Design para uma saúde melhor
O tema que guia o texto deste mês para o Archtrends é “design para uma vida melhor”. A expressão inspira uma abordagem do design para além do famoso binômio forma-função, ou da ideia de que o bom design se faz da adequação da primeira à segunda. No momento em que o design precisa ter como consequência uma “vida melhor” (um conceito relativo, ao qual podemos agregar condições como igualdade, liberdade e democracia), entramos no domínio da ética. O designer é imbuído da responsabilidade de que aquilo que ele cria deve ajudar a humanidade. Afinal, o design não é a priori uma ferramenta que visa ao bem; uma prova explícita são armas, fruto de projetos que demandam grande engenhosidade e inteligência.
Em meu primeiro texto aqui, falei sobre o prêmio dinamarquês Index, cujo lema é “Design to Improve Life” (em tradução livre, “design para melhorar a vida”). Analisando os finalistas, me chamou atenção o fato de um terço dos 56 projetos ter relação direta com a saúde, e o mesmo vale para dois entre os cinco vencedores, Zipline e Paperfuge, do qual falarei mais adiante. Não é acaso: o direito à saúde foi definido na Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, mas seu êxito constitui um dos maiores desafios que enfrentamos em escala global. Nos países mais e menos desenvolvidos, governos despendem enormes quantias e empresas privadas têm dificuldade em fazer “a conta fechar” – o preço do acesso à boa saúde é, enfim, exorbitante.
Em um campo tão amplo e vital não faltam brechas para soluções inovadoras. Associados a médicos, engenheiros, hospitais e indústria farmacêutica, designers podem ser peças-chave para enfrentar problemas relacionados ao envelhecimento ou à obesidade da população, nos países ricos, e à falta de infraestrutura e processos hospitalares básicos, nos mais pobres.
Com 20 centavos de dólar e apenas 30 segundos é possível realizar testes sanguíneos que auxiliam o diagnóstico de três das mais graves doenças infecciosas existentes, malária, tuberculose e Aids. Essa é Paperfuge, ferramenta frugal construída com plástico, corda e papel que substitui centrífugas de laboratório tradicionais. A ideia surgiu depois que um dos criadores, o bioengenheiro Manu Prakash, viu o aparelho sendo usado como peso de porta em um posto de saúde de uma área carente da África subsaariana.
Aquela centrífuga, que poderia ter custado até mil dólares, havia se tornado inútil pois simplesmente não havia eletricidade no local. Paperfuge, cujo projeto se baseia em um brinquedo milenar que rotaciona um pequeno disco, tem o recorde de velocidade centrífuga movida apenas por força humana. Além de infinitamente mais barata, a centrífuga de papel é fácil de usar e transportar, e deve ajudar a salvar muitas vidas.
Esse projeto, criado por jovens da Universidade Stanford, carrega algumas semelhanças com outro idealizado por um vizinho no Vale do Silício, o escritório Fuseproject. Fundado pelo designer Yves Béhar, essa agência de design é uma das mais inovadoras do mundo, usando tecnologia e ideias disruptivas em produtos para clientes como Nike e Herman Miller. À convite da Fundação Gates e da revista Wired, o Fuseproject desenvolveu Kernel of Life, um pequeno dispositivo em forma de amuleto que analisa sangue, urina, saliva e hálito de pacientes com doenças crônicas.
Conectado por Bluetooth a um aplicativo de celular, o dispositivo transforma o material biológico em informações que são enviadas a médicos. O visual desempenha uma função importante no entendimento do uso: dentro do pendente, que pode ser pendurado ao pescoço, há uma almofada microperfurada dividida em quadrantes coloridos – vermelho para sangue, amarelo para urina, azul para saliva e verde para a respiração. Kernel elimina a necessidade de consultas regulares em regiões de difícil acesso e permite, por meio do aplicativo, que os pacientes monitorem continuamente sua saúde e contatem seu médico.
Em países desenvolvidos, como os EUA, o acesso a serviços e bons medicamentos não é exatamente o problema, mas o fato de medicamentos serem tomados da maneira errada, sim. Segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde e de artigos especializados, cerca de 125 mil mortes por ano no país podem estar relacionadas a falhas dos pacientes em seguir corretamente orientações do médicos ao administrar seus remédios. Pill Pack é um conceito inovador de farmácia, cujo coração é puro design.
Em vez de ter de enfrentar filas, pedir novas receitas ou se perder em meio a potes de remédios, horários e instruções, o cliente recebe em casa uma caixa que contém, separadas em pequenos saquinhos, todos os comprimidos que devem ser tomados em determinado dia e hora (as receitas são enviadas pelo médico através do site). O design é pensado para impedir esquecimentos e erros: os saquinhos são destacados na sequência correta e letras grandes impressas facilitam a leitura dos idosos. Pill Pack, empresa criada por ex-alunos do MIT, foi incubada pela mais importante consultoria de design do mundo, a Ideo.
O problema de remédios mal administrados, aliás, já havia chamado a atenção do francês Mathieu Lehanneur, um dos principais nomes do design de seu país, em seu trabalho de conclusão da faculdade. Ele criou remédios com formas lúdicas, que tinham como objetivo engajar o usuário a seguir corretamente o tratamento. Em vez de uma cartela de comprimidos, um antibiótico teria o formato inspirado em uma cebola, cada camada sendo uma dose. À medida que o tratamento avançasse, o remédio diminuiria de tamanho, chegando ao miolo, até desaparecer completamente – assim, o paciente saberia que a doença também estava sendo curada dentro do seu corpo e que o tratamento chegara ao fim. Os Objetos Terapêuticos, dez propostas no total, foram incorporados em 2001 à coleção do MoMA.