Design holandês ganha retrospectiva em Paris
No início dos anos 90, o mais francês dos estilistas alemães, Karl Lagerfeld, comemorou, efusivamente, o surgimento do coletivo de design holandês, Droog Design. Aos olhos do Kaiser – como Lagerfeld ficou internacionalmente conhecido no mundo da moda –, o grupo representava, nada mais, nada menos, que o próprio espírito da modernidade, por oferecer, paradoxalmente, um anti-design. Conceitual, funcional, sem ornamentos. E, acima de tudo, despretensioso.
Três décadas depois, o olhar investigativo francês volta a focar suas lentes na terra de Gerrit Rietveld, o criador de uma das cadeiras mais disruptivas da história do design, a Red & Blue. Mas também de Jurgen Bey, Tejo Remy, Marcel Wanders e Hella Jongerius: alguns dos profissionais fundadores do Droog, hoje mundialmente consagrados, e autores de móveis tão icônicos quanto o Baú de Gavetas, de Remy, ou a Cadeira com Nó, de Wanders.
Por ocasião da Maison & Objet, a maior das feiras de design e decoração francesas, que aconteceu em setembro em Paris, sete talentos em ascensão na cena holandesa foram convidados a integrar o projeto Rising Talent, segmento no qual, a cada edição, a mostra apresenta uma nova safra de talentos, vinda de um país diferente. Desta vez, selecionada por um júri composto unicamente por designers mulheres, sob a coordenação de Chantal Hamaide, fundadora da revista Intramuros.
No total, seis estúdios. Quatro deles encabeçados por profissionais trabalhando sozinhos e dois, por pares. Entre os primeiros, a presença de dois estrangeiros — um francês e um coreano — atestando a vocação intrinsecamente cosmopolita do design produzido hoje na Holanda, mas que, ainda assim, conserva traços comuns, entre os quais, o fascínio pela pesquisa de novos materiais. Além do desejo, sempre presente, de desenvolver novas técnicas para se trabalhar com eles.
O interesse em limitar o impacto ambiental é outra preocupação claramente compartilhada por todos. Para eles, o design deve ser sempre sustentável, o que os leva a trabalhar com os mais variados resíduos. Sejam eles serragem, sucatas plásticas, pedaços de couro e até tênis velhos. Ainda que nem sempre suas criações sejam comerciais, os novos talentos reafirmam a noção de que trabalhar novos conceitos é tão importante quanto dar origem a novos produtos.
“Eu procuro sempre ter uma abordagem responsável para a sociedade e para o meio ambiente”, afirma o designer de origem coreana, Seok-Hyeon Yoon, que vive e trabalha em Eindhoven. “Toda vez que penso em uma nova criação, procuro avaliar o seu impacto sobre o planeta". Princípio, aliás, que se ajusta, perfeitamente, à sua coleção de potes cerâmicos Ott/Another Ceramic Paradimatic, nascida da consciência de que muitos dos esmaltes usados na indústria não são recicláveis.
“Nossos designers são constantemente ensinados a se perguntar ‘por quê’?”, explica um dos membros do júri, Ineke Hans. “Ensinamos que nada é dado como certo e que devemos estar constantemente desafiando o status quo”, observa ela, que destaca ainda que todos os participantes desta edição são graduados por duas das mais celebradas instituições de ensino holandesas: a Design Academy de Eindhoven e a ArtEZ University, em Arnhem.
Para Hanna Kooistra, por exemplo, não importa que suas criações nem sempre sejam vistas como funcionais. Pelo contrário, lhe agrada a ideia de que um objeto possa ser unicamente decorativo. “As peças históricas que me inspiram são sempre holandesas. Gosto de falar sobre minha própria cultura", conta ela, que levou a Paris uma cafeteira “encorpada” por borracha, que tem seu desenho adaptado de um modelo que compõe a coleção permanente do Rijksmuseum, de Amsterdã.
Segundo Hella Jongerius, designer e membro do júri, qualificar o design holanês hoje é mais difícil do que era nos anos 90. Mas, ainda assim, o design produzido no país continua sendo caracterizado por uma grande liberdade de expressão, além de um assumido distanciamento de restrições de ordem puramente comercial. “Existe um verdadeiro espírito de independência”, observa Kiki Van Eijk, outra jurada. “Tomamos a iniciativa,ao invés de esperar que um projeto caia do céu”.
Como acontece, por exemplo, com Simone Post, uma designer apaixonada por têxteis desde criança, que prefere trabalhar com materiais não sólidos e, sempre que possível, reciclados. “Minha mãe dava aulas de costura em casa. Tínhamos dez máquinas em um dos quartos.”, conta ela. Seus tapetes para a Vlisco, inspirados na lateral de grandes rolos de tecidos, seguem a receita. Assim como outra série, criada para a Adidas, feita a partir de fios de calçados esportivos descartados.
Como ela, os fundadores do Atelier Fig, Ruben Hoogvliet e Gijs Wouters, compartilham um fascínio todo especial por recriar materiais. “Somos atraídos por aqueles que evoluem com o tempo. Aqueles que congelam, que derretem”, conta Hoogvliet. Não por acaso, a mais nova coleção de taças e castiçais do estúdio, batizada de Gravity, foi produzida a partir de uma malha de fios trançados, diretamente mergulhada em uma solução de porcelana líquida.
Já os móveis criados pelo casal Vera Meijwaard e Steven Visser, companheiros no trabalho e na vida, são frequentemente descritos como minimalistas. Uma condição contestada por Ineke Hans, outra das juradas. “As formas são certamente sóbrias, mas o trabalho deles não é nada mínimo. Ele estimula a imaginação”, argumenta ela, destacando ainda a alta expressividade derivada do uso de cores primárias e a inspiração extraída de objetos de uso cotidiano.
"Meu objetivo não é oferecer soluções. É fazer pensar", desafia Théophile Blandet, nascido em Estrasburgo, que homenageou o alumínio, em sua última coleção. “Trata-se do terceiro recurso mais abundante da Terra e ele pode ainda ser refundido e reciclado”, defende o designer que, atualmente, pesquisa sobras de plástico. Um material que, segundo ele, se tornará raro, assim como o marfim, que foi amplamente utilizado no século 18. “Devemos reavaliar o seu valor. Um dia ele simplesmente deixará de existir”.