Diversidade e obras em grande escala marcam a 35ª Bienal de São Paulo
Trilhos de trem sobre o piso do Pavilhão Ciccillo Matarazzo, no Parque Ibirapuera, em São Paulo, recebem os visitantes na 35ª Bienal de São Paulo, aberta ao público no dia 6 de setembro. Essa estrutura faz parte da obra de Ibrahim Mahama, artista que, em sua pesquisa, se debruça sobre materiais que contam uma história e atravessam temas como commodities, migração, globalização e intercâmbio econômico
Esse trilho, por exemplo, foi resgatado em Gana, onde Mahama nasceu, e tem as digitais do período colonial britânico. Na Bienal, ele foi cercado por vasos típicos do país e é um dos destaques da exposição coreografias do impossível, que segue até o dia 10 de dezembro, com entrada gratuita.
Mas, o que seria essa ‘coreografia do impossível’? À primeira vista, vemos quebras de paradigmas diante do corpo de curadores, nesta edição, de maioria negra. São eles: a baiana Diane Lima, voz no feminismo negro, curadora independente e pesquisadora; a portuguesa Grada Kilomba, artista interdisciplinar, escritora e teórica, com trabalhos apresentados na Documenta 14, Pinacoteca de SP, Bienal de Berlim, entre outros lugares; o baiano Hélio Menezes, antropólogo, crítico de arte, pesquisador e ex-curador do Centro Cultural São Paulo, e o espanhol Manuel Borja-Villel, historiador de arte, curador e ex-diretor do Museo Reina Sofia.
Em coletiva para imprensa, Grada contou que nesse encontro dos quatro curadores, que até então não se conheciam, surgiram questões sobre a importância de uma bienal e qual seria o seu propósito. “Como podemos atuar numa bienal de forma a criar uma plataforma que, de fato, consiga responder às questões urgentes atuais?”, refletiu.
Pois essa união, sem curador-chefe, resultou numa coleção de 1.100 obras de 121 artistas majoritariamente não brancos. Debruçados sobre anseios contemporâneos, o impacto dessa coreografia se manifesta sobre toda a mostra de três andares, que ergue a voz das diásporas e povos originários.Vemos discussões sobre raça, gênero, sexualidade, colonização, escravização, apagamentos culturais entre outros assuntos tão importantes e que vem ganhando cada vez mais espaço no universo artístico.
Como exemplo, podemos lembrar das esculturas imensas, feitas em madeira, pedaços de troncos e galhos do artista filipino Kidlat Tahimik, situadas no primeiro piso. A obra de grande escala permite que o visitante ande entre os diferentes cenários. Há confrontos entre narrativas de povos originários brasileiros e filipinos contra o neocolonialismo. Também podemos ver o encontro de personalidades históricas e fictícias, além de mísseis erguidos no ar.
Um dos destaques da Bienal é a obra Kwema, uma plantação de milho erguida em uma área externa do Pavilhão e com assinatura do artista amazonense Denilson Baniwa. A ideia, segundo os curadores, é que, quando possível, a colheita seja servida aos visitantes, algo que remete a passagem de tempo, partilha e a integração entre a obra e comunidade.
No mezanino, há um espaço dedicado à Cozinha Ocupação 9 de Julho, do Movimento Sem Teto do Centro, que se propõe a oferecer alimentos saudáveis a preços acessíveis.
No terceiro andar, os visitantes encontrarão, em uma sala própria, uma série de pinturas da artista paulistana Rosana Paulino. São quadros amplos com representações de mulheres e seus corpos conectados à natureza: suas pernas se transformam em raízes e mãos seguram animais de mangue.
Em outro espaço, no mesmo andar, há também a obra emblemática de Rosana, Parede da Memória, com fotografias de familiares impressas sobre almofadinhas e reunidas em um grande painel. Ela divide a galeria com bandeiras de tecido bordado de Arthur Bispo do Rosário.
A artista mineira Sonia Gomes participa com diversas obras, de diferentes tamanhos, em pelo menos três alas. Elas são esculturas costuradas, cobertas por tecidos estampados, redes de pesca, panos coloridos e retorcidos, que evocam memórias afetivas.
Próximo de Sonia, há a potente instalação Floresta de infinitos dos artistas baianos Ayrson Heráclito e Tiganá Santana.
O visitante é convidado a adentrar em uma sala escura, envolvida em árvores e cenários entre frestas, com sons da natureza e de batuques, e de onde surgem imagens de pessoas como Chico Mendes, do indigenista brasileiro Bruno Pereira, do jornalista britânico Dom Philips e de mãe Stella de Oxóssi.
No segundo andar, entre os destaques, aparece a obra também em grande escala da mineira Luana Vitra chamada Pulmão da mina. A instalação conta com pequenas esculturas de canários, representando espécies sentinelas, usadas para identificar e alertar pessoas escravizadas sobre toxicidade em minas.
Já a obra do artista sul-africano Igshaan Adams reúne miçangas, arame, tecido e algodão na construção de um enorme mapa abstrato disposto sobre o piso. Esse tapete é atravessado por limites que aludem às fronteiras da segregação racial. Sobre o mapa, vemos pendentes em forma de nuvem de poeira – uma referência ao riel, dança tradicional retomada por novas gerações sul-africanas.
Como principal evento de arte do país, a Bienal novamente se posiciona como termômetro para o tempo em que vivemos e é destino estimulante para quem ama e respeita as artes visuais. Não precisa dizer o quanto se faz necessário mais um dia de visita para contemplar todas as obras como elas merecem. E vale a pena.
Serviço: 35ª Bienal de São Paulo – coreografias do impossível
Período: até 10 de dezembro
Horários: terça, quarta, sexta e domingo, das 10h às 19h (última entrada:18h30); quinta e sábado, das 10h às 21h (última entrada: 20h30)
Pavilhão Ciccillo Matarazzo, Parque do Ibirapuera, Portão 3
Entrada gratuita