Já tentei arduamente ser uma pessoa lixo zero. Nunca cheguei nem perto de conseguir.
Passei boa parte da vida achando que o problema do meu lixo estava resolvido a partir do momento que eu o colocava na lixeira do prédio. Ledo engano. Assisti ao documentário Lixo Extraordinário, de Vik Muniz, e aprendi que apenas 3% do nosso lixo era de fato reciclado, e isso só aconteceria se eu fizesse a separação correta dentro de casa. Um pó de café que foi jogado por engano no lixo seco já inviabiliza toda a reciclagem - “99 não é 100%”, dizia um dos catadores, personagem principal do filme. Comprei então um balde para cada tipo de lixo - plástico, vidro, lata, papel e restos de comida - e mal sabia que essa minha saga estava apenas começando.
Fralda descartável descarto em qual lixeira? Embalagem de alimento? Garrafa plástica? Ah não, espera, tem que lavar todo o resto de suco da tetra pak, esperar secar e só então jogar na lata de lixo correta. Passei a acompanhar mulheres inspiradoras como Lauren Singer (Trash is for Tossers), Bea Johnson e Cristal Muniz (Uma Vida sem Lixo), com dicas maravilhosas sobre como reduzir drasticamente seu lixo caseiro e se tornar parte do movimento lixo zero. Olhava pra minha lixeira e quebrava a cabeça para entender como diminuir tudo aquilo que ainda estava ali.
O suco de caixinha pode ser substituído por um de frutas naturais feito na hora, os seus produtos de limpeza podem ser feitos por você mesma com ingredientes naturais, fraldas ecológicas entram no lugar da fralda descartável. Consegui reduzir uma boa parte, mas, para aquilo acontecer, eu me irritava com amigos que traziam cervejas em garrafas dentro de sacos plásticos, com minha mãe que presenteava minha filha com brinquedos de plástico embrulhados em papéis de presentes, com meu marido que, como grande apreciador de café, se recusava a usar o filtro de pano alegando que ele alterava o sabor do café. E principalmente comigo mesma, que não tinha tempo pra fazer meus próprios cosméticos, nem usar exclusivamente fralda ecológica nas minhas filhas, nem comprar a granel toda semana e muito menos fazer a comida todo dia, o que acabava me gerando uma ida ao supermercado mais próximo e mais e mais lixo.
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Até compreender que, na minha realidade atual, mãe de uma criança e uma bebê, com uma vida sem rotina, demanda de casa e muito trabalho, infelizmente não consigo ser o exemplo de sustentabilidade que gostaria. Isso não significa que esse desejo ainda não esteja guardado em mim. Ainda sonho em um dia cozinhar 100% meu próprio alimento, fazer meus próprios produtos sem embalagens e, quem sabe, ser uma pessoa lixo zero. Mas entendi que a sustentabilidade ideal pode ser cruel e nos transformar em pessoas frustradas com sua quantidade de nãos - não pode usar plástico, não pode comer carne, não pode gerar lixo. Mais ainda, entendi que a mudança deve ser sistêmica e de cima pra baixo e que nós, indivíduos, somos apenas o elo mais fraco dessa cadeia toda. Mas isso não quer dizer que somos seres insignificantes diante da mudança. Muito pelo contrário, nossa parte é importantíssima. Temos o poder do voto e da carteira. Nós decidimos quem pode nos representar politicamente e para onde direcionamos nosso dinheiro. Tirar o plástico de dentro de casa é, de fato, uma conquista, mas tão importante quanto é aumentar a bancada de políticos ambientalistas, fazer pressão popular para aprovação de leis e apoiar uma cadeia justa de pequenos produtores na hora de fazer minhas escolhas.
Hoje abraço meu lixo fazendo o melhor que está ao meu alcance. Continuo fazendo a separação correta e me conectei com um catador através do aplicativo Cataki, que quinzenalmente passa em casa para fazer a destinação correta do lixo reciclado. Continuo compostando casca de frutas, legumes e verduras e fiz uma assinatura mensal de coleta de sobra de alimentos cozidos com a empresa Casca. Os meus produtos de limpeza não são caseiros, mas são de uma marca que faz produtos biodegradáveis e que usam embalagens plásticas retiradas do fundo dos oceanos.
E pra compensar, coloco meus esforços em tantas outras coisas, faço pressão política para que leis ambientais sejam aprovadas, faço a ponte entre a mercearia da esquina e um agricultor familiar para que eles tenham a opção de alimentos saudáveis, apoio financeiramente iniciativas que fazem grandes mudanças no mundo e proponho mudanças na escola da minha filha.
Um dia de cada vez. O mundo atual já nos dá motivos suficientes para sermos ansiosos e nós não precisamos de mais um. A consciência é importante, a informação também, mas cabe a nós fazer o que for possível dentro da nossa realidade e adotar uma mudança de cada vez.