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Como a arquitetura pode contribuir para solucionar os desafios do milênio?

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04.08.2021
Em sua coluna de estreia, a ativista ambiental Fe Cortez propõe o início de uma reflexão acerca do papel e do poder da arquitetura para solucionar os desafios ambientais e sociais deste século.
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Como a arquitetura pode contribuir para solucionar os desafios do milênio? Essa foi a pergunta que me veio à mente quando fui convidada para participar do evento da Portobello Archtrends Talks 2021. E essa é a pergunta que guiará meus ensaios neste canal, estreando hoje.

Se preferir, clique no play abaixo para ouvir o artigo completo:

Mas antes de explorar um pouco mais essa temática, deixa eu voltar e me apresentar. Me chamo Fe Cortez, sou idealizadora do Movimento Menos 1 Lixo, que talvez você conheça pelo seu símbolo, um copinho retrátil de silicone, este original e feito no Brasil. Estou ativista ambiental, palestrante, escritora às vésperas de lançar meu primeiro livro, e pensadora da Nova Era. Digo estou, e não sou, porque o meu servir não me define, e ele deve ser fluido assim como os ciclos que guiam a vida nesta grande casa comum que dividimos com bilhões de outros seres que sustentam a teia da vida em Gaia. Mas antes de estar ativista, eu trabalhei durante anos com moda e comunicação, e a estética sempre foi para mim, campo de interesse e relação pessoal. Ter trabalhado mais de dez anos na indústria da moda, uma das 5 mais poluentes do planeta e arrisco dizer, a que está por trás da disseminação massiva do conceito de que seu valor será medido pelo que você tem, me trouxe entendimentos sobre o comportamento humano, e de um de seus papéis, o de consumidor, ao mesmo tempo que me fez refletir sobre a necessidade de novos valores para os desafios globais que nós, como sociedade planetária estamos passando. E é sobre essas reflexões que irei tecer os fios do que vou trazer como proposições e questionamentos para vocês nas minhas colunas mensais por aqui.

Como a arquitetura pode contribuir para solucionar os desafios do milênio
Casa do João de Barro (Foto: Orlando Santana)

Então voltando à pergunta geradora deste texto: como será que a arquitetura pode contribuir para solucionar os desafios do milênio? Mas peraí, Fe, quais são os desafios do milênio de que você fala? Na minha visão, de forma bem reduzida, temos algumas grandes questões que deveriam ser as norteadoras na tomada de todas as decisões no planeta. Estamos enfrentando uma emergência climática, que fica clara neste mês que escrevo, com neve em Gramado, termômetros na casa dos 50ºC no Canadá, e uma enchente que não era vista há um milênio na China. Isso é só uma amostrinha do que vem por aí, que já está aí, mas que não sabemos onde pode dar. Essa emergência climática está calcada na emissão de gases de efeito estufa provenientes principalmente do uso de combustíveis fósseis como um dos pilares da matriz energética do mundo. Mas não só isso. A nossa relação com o que chamamos natureza, o desmatamento e a industrialização da produção de alimentos é um grande vetor de emissões. Temos um desafio que na minha visão é maior que o da emergência climática, que é o da perda da biodiversidade. Nos últimos 60 anos extinguimos mais de 60% dos animais selvagens. E soma-se a isso o crescimento exponencial da população global, cuja previsão é bater a casa dos 10 bilhões em 2050, e a crescente desigualdade social. E tudo isso está calcado na sociedade do consumismo. Estamos destruindo a teia que nos mantém vivos aqui em nome de confortos aparentes, status, e consumo de coisas que não precisamos muitas vezes para impressionar quem não conhecemos. Ou para ter uma válvula de escape justamente da pressão que este modelo impõe sobre nós. Vivemos da forma mais antinatural que já existiu na história do Homo Sapiens. E a forma como pensamos os espaços pode ser crucial para endereçar pelo menos algumas destas questões.

Pensei que hoje podemos começar com uma reflexão sobre a eficiência energética das construções. Uma das coisas que mais me tira do sério é sentir frio. E essa tem sido uma constante no inverno brasileiro. Observo que por aqui, a maioria das casas e residências não tem isolamento térmico, mesmo em lugares onde as temperaturas ficam abaixo dos 10 graus com uma certa frequência. Isso gera uma necessidade de uso de energia enorme, seja ela proveniente de eletricidade, ou de combustão de madeira ou gás. E essas mesmas construções, no verão, necessitam do uso de ar condicionado, que resfria o local em questão, mas contribui enormemente para o aquecimento global. O fato das moradias não terem projetos que focam em manter uma temperatura agradável com o menor uso possível de recursos coloca a gente numa sinuca de bico. Usamos cada vez mais energia para regular a temperatura, o que causa mais ondas de frio e calor extremos. Nossa forma de resolver a questão, na verdade, piora essa mesma questão. Por que então não focamos o alicerce de um projeto de construção, seja ele de que tipo for, primeiramente na eficiência energética? Se o maior desafio do milênio é o aquecimento global, é nas nossas casas que deve começar a solução. Paredes feitas de materiais vivos como o barro, janelas bem feitas e vedadas, pés direito baixos onde necessário e alto também onde faz sentido, mas só onde faz sentido e não mais uma escolha apenas estética. Mas mais do que isso, como pensar a estrutura de uma casa para que a energia usada no fogão aqueça outras partes da mesma, que o sol seja usado para aquecer a água e a própria casa, que a iluminação potencialize o não uso de luz artificial? 

desafios do milênio
Loja da Apple, na Quinta Avenida, EUA (Foto: Gianandrea Villa em Unsplash)

Estive em Nova York em um evento sobre mudanças climáticas em 2019 e assisti a uma palestra de uma representante da prefeitura falando que seriam investidos nos próximos anos alguns bilhões de dólares para que as construções fossem mais eficientes no uso de energia. Que do jeito que estava, estava insustentável, literalmente. E para ilustrar sua fala, ela comentou sobre a loja da Apple da Quinta Avenida. O famoso cubo de vidro da marca da maçã é apenas um símbolo de status e poder da marca, mas a loja em si está inteiramente abaixo do nível da rua. O problema é que a quantidade de energia necessária para refrigerar e esquentar o gigante cubo de vidro que atrai visitantes do mundo inteiro não é mais compatível com a nova ética que é necessária entendendo que a energia não é só de quem paga por ela, ela é de todos, e sua produção impacta a todos. Depois deste exemplo, a representante do governo seguiu dizendo que muitos retrofits seriam necessários nos próximos anos para que o consumo de energia da cidade que nunca pára, estivesse compatível com o desafio da geração dessa energia toda. E lembrou que Nova York está à beira mar, e que justamente tudo o que ela prega como valores é o que pode causar o seu fim com a subida do nível do mar.

Termino aqui com a frase da Nina Braga, Diretora do Instituto-e, também para a Portobello Archtrends Summit: “A estética tem que andar junto com a ética”. Será que ela não pode começar repensando a construção como parte de um todo? Afinal, só temos uma casa.

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