18.10.2022
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Pedro Andrade visita exposição de Diane Arbu
Pedro Andrade visita exposição de Diane Arbus na galeria David Zwirner (foto: cortesia)

Diane Arbus - Da câmera ao holofote

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18.10.2022
Pedro Andrade escreve sobre a grande fotógrafa que batalhou por diversidade na metade do século 20
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Minha paixão pelo aspecto humano de lugares, momentos e conflitos sempre guiou minhas escolhas profissionais. Analisar as diferenças e semelhanças entre comunidades aparentemente opostas faz parte do estilo de jornalismo que escolhi pra mim. Dentre os grupos que me despertam mais curiosidade estão tribos marginalizadas ou vítimas das mais diversas injustiças. Meu objetivo é ir atrás da verdade seja lá qual ela for. Evito problematizar meus arredores e faço questão de celebrar aqueles que conseguiram chegar onde sempre sonharam; no entanto, nunca evitei conversas difíceis ou temas espinhosos. No programa Entre Mundos, já exploramos a realidade de profissionais do sexo, presidiários, indígenas, muçulmanos, judeus ultraortodoxos e transexuais, só para citar alguns. 

Talvez por isso, eu tenha me identificado com o trabalho de Diane Arbus desde a primeira vez em que vi suas imagens. 

Autorretrato de Diane Arbus
Autorretrato de Diane Arbus (foto: cortesia Diane Arbus estate)

Nascida no Brooklyn, em 1923, filha de imigrantes russos fugidos da União Soviética, a fotógrafa sempre sonhou em ser artista. Apesar de a família ter chegado em Nova York em busca de uma vida nova, eles nunca passaram necessidade. Com a grana que herdou dos avós dela, o pai abriu uma loja de departamentos na Quinta Avenida e, quando Arbus nasceu, o casal já não se preocupava mais com o sustento da casa. Mesmo com um certo conforto financeiro, um dos momentos mais emblemáticos da vida de Arbus foi sua infância em plena Grande Depressão. A vida dentro de seu apartamento era tranquila, mas lá fora não. Ainda que ninguém próximo passasse fome, testemunhar as necessidades pelas quais outras famílias passavam ao seu redor acabou determinado muito do seu DNA artístico mais tarde.

Aos dezoito anos se casou com Allan Arbus, um ator talentoso que sete anos depois pediu o divórcio para investir na própria carreira no universo das artes cênicas em Hollywood. Para superar o trauma da separação, ela se inscreveu em um curso de fotografia com Berenice Abbott. Naquela época, esse estilo de expressão não era considerado fine art, pelo contrário. Apesar de hoje celebrarmos Cartier-Bresson, Garry Winogrand e Vivian Maier, antes da Segunda Guerra Mundial, a função da fotografia era meramente registrar fatos, não emocionar apreciadores.

Foto por Diane Arbus
Foto por Diane Arbus (foto: cortesia Diane Arbus estate)

Todo o início do século 20 ficou marcado pela valorização absoluta do movimento modernista. Em 1913, uma das feiras de arte mais revolucionárias de todos os tempos - a Armory Show - consolidou o sucesso de nomes como Picasso, Braque, Matisse, Gauguin e Duchamp. Não havia espaço para uma fotógrafa judia nas grandes instituições de arte.

Foto por Diane Arbus
Foto por Diane Arbus (foto: cortesia Diane Arbus estate)

Ainda assim, Diane nem pensou em desistir. Registrar seu cotidiano não era apenas uma profissão, era um vício. Com sua Nikon debaixo do braço, ela quase sempre gravitava entre figuras frequentemente invisíveis para a nossa sociedade. Pessoas que inconscientemente causavam desconforto no outro eram um imã para sua lente (uma 35mm, diga-se de passagem). Nudistas, membros de trupes circenses, criminosos, prostitutas, crianças com Síndrome de Down e drag queens estavam entre seus personagens favoritos. 

Foto por Diane Arbus
Foto por Diane Arbus (foto: cortesia Diane Arbus estate)

Arbus era uma mulher à frente de seu tempo. Muito antes do diálogo necessário que vemos hoje em dia sobre identidade de gênero, racismo, xenofobia e a vulnerabilidade dos sem-teto, ela já enxergava a importância de não só observá-los e ouvi-los, mas também de retratar essas pessoas com o protagonismo que merecem. 

Segundo ela, nossa ideia do que é feio e do que é bonito é absolutamente subjetiva. Nossa opinião diz muito mais sobre nós mesmos do que sobre o indivíduo em questão. 

Foto por Diane Arbus
Foto por Diane Arbus (foto: cortesia Diane Arbus estate)

Mais tarde, após décadas de uma determinação inabalável, Arbus finalmente começou a ser notada. Foi a primeira mulher a ilustrar a ARTForum (uma das revistas de arte mais respeitadas de todos os tempos) e assinou um contrato com uma galeria de peso em Nova York. Eventualmente, ela se deu conta de que essa atração por figuras injustiçadas vinha de uma identificação pelo sentimento de desamparo. Diane foi diagnosticada com depressão crônica na infância e acabou perdendo a luta aos 48 anos quando cometeu suicídio.

No ano seguinte, o MoMA - Museu de Arte Moderna de NY lançou uma retrospectiva enorme da fotógrafa. Pela primeira vez na história, esse estilo de arte foi encarado com o respeito e a devoção que merece. Agora, para comemorar os 50 anos da mostra, os curadores da galeria David Zwirner decidiram expor as mesmas obras exibidas em 1972.

Foto por Diane Arbus
Foto por Diane Arbus (foto: cortesia Diane Arbus estate)

Nesse meio século, mais da metade do dinheiro arrecadado na venda de suas imagens foi revertido para instituições dedicadas ao amparo dessas comunidades retratadas por Arbus. De certa forma, até hoje, sua batalha por representatividade continua mais viva que nunca. Como ela mesma dizia, sua câmera sempre foi mais que uma máquina de fazer registros - era também um holofote para aqueles que, de certa maneira, viviam no escuro.

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  1. Pessoas sensíveis assim nem sempre são reconhecidas no seu tempo, gostei muito de saber um pouco sobre ela, me emocionei por saber que tirou a própria vida 😔 obrigada mais uma vez ❤️

  2. Um bom mergulho em assunto e arte de qualidade. Adoro fotografia . Não tinha conhecimento do trabalho mencionado. Gostei muito !

  3. Esse retorno a um passado, explorando a arte, é sempre curioso e fascinante. Realmente um belo texto!!!!!



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