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Elegância e impacto político

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20.05.2019
O estúdio de design Formafantasma investiga soluções para o lixo eletrônico, o que mais cresce no mundo.
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Tomo como certo que você, leitor, conhece a frustração causada pela morte anunciada de um eletrônico. Talvez o reparo de uma peça em sua lavadora de roupas implicasse a troca de um componente maior da máquina o que acarretaria, consequentemente, o desembolso de uma quantia semelhante à do aparelho novo. Ou quem sabe o seu iPhone de duas gerações tenha ficado mais lento após uma atualização de sistema, que supostamente o tornaria mais eficiente. Ou ainda: você descartou um fone de ouvido de excelente qualidade pelo simples desgaste do cabo.

Existe nesses exemplos uma raiz comum, que responde a uma estratégia forjada há quase um século, nos anos seguintes à Grande Depressão (1929), com o objetivo de manter lubrificadas as engrenagens da sociedade consumo. Seu nome, autoexplicativo, é “obsolescência programada”: a ideia de que uma novíssima mercadoria contém mecanismos que a tornarão inútil, antiquada, seu conserto inviável, e sua aparência, “velha”. É curioso que o formulador da teoria, o empresário americano Bernard London, inspirou-se nos ciclos de construção e destruição naturais responsáveis por manter os ecossistemas em eterna dinâmica de sustentação. Em sua versão capitalista, no entanto, esse processo insaciável de renovação deixa consequências irreparáveis.

Essas são algumas das reflexões compiladas pelo estúdio Formafantasma no projeto Ore Streams, que participa da mais importante exposição de design deste ano, na Triennale de Milão. “Broken Nature: Design Takes on Human Survival”, com curadoria de Paola Antonelli (também curadora do MoMA, em Nova York), reúne projetos que tocam as tênues relações no Antropoceno, era geológica marcada pela dominação humana da natureza. “A única chance de sobrevivência da espécie humana é projetar [design] uma extinção elegante”, provoca Antonelli.

Soluções para lixo eletrônico (Foto: Studio Formafantasma)

Pois Simone Farresin e Andrea Trimarchi, do estúdio baseado em Amsterdam, resolveram lidar com o lixo que se acumula em maior velocidade no mundo, o “e-waste”. O crescente arsenal de aparelhos eletrônicos descartados é tão problemático quanto valioso – placas de circuito contêm metais preciosos como ouro e prata, o que explica, em parte, que 80% do e-waste seja despachado para países subdesenvolvidos. Antes de propor soluções, todavia, os designers empreenderam uma extensa investigação do problema. Durante dois anos, consultaram pesquisadores, legisladores, empresas de reciclagem, ONGs, fabricantes, e até mesmo a Interpol (polícia internacional), que lida com problemas ambientais que transpassam fronteiras.

O conjunto de móveis expostos em Milão – assemblages de peças de celulares, desktops e outras máquinas –, serve como manifesto que captura o visitante para a complexa discussão subjacente. Esta, por sua vez, é explicitada em vídeos e textos, igualmente disponíveis no site do projeto (orestreams.com). Em um deles, assistimos à taxonomia dos aparelhos, desmontados em suas inúmeras peças; em outro, os processos de reciclagem, mais ou menos tecnológicos a depender da riqueza do país onde acontecem.

soluções para lixo eletrônico
Foto: Studio Formafantasma
Foto: Studio Formafantasma

Em uma segunda fase, Ore Streams prevê workshops de discussão e estratégias de execução das propostas mapeadas, apresentadas no vídeo “Design strategies”. Há soluções aparentemente banais como alterar a cor da borracha em cabos – a cor preta, amplamente utilizada, é confundida com o cobre da fiação na leitura ótica durante a reciclagem. Outra é a universalização de tons de componentes tóxicos tais como baterias – alerta visual para o perigo do manuseio em centros de reciclagem que usam mão de obra pouco qualificada. Essas medidas deveriam ser previstas por leis, que ainda ignoram a contribuição de designers. E, para além de facilitar processos post hoc , o design deve atuar, a priori, com a concepção de produtos que criam cadeias mais sustentáveis. A tendência de fabricantes a produzir elementos customizados, tais como parafusos, por exemplo, esconde sob o signo da exclusividade a futura impotência do consumidor em fazer reparos.

soluções para lixo eletrônico
Foto: Studio Formafantasma

“O design pode sanar danos, em vez de ser um mecanismo que inventa desejos e os frustra imediatamente”, advoga a narradora do ensaio visual de 25 minutos que trata o assunto de uma maneira holística (o vídeo é belíssimo e também pode ser visto no site do projeto). De fato, quando a obsolescência programada descobriu sua forma mais fácil – a mudança de aparência sem melhora tecnológica, que no jargão chama-se “styling” –, designers passaram a cooptar com o conluio.

Foto: Studio Formafantasma
soluções para lixo eletrônico
Foto: Studio Formafantasma

É ingênuo pensar que o design pode sozinho resolver os problemas que em parte criou. No entanto, ele pode alavancar mudanças por meio deste tipo de mediação. Os produtos que compõem Ore Streams, ademais, são cativantes. Para Antonelli, “representam a direção que o design deve tomar: uma mistura de elegância absoluta e treinamento na forma com impacto político”.

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