Abrindo caminhos para a arquitetura negra
"Por que o Archtrends não está no Twitter?", foi a primeira pergunta que o arquiteto João Gabriel, de Vitória da Conquista, na Bahia, fez ao chegar no Office Park, escritório da Portobello em Florianópolis, à convite da marca. Nós já sabíamos da importância das redes sociais para João, afinal ele estava ali para participar do Portobello Experience por ser um influenciador da Portobello Shop. Ainda assim, ficamos surpreendidos por sua indagação sobre redes sociais ter surgido de maneira tão imediata e espontânea.
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Depois de dois dias de convivência, com muitas conversas e uma entrevista emocionante, foi ficando mais claro por que o Twitter, rede social propícia a discussões e posicionamentos, é tão importante para João. Sua presença digital é política. Ele não está ali apenas para conquistar novos clientes, ou compartilhar informações de arquitetura, ou vender produtos. Sua influência representa diversidade racial na arquitetura brasileira.
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No Brasil, apenas 4,33% dos profissionais de Arquitetura e Urbanismo se autodeclaram negros, segundo pesquisa realizada pelo CAU/BR - Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil em 2020. Além disso, 27% dos arquitetos desempregados são mulheres negras.
Nesse cenário, João não é apenas um jovem arquiteto desenvolvendo projetos criativos e transformando as casas de seus clientes. Ele é representatividade racial - e tem consciência disso.
Problemáticas racistas da arquitetura
O primeiro contato de João com o movimento negro foi na Uneb - Universidade do Estado da Bahia, onde cursou Urbanismo. Ali teve seu letramento racial. "A Uneb me ajudou a construir a perspectiva de militância. Foi quando eu me entendi como pessoa negra", relembra. Porém, ele acabou trocando a formação por Arquitetura e Urbanismo. "Na faculdade particular, eu percebi o racismo que existia no ambiente. Na minha sala, eram três alunos negros e 38 brancos. E esses três eram do Prouni. Nós nos sentíamos sozinhos, e eu ainda mais, pois entendia aquilo como racismo", conta.
A consciência racial que ele já havia adquirido o levou a se posicionar quando uma professora pediu o desenvolvimento do projeto de um apartamento modelo, com obrigatoriedade do quarto de empregada. "Eu falei para a professora que eu não ia fazer. Ela perguntou por que, eu expliquei, ela bateu de frente, exigiu que eu fizesse. Eu levei a situação para o coordenador e fiz uma publicação no meu Instagram, que viralizou", conta.
Naquele momento, João percebeu sua potência de jogar luz a questões que, infelizmente, ainda precisavam ser discutidas. Vai ter senzala sim: as problemáticas racistas do quarto de empregada chegou até a defensoria pública, que fez um artigo em cima do post, chamando o estudante para dar entrevista. Ainda, a partir dali o CAU passou a regulamentar o quarto de empregada, com pré-requisitos mínimos para a dignidade humana.
"Depois disso, entendi que eu tinha um papel na arquitetura, que era diferente. Não era somente projetar. Eu amo projetar, mas para mim o projeto é uma ferramenta para mostrar que pessoas negras podem ser arquitetos de destaque", diz. E as redes sociais, claro, são a melhor vitrine para isso.
No Instagram, João Gabriel mostra seus projetos, repletos de cores e identidade, normalmente o primeiro imóvel de seus clientes. Muitos dos projetos também estão no Archtrends, incluindo a Sala Isokan, que ganhou o concurso de arquitetura de 2022, trazendo o conceito iorubá de união. E no X, antigo Twitter, João escreve sobre diversidade racial e outras problemáticas da arquitetura brasileira, frequentemente viralizando, graças à comunidade altamente engajada que se formou ao seu redor nos últimos anos.
Impulsionando as carreiras de arquitetos negros
João enfrentou e superou vários episódios de racismo durante sua trajetória acadêmica e profissional. Apesar disso, hoje experimenta sucesso como arquiteto, com escritório formado por cinco pessoas, muitos clientes e participação confirmada na próxima CASACOR Bahia. E quer ver mais negros tendo o mesmo destaque ele.
"O que eu consigo fazer agora, com o que eu tenho, que não é muito, mas que talvez seja suficiente? Eu consigo criar uma mentoria gratuita para estudantes e profissionais de arquitetura negros", conta. Na mentoria, João ensina como fazer atendimento, marketing, portfólio, projeto, detalhamento, obra, memorial e acompanhamento do cliente. Assim, a arquitetura brasileira vai ganhando mais profissionais negros altamente capacitados.
Ainda, João faz parte do Arquitetura D' Preto, como coordenador regional, iniciativa que fomenta a arquitetura negra e conecta profissionais e clientes. "Eu entendi que preciso estar num local de referência para que mais pessoas cheguem até mim. Não para que eu tenha destaque profissional, mas para chamar atenção dessa galera que eu posso ajudar", explica.
Se João encantou a equipe e o grupo dos influenciadores da Portobello Shop durante o Portobello Experience com sua personalidade solar, criativa e autêntica, na verdade é na militância por mais diversidade racial na arquitetura brasileira que está sua verdadeira força transformadora. Siga João no Instagram e no X.
Muito boa a entrevista