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Crise climática e a responsabilidade da construção civil

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Composição de árvores na via urbana / Imagem retirada do livro Vegetação Urbana – Lucia Mascaró (2010, p.32)

O aquecimento global induzido pela ação humana trouxe mudanças climáticas inéditas na história recente. O IPCC - Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas aponta que os impactos nas pessoas e ecossistemas são mais intensos e abrangentes do que o previsto e aumentam exponencialmente com cada fração de aquecimento global.

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O Inmet - Instituto Nacional de Meteorologia registrou no mês de setembro de 2023 temperaturas acima dos 40ºC em mais de 20 municípios brasileiros. A perda de biodiversidade, o aumento da população global exposta a inundações, tempestades, desertificação, estresse hídrico, estresse térmico, insegurança alimentar, incêndios e o aumento do número de ondas de calor e de dias por ano com temperatura acima de 35°C já são uma realidade incontestável.

Os esforços atuais são no sentido de manter o aquecimento abaixo ou o mais próximo possível de 1,5°C, já que ultrapassar esse limite implica em impactos ainda mais severos para o planeta e, por vezes, irreversíveis. Agora, falamos de implementar medidas de adaptação para construir resiliência, proteger vidas e garantir subsistência.

O que é possível fazer para que nossas cidades e edifícios atendam às demandas do nosso tempo? É justamente nas áreas urbanas, onde vive mais da metade da população mundial, que as adaptações perpassam o campo da arquitetura e do urbanismo e, com soluções comprovadamente eficazes, o desenvolvimento sustentável e a resistência às mudanças climáticas poderão ser promovidos. 

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Abaixo, listamos alguns pontos pertinentes presentes no Guia Prático para Construções e Comunidades Resilientes ao Clima, que demonstra como construções e comunidades podem ser constituídas para aumentar sua resistência às mudanças climáticas.

ÁGUA - Inundações e escassez

As expectativas são de aumento das chuvas intensas de um lado e a falta de água para abastecimento do outro. Por isso, é preciso encontrar maneiras de conviver melhor com a água no território urbano.

No modelo de urbanização brasileiro e de muitas cidades ao redor do mundo, os territórios são em grande parte impermeabilizados e é comum a canalização de córregos e rios. Com as chuvas intensas, os sistemas de drenagem não comportam o volume de água e ocorrem as inundações, trazendo risco de vida e saúde à população, além dos prejuízos materiais. Ao restaurar áreas de infiltração de água, utilizar materiais permeáveis na pavimentação e ampliar espaços verdes é possível diminuir o risco e a intensidade de inundações.

Especialmente nas grandes cidades, a falta de acesso à moradia digna colabora para a ocupação irregular de áreas de preservação permanente, encostas, nascentes, rios e mananciais por quem não tem outra alternativa. Essas ocupações têm como consequências o assoreamento, a contaminação da água e os riscos de deslizamento. Ao proteger e restaurar a vegetação é possível estabilizar os solos, desacelerar o escoamento de água superficial, diminuir o risco de deslizamentos e preservar a água.

infográfico de soluções da construção civil sobre crise climática

CALOR - Estresse térmico e ilhas de calor urbano

As ilhas de calor, termo usado para referir-se às temperaturas elevadas em áreas urbanas, ocorrem pelo excesso de construções com materiais inadequados, falta de áreas verdes e poluição extrema.

Asfalto, concreto e vidro são materiais muito comuns nas nossas cidades, mas são pouco adequados às temperaturas elevadas. O asfalto absorve grande parte dos raios solares e se mantém aquecido por muitas horas, sendo uma das principais fontes de desconforto térmico na área urbana. O vidro, quando utilizado em quantidade ou posicionamento inadequados, reflete os raios solares para o entorno e ainda promove um efeito estufa dentro da edificação. E o concreto, além de demandar muita energia em sua fabricação, também é um material que absorve muito calor.

Uma parte significativa do gasto energético das cidades vem da necessidade de resfriamento ou aquecimento das edificações, o que pode ser reduzido com soluções de uma boa arquitetura. Ao considerar a longa vida útil de uma edificação, é urgente a necessidade de sugerirmos estratégias de resiliência às condições climáticas atreladas à construção civil.

Entre as 10 soluções cruciais para mitigar as mudanças climáticas, a comissão global aponta a adaptação e a descarbonização das edificações: redução da emissão de gases causadores do efeito estufa, eficiência energética e redução da poluição do ar interno são alguns dos benefícios.

croqui de arquitetura com efeitos da vegetação
Os efeitos da vegetação em relação a iluminação e temperatura / Imagem retirada do livro Vegetação Urbana. Lucia Mascaró (2010, p. 45-48)

Dentro e fora das edificações, a ampliação das áreas verdes e a inserção de árvores também contribuem positivamente para a redução do estresse térmico provocado pelas ilhas de calor pois, além de gerarem espaços de sombra, ainda promovem um resfriamento evaporativo, onde parte do calor é retirado pela vegetação para evapotranspiração e uma quantidade de água é devolvida à atmosfera.  

RECONSTRUÇÃO 

Se a construção civil é uma das grandes responsáveis pelos impactos ao meio ambiente - da fase de extração da matéria-prima até a execução de obras - pensar em soluções que minimizem o desperdício de material, de água, o consumo de energia e a poluição é assunto urgente. A substituição por técnicas construtivas que levem em consideração soluções modulares e pré-fabricadas é um caminho.

“Uma abordagem de “triagem” de longo prazo inclui projetar para facilitar a reconstrução ou mesmo desconstrução de um edifício para que ele, ou no mínimo os materiais, possam ser usados em outro local. As unidades pré-fabricadas são facilmente desmontadas e podem ser transportadas em grandes unidades. Além disso, os materiais de construção modulares permitem o transporte de grandes quantidades numa só viagem.” (Item 3.3.4 Projeto de triagem para reconstrução rápida após desastres do Guia Prático para Construções e Comunidades Resilientes ao Clima)

A seção 3 (Abordagens gerais e princípios de design) do Guia Prático para Construções e Comunidades Resilientes ao Clima traz alguns exemplos de como essa prática pode ser eficaz em casos de urgência na recomposição das construções, principalmente de moradias:

- Simplificar e padronizar detalhes de conexão (parafusos, pregos, etc.): Permite uma construção e demolição eficiente e reduz a necessidade de múltiplas ferramentas.

- Minimizar peças e materiais de construção: O projeto deve ter como objetivo minimizar a quantidade de materiais de construção e equipamentos necessários.

- Design com materiais reutilizáveis: Especificação de materiais que sejam adaptáveis e que serão úteis no futuro, que possam ser reutilizados ou reformados.  

- Projetar para flexibilidade e adaptabilidade: O projeto deve considerar quaisquer renovações ou adaptações futuras que possam ser necessárias para prolongar a vida útil do edifício.

DESLOCAMENTOS 

O planejamento urbano moderno não prioriza o transporte público e, ao tornar o transporte individual (automóvel) uma necessidade, favorece ainda mais a formação de ilhas de calor com a emissão de gases de efeito estufa.  

gráfico com tendências de aumento de velocidade de carro

Para a redução desses gases o planejamento urbano precisa limitar a necessidade de deslocamentos, com a sobreposição de usos (residenciais, comércio e serviço), e favorecer o transporte coletivo e não motorizado: boa oferta de ônibus, trens, além do desenho urbano com calçadas e ciclovias adequadas em que se possa deslocar a pé ou de bicicleta.

O Systems Change Lab é uma plataforma de dados colaborativa que monitora as mudanças climáticas e estimula ações para enfrentar o aquecimento global.  A plataforma elencou alguns pontos primordiais para transformar os sistemas de transportes e proteger as pessoas e o planeta:

1 – Garantir o acesso à mobilidade urbana e moderna: o sistema precisa beneficiar a todos, de modo que ofertas de empregos, habitação e infraestrutura sejam acessadas por pessoas de todos os níveis salariais.

2 – Reduzir veículos e viagens evitáveis: o que leva as pessoas a conduzir? Se nos concentrarmos na gestão de transportes coletivos e na melhora da qualidade de mobilidade, a quantidade de automóveis nas vias poderá ser reduzida. O meio mais prático de reduzir as emissões de transportes é utilizar um planejamento que aproxime as oportunidades dos residentes e encoraje o uso de transportes com menos emissão de carbono ou atividades a pé, por exemplo.

3 – Opção por transporte coletivo e não motorizado: Repensar os modos de locomoção permite a melhoria da qualidade de vida, além de combater o congestionamento e a poluição urbana. O transporte público ainda é um ponto crítico em boa parte das áreas urbanas, mesmo sendo o meio mais acessível e eficiente. 

Nas áreas mais deslocadas dos centros urbanos, onde não há opção por veículos individuais, esse sistema é ainda mais precário, com veículos em péssimas condições e longos deslocamentos, o que dificulta o acesso a oportunidades, cuidados médicos e outros serviços essenciais. Por outro lado, algumas barreiras físicas e climáticas impedem a implementação do uso da bicicleta, pela disponibilidade limitada de ciclovias seguras, desafios topográficos ou condições climáticas desfavoráveis.

Embora a situação seja crítica,  ainda temos chance de minimizar os impactos futuros e oferecer condições melhores para as novas gerações. Enquanto responsáveis pela transformação do cenário urbano, nossos esforços precisam ser em promover cidades pautadas no desenvolvimento sustentável, com qualidade de vida, valorização do meio ambiente e condições de acesso igualitário. A proteção dos recursos e a restauração de áreas degradadas também passam pela justiça social. O momento é agora!

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