aos cânones nem às técnicas tradicionais ou acadêmicas do fazer artístico. Ela transferiu para a tela sua essência.
Em nenhum momento suas produções estiveram ligadas a modismos estéticos ou a imposições do mercado de arte.
Mesmo assim, ocupou um lugar sólido entre os artistas mais bem-sucedidos e reconhecidos da segunda metade do século XX.
Acima de tudo, Tomie Ohtake sempre foi fiel aos seus conceitos e honesta com o que desejava transmitir por meio das formas, cores e texturas de suas obras.
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