E se todos os telhados fossem verdes e comestíveis?
Imagina uma cidade onde você olha pra cima e vê canteiros comestíveis em cada laje, cada cobertura e cada telhado de prédio, casa ou imóvel comercial. Já pensou no impacto que isso pode causar? Mais do que isso, frequentemente eu pensava: por que todos os telhados não são verdes? Quando foi que escolhemos deixar esses espaços sem uso, ou com uma funcionalidade tão restrita a ser uma laje, um lugar para acomodar caixas d'água ou casas de máquina?
Mas por que essa pergunta sempre esteve presente em meus questionamentos? Porque os benefícios sistêmicos de repensar a paisagem urbana e a funcionalidade dos espaços das cidades são inúmeros, e passam a ser mais do que apenas benefícios para serem soluções para os desafios cada vez mais presentes relacionados à emergência climática. Então vamos analisar apenas alguns?
Primeiro, quando uma cidade tem telhados verdes, ela aumenta a cobertura vegetal presente em seu espaço, e é desta cobertura que vêm grande parte dos benefícios sistêmicos. Em tempos de conta luz nas alturas, telhados verdes diminuem em alguns graus a temperatura do entorno, muito mais do que tintas que refletem e espalham o calor. Isso gera uma diminuição de bolsões de calor, menor necessidade de ar condicionado, o que gera menor necessidade de consumo de energia, mais economia, mais resiliência. Telhados verdes também absorvem água da chuva, e em tempos onde grandes temporais estão cada vez mais presentes, isso é um ativo e tanto. A consequência principal é a diminuição de alagamentos, e todo o prejuízo que isso causa.
Um outro ponto, que na minha visão é talvez o mais importante quando pensamos a teia da vida, é que quanto mais verde, mais biodiversidade. Estamos acostumados a viver em grandes cidades cinzas, estéreis, em que nenhum ser tem capacidade de sobreviver sem depender de recursos que vêm de quilômetros de distância, a comida por exemplo. E onde os outros seres que suportam a vida no planeta, na sua maior parte, não encontram condições onde possam sobreviver. Trazer de volta abelhas, insetos, pássaros a cidades é fundamental para criar vida. E este é o cerne da questão: transicionar pólos estéreis em comunidades vibrantes e pulsantes. E telhados verdes ajudam e muito neste movimento.
Quando eu fui pra Nova York, de novo eu cito esta mesma viagem da qual falei pra vocês na minha primeira coluna para este portal, me deparei com esse sonho em forma de projeto já bem adiantado. Lá o conceito de telhados e jardins verdes comestíveis está bastante disseminado. Fui visitar uma destas hortas urbanas em telhados de prédios para entender como é que esse sonho de vários ambientalistas e ativistas havia virado realidade e qual a visão dos envolvidos acerca dos benefícios de trocar meros telhados por espaços verdes produtores de alimento.
Minha parada foi o Brooklyn Grange, um dos espaços de telhado verde localizado no bairro do Brooklyn que era na época a maior empresa especializada em telhados verdes e fazendas urbanas dos Estados Unidos. A motivação para a criação do Brooklyn Grange foi a ocupação de espaços subutilizados da cidade, como a maior parte dos terraços espalhados em prédios. Mas para além desta que já é uma lógica inteligente sob o ponto de vista de eficiência, e ainda mais quando pensamos em colocar para uso algo tão concorrido em cidades, o espaço, vem uma série de outros benefícios que poderiam ser cada um deles, a motivação principal, alguns já citados acima. Mas não param por aí. Telhados que não só são verdes, mas comestíveis adicionam camadas que só vem a somar e que começam a moldar novas lógicas para cidades mais resilientes.
E dentro delas, está o fornecimento de alimentos. O Brooklyn Grange produz por ano cerca de 36 toneladas de alimentos orgânicos em 13 mil m2 de apenas um telhado. Esses alimentos são vendidos de 3 formas diferentes: para restaurantes do entorno, em cestas para membros do CSAs (Agricultura Apoiada pela Comunidade), e também em mercados locais. Quando compramos de uma produção literalmente local, é muito menos emissão de gases de efeito estufa nas cidades, menos poluição, menos barulho.
A prefeitura de Nova York já entendeu que transformar telhados cinzas em áreas verdes e comestíveis é uma forma de contribuir para uma megalópole mais resiliente, e por isso criou um modelo de incentivo financeiro para que mais telhados sejam convertidos em áreas verdes. E a resiliência se estende até ao tratamento de esgoto, já que, quando acontece uma enchente, os sistemas de coleta de águas pluviais e de águas de esgoto da cidade acabam se juntando e transbordam para pontos de escape que vão direto para a Baía de Nova York. Telhados verdes como o Brooklyn Grange absorvem o equivalente a 165 mil galões de água em apenas um temporal de verão, assim menos esgoto vaza para rios e mares e ocorrem menos alagamentos nas cidades. Eu poderia seguir citando mais benefícios, mas acho que só pelo que já foi dito, dá pra ter ideia da simples mudança que acontece quando repensamos paisagens em cidades.
Aqui no Brasil já existem alguns exemplos como o telhado verde do shopping Eldorado em São Paulo, e projetos em residências e imóveis comerciais. E recentemente foi publicada uma pesquisa que gerou um mapa que analisou o potencial de agricultura urbana nos telhados do Rio de Janeiro, e identificou que pelo menos 1.385 hectares de áreas sem uso poderiam ser convertidos em produção agroflorestal, o que daria para abastecer 39,2% do consumo de vegetais da população da cidade.
Deixo aqui o meu convite para você ser parte desta transformação, afinal, a arquitetura tem papel central em criar soluções sistêmicas para os desafios globais. E você pode começar a mudar o mundo, um projeto por vez!
Ah, pra quem quiser começar já, indico no Rio de Janeiro a CARPE e a Organicidade e em São Paulo o Instituto Cidade Jardim e o Sky Garden. E convido você a completar essa lista com mais empresas em outras cidades que já prestam estes serviços, é só deixar o nome e link aqui nos comentários!