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Precariedade das instalações sanitárias encontradas no Rio Grande do Sul (Foto: Divulgação/CAU)

Escassez de banheiros na casa brasileira

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12.03.2024
Colunistas da Beiral Arquitetura refletem sobre a falta de banheiros adequados nos lares brasileiros e como isso afeta a pobreza menstrual
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“Sem banheiro nem absorvente” é o título da reportagem da Revista Piauí, publicada em maio de 2023, com dados que voltaram a nos surpreender na última semana, causando o mesmo incômodo da leitura do ano passado. Um número em especial causa assombro: a quantidade de jovens que menstruam e não tem acesso a sanitário e/ou chuveiro em suas moradias no Brasil equivale a população de uma cidade como Uberlândia (MG).

Para ouvir o artigo completo, clique no play abaixo:

Para o Unicef - Fundo das Nações Unidas para Infância, a dignidade menstrual é o direito da pessoa que menstrua a ter acesso a produtos e condições de limpeza adequados: absorventes, produtos de higiene, banheiro apropriado para seus cuidados. Entretanto, jovens por todo país não têm esse direito garantido, é o que revela os dados apresentados pelo relatório “Pobreza Menstrual no Brasil”, lançado em maio de 2021 pelo UNFPA - Fundo de População das Nações Unidas, em parceria com o Unicef.

Pois bem, quais são esses números? 

Uberlândia é um município mineiro, com população atual estimada em 713.224 habitantes, segundo o censo de 2022 do IBGE. Segundo o Unicef, o número equivale também à quantidade de jovens em situação de vulnerabilidade menstrual.

MAIS DE 700.000 PESSOAS

A pobreza menstrual, termo utilizado para caracterizar a falta de acesso a itens obrigatórios para cuidados da higiene menstrual, atinge pessoas encarceradas, em situação de rua e/ou que vivem em condições de escassez, sem acesso a serviços básicos de saneamento, produtos de higiene e medicamentos.

Entretanto, o relatório aponta que o desconhecimento sobre a saúde menstrual pode afetar também pessoas que não estão em situação de pobreza extrema, já que poucas famílias lidam com o tema com naturalidade. 

Considerando um ciclo menstrual regular com fluxo de cinco dias a uma semana, uma pessoa que menstrua pode gastar cerca de R$15 por mês somente com absorventes descartáveis. Na hora de definir a destinação do orçamento familiar sobra pouca ou nenhuma renda para a compra de produtos que garantam a dignidade menstrual, afinal, a alimentação é prioridade.

“Não é possível pensar em direitos menstruais sem considerar as múltiplas realidades no Brasil. É preciso uma abordagem interseccional da questão, considerando diversidades raciais e territoriais, entre outras, a fim de enfrentar o problema e elaborar soluções adequadas.” Pobreza Menstrual no Brasil, 2021 

Quando é feito o recorte racial, infelizmente, nenhuma surpresa: no Brasil meninas negras têm três vezes mais chances de conviverem com a falta de acesso a um sanitário, se comparado a meninas brancas.  Se as primeiras representam 37% do número de pessoas que vivem em locais sem saneamento básico, as segundas representam aproximadamente  24%. 

Precariedade das instalações sanitárias encontradas no Rio Grande do Sul
Precariedade das instalações sanitárias encontradas no Rio Grande do Sul (Foto: Divulgação/CAU)

O Censo Demográfico, realizado em 2022, investigou a existência de banheiros e sanitários por domicílios, considerando quatro situações: 

1 - existência de um banheiro de uso exclusivo da moradia, ou seja, para uso de moradores e seus hóspedes;  

2 - A utilização de instalações sanitárias compartilhadas entre mais de um domicílio, como é o caso de construções multifamiliares; 

3 - Utilização de sanitários ou buracos para dejeções, quando o domicílio não possui banheiro mas faz uso de uma instalação sanitária improvisada;

4 - Por fim, a inexistência  de banheiros, sanitários ou buracos para dejetos, implicando na evacuação a céu aberto. 

Precariedade das instalações sanitárias encontradas no Rio Grande do Sul
Precariedade das instalações sanitárias encontradas no Rio Grande do Sul (Foto: Divulgação/CAU)

A parcela da população (97,8%) que têm algum banheiro em casa está dividida da seguinte maneira:  01 banheiro: 62,58%; 02 banheiros: 26,18%; 03 banheiros: 6,33%; 04 banheiros: 2,67%.  Se para alguns, viver em uma casa sem nenhum banheiro faz parte da rotina (367 mil domicílios = 1,2 milhão de pessoas), para outros (5,4 milhões de pessoas) residir em uma casa com quatro banheiros -  ou mais -  é uma grande mordomia. 

Em meio a tanta desigualdade, a notícia boa é que, em relação ao Censo anterior (2010) o número de residências sem banheiro caiu, um avanço que aconteceu em todas as regiões brasileiras. 

E como trabalhar para que esses números sejam ainda menores? Colocando a mão na massa! (Alô, arquitetos!)

O programa Nenhuma Casa Sem Banheiro, proposto e desenvolvido pelo CAU/RS - Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio Grande do Sul, é um exemplo dessa transformação. O objetivo: realizar melhorias sanitárias em moradias assistidas pela Lei 11.888/2008, que assegura o direito de famílias de baixa renda à assistência técnica pública e gratuita para projeto e construção de habitações de interesse social. 

Arquitetos realizam medição em casa contemplada pelo programa "Nenhuma casa sem banheiro", no Rio Grande do Sul
Arquitetos realizam medição em casa contemplada pelo programa "Nenhuma casa sem banheiro", no Rio Grande do Sul (Foto: Divulgação/CAU)

Uma equipe de profissionais, arquitetos e urbanistas, realiza o atendimento e o acompanhamento para propor soluções que melhorem as condições de saneamento, água, higiene e esgoto dessas casas. 

Baseado no projeto realizado pela Funasa, Melhorias Sanitárias Domiciliares, que prevê a instalação de módulos sanitários padronizados em domicílios de áreas urbanas, o programa Nenhuma Casa Sem Banheiro já beneficiou mais de 370 famílias na região metropolitana de Porto Alegre e, em 2022, com sua expansão para outros municípios do estado auxiliou ao todo 1151 famílias. 

Como Ermínia Maricato publica em Metrópole, legislação e desigualdade (2003), a segregação urbana é parte promotora da desigualdade social. A dificuldade de acesso a serviços básicos, entre eles o saneamento e moradia, representam menos oportunidades de emprego, profissionalização e, consequentemente, ascensão social. 

Banheiro de casa contemplada para participar do programa “Nenhuma Casa Sem banheiro”, promovido pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio Grande do Sul (Foto: Divulgação/CAU)
Banheiro de casa contemplada para participar do programa “Nenhuma Casa Sem banheiro”, promovido pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio Grande do Sul
Banheiro de casa contemplada para participar do programa “Nenhuma Casa Sem banheiro”, promovido pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio Grande do Sul (Foto: Divulgação/CAU)

A partir deste programa, o CAU/RS insere a assistência técnica como uma oportunidade de adequação das instalações destes dispositivos sanitários, levando em consideração as necessidades e especificidades da cada moradia e comunidade. A experiência positiva fez com que o projeto passasse a integrar a Plataforma IdeiaSUS FioCruz, que destaca experiências notáveis de acesso ao saneamento básico no país. 

“Precisamos fazer uma promessa de nunca mais construir moradia sem cidade”[...]. “Muito mais importante que construir casa nova, é dar condições saneadas, salubres, dignas para quem está morando. É levar cidade para esses lugares.” (Ermínia Maricato na conferência de abertura do Seminário Nacional de Assistência Técnica para Habitação de Interesse Social (Athis), em 25 de novembro de 2019)

É fato: nosso papel de transformação deve ultrapassar os muros dos condomínios fechados e conversar diretamente com a cidade. Estamos dispostas, e você?

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  1. É função social dos arquitetos olhar para temas tão relevantes como esse (e de fato atuarem com ações concretas)! Parabéns por colocarem em foco e promover a reflexão, meninas!

  2. Mais uma vez as arquitetas do beiral falando de um assunto tão pertinente! É urgente que atitudes sejam tomadas! Parabéns beiralestudio! 👏🏾👏🏾👏🏾👏🏾

  3. Parabéns pelo artigo.Nos trás a realidade de um Brasil sem saneamento.A arquitetura tem muito a ver com a saúde preventiva.👏🏼👏🏼👏🏼



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