Milão e o dom dos designers
Dom é uma daquelas palavras que quando entram na conversa não encontram consenso. Segundo o dicionário Oxford, dom é a aptidão inata para fazer algo, especificamente difícil ou raro. Mas muita gente é contra essa definição. Argumentam que nada vem de graça e o sucesso só vem com muito trabalho, treino e esforço. Do latim vem uma outra interpretação. D.O.M. é a abreviatura para Deo Optimum Maximo. Algo como “fazer o máximo com o que foi dado por Deus”.
Essa é a minha favorita, pois dá a ideia que todos temos algo importante dentro de nós, mas poucos exploram isso corretamente.
Em São Paulo há um restaurante que se chama D.O.M., do criativo chef Alex Atala.
A interpretação que faço deste D.O.M. é simples. Alex resolveu fazer o máximo com o que é nosso por natureza: os ingredientes brasileiros. E conseguiu. Seu restaurante ganhou duas estrelas Michelin brincando com os sentidos, oferecendo o simples antes do extravagante, o doce antes do salgado, o visual antes do paladar. A brincadeira antes da comida.
Tudo que nossa mãe falava para não fazermos à mesa, Alex fez.
Essa capacidade de usar os sentidos para causar uma experiência inusitada no usuário é de fato um dom comum a poucas pessoas.
Paulo Mendes da Rocha afirmava que a arquitetura era dos poucos ofícios capazes de transportar as pessoas para outros tempos e lugares, pois ela inunda nossos sentidos com estímulos inescapáveis. Sons, cheiros, cores, formas.
Caetano canta que a presença da morena lhe entra pelos sete buracos da sua cabeça. Além de bela, sua musa era percebida, apreciada e devorada por seus sentidos.
Acabamos de voltar da semana de design de Milão, onde grandes designers e arquitetos mostram novas ideias de mobiliários e clássicos reinterpretados ano após ano. Uma fórmula repetitiva e comercial que poderia levar ao fracasso do evento.
Mas o que acontece é justamente o contrário. Essa edição teve um aumento de público. Mais de 360 mil pessoas, sendo 54% estrangeiros, visitaram o evento durante a semana, mostrando sua relevância para o mundo todo.
Isso se deve à quantidade, mais de 1950 expositores, mas também à qualidade do que é apresentado pela cidade.
Dentre tantos bons exemplos, é inquestionável a capacidade que Patrícia Urquiola tem em trabalhar com formas e cores. Uma marca pessoal que ela deixa em todas as marcas com que trabalha. Assim como também é inegável a qualidade estética e lúdica da Moooi de Marcel Wanders.
Esses designers (e a carbonara) já fariam valer a pena a ida a Milão.
Meio afastada do centro nervoso da cidade, expõe uma italiana que provoca os nossos sentidos e desdenha das tendências que tanto buscamos. Nesta edição de Milão, ficou mais claro para mim que este dom pertence a Paola Lenti.
A milanesa brinca com as cores e cria uma poesia concreta que quebra barreiras entre o dentro e o fora da casa. Sua ambientação é tão engenhosa e comovente que os espaços externos nos convidam a experimentar uma vida sem teto sobre nossas cabeças. Como se pudéssemos viver apenas de beleza.
Alcançar esta qualidade em seu trabalho é uma habilidade que poucos têm. Paulo, Alex e Paola conseguem em diferentes áreas o mesmo feito. Confundem nossos sentidos e nos transportam para outras dimensões de pura beleza.
Como se pudessem caetanear o que há de dom.
Confira a experiência da Comunidade Portobello+Arquitetura em Milão: