Tenho um portal simbólico na porta de meu escritório. E não sabia
Já há tempos me perguntava o que seria isso?
Ao sair da portaria do prédio onde se localiza a Bacco Arquitetos, na rua General Jardim (Consolação, SP), me deparei com um poste metálico, no qual na extremidade pendia um fio de nylon, conectado a outro poste idêntico do outro lado da rua.
Impecavelmente conservados, fiquei matutando sobre o que seria? Antena, suporte de propaganda, algum gabarito, um equipamento urbano incompleto? Durante um bom tempo tentei entender seu significado e fiquei mais confuso quando observei que havia mais destas estruturas em outras ruas do bairro: na rua Major Sertório, na rua Jaguaribe... O que seria?
Bem, a dúvida me perseguiu até a semana passada, quando li um artigo no ArchDaily, um ensaio sobre um trabalho elaborado no ateliê vertical da Escola da Cidade, por quatro alunas, Isabel Seber, Lilla Lescher, Tamara Crespin e Vitoria Liz Cohen, sobre o Eruv.
Segundo o ensaio, no período do Shabat, o dia de descanso e rito espiritual, que inicia na noite da sexta-feira e termina ao nascer da primeira estrela no sábado, com duração de 25 horas, a comunidade judaica ortodoxa fica proibida de realizar alguns trabalhos, dentre eles circular entre o espaço privado e o público com objetos. Dentre estes objetos proibidos de circular, carrinhos de bebê, cadeiras de roda e bengalas, limitam a circulação de idosos, portadores de necessidades especiais e mães com filhos de colo.
Então surge o Eruv, um conceito judaico antigo, aperfeiçoado pelos rabinos para lidar com esta proibição na cidade contemporânea.
Ele funciona como uma estratégia para estender simbolicamente o espaço privado da casa ao domínio público das ruas e calçadas, onde existe uma grande concentração de moradores da comunidade judaica ortodoxa.
Mas não é somente no bairro de Santa Cecília e Consolação que existe o Eruv. O processo de criação de eruvim em São Paulo iniciou nos Jardins e Jardim Paulista, e se estendeu aos bairros de Itaim-Bibi, Pinheiros e Jardim Paulistano, aos moldes do que existe em Nova York, Londres e Antuérpia.
Foi negociado com a Prefeitura de São Paulo o traçado e a forma de implantação, utilizando os postes na calçada, rentes a edificação existente e o fio de nylon.
Importante ressaltar que este portal, juntamente com os prédios, muros e fachadas, cria um limite, uma fronteira, e somente neste limite é permitido a comunidade judaica ortodoxa circular portando objetos durante o Shabat.
Para o restante dos moradores destes bairros, estes portais são quase invisíveis, mas pesa o fato de que todo o contexto histórico, religioso e cultural contido neste limite confere um poder no espaço urbano similar a uma muralha medieval.
Por Marcelo Barbosa