A Casa Abandonada
Ouço muitos podcasts, afinal produzimos um, o Betoneira, sobre arquitetura e cidades. Neste momento estou seguindo o excelente podcast true crime A Mulher da Casa Abandonada, escrito por Chico Felitti e produzido pelo jornal A Folha de São Paulo.
Para ouvir o artigo completo, clique no play abaixo:
A trama conta, em linha gerais, a história de um casal brasileiro que manteve uma mulher trabalhando para eles nos Estados Unidos em condições de trabalho análogo à escravidão por anos.
Como pano de fundo do podcast, um casarão abandonado encalacrado entre dois edifícios, sendo um deles uma joia da arquitetura moderna, o edifício Louveira, projetado em 1946 pelos arquitetos Vilanova Artigas e Carlos Castaldi, tombado pelo Condephaat em 1992.
E como campo ampliado da novela, o bairro de Higienópolis, tradicional reduto da aristocracia de São Paulo. O bairro planejado foi lançado em 1895 pelos empresários Martinho Buchard e Victor Nothmann, recebendo os palacetes da aristocracia do café.
Em 1930 inicia-se a verticalização do bairro, ganhando impulso em 1950 com a gradativa substituição dos palacetes ecléticos por edifícios imponentes projetados por importantes arquitetos imigrantes da Europa do pós-guerra, como os poloneses Lucjan Korngold e Victor Reif, o italiano Giancarlo Palanti, o alemão Adolf Franz Heep, além de brilhantes arquitetos brasileiros que representavam o movimento moderno no Brasil, como Rino Levi, Vilanova Artigas, Artacho Jurado, João Kon, Pedro Paulo de Mello Saraiva, Abrahão Sanovicz, entre outros.
Apesar de toda esta história de riqueza e aristocracia, o bairro de Higienópolis vê a ascensão de uma classe média alta, por vezes racista e elitista. Não faz muito tempo que este mesmo bairro rejeitou uma estação de metrô, bem-vinda em qualquer lugar do mundo – inclusive nos países visitados (e desejados) por esta mesma classe média alta – por trazer à suas calçadas, em seu imaginário discriminatório, gente “diferenciada”.
E é neste território complexo que encontramos a tal casa abandonada, antiga residência do médico paulista Dr. Geraldo Vicente de Azevedo, filho do Barão da Bocaina, onde vive atualmente a tal mulher da casa abandonada, dona Margarida ou Mari, personagem principal, incensada por vizinhos e pela mídia sensacionalista à vilã de novela.
Ao acompanhar os capítulos do podcast, vi nas redes sociais o aumento desta histeria dos moradores e curiosos de plantão nas imediações, acampados em frente à casa, sobre árvores ou tuitando especulações da terrível história e seus desdobramentos no bairro.
Me pergunto se esta energia de visitação ao bairro não poderia ser canalizada para visitarem os belos edifícios, marcos da arquitetura moderna paulistana. Mas o populacho prefere se aglomerar na desgraça em torno da casa abandonada, à espera do tema bombástico da próxima semana.
Desde já, teço meus elogios ao podcast e ao seu autor.
Como disse Nelson Rodrigues: “Quero crer que certas épocas são doentes mentais. Por exemplo: a nossa”. Atemporal.