Viver e envelhecer nas cidades
O termo “visionário” possui duas possibilidades de interpretação: ou se aplica àquele futurólogo, que identifica hoje o que será verdade amanhã, ou àquele idealista, excêntrico. Minha ideia ao pensar sobre arquitetura visionária foi buscar exemplos da primeira opção e identificar aquilo que precisa ser planejado a partir de já, para que se torne realidade nas próximas décadas. Dito isso, o caminho natural foi percorrer as quatro “ades” da arquitetura.
“Ades” da arquitetura
A mais conhecida, sem dúvida, é a sustentabilidade. Peça de propaganda de todo os tipos de negócios ou indústrias ao redor do mundo nas últimas duas décadas, a queridinha das “ades” foi muito comentada no mercado arquitetônico devido à implantação dos selos verdes e ao valor agregado que fora impresso aos projetos sustentáveis no mercado imobiliário. Projetar de forma sustentável é, desde sempre, inerente à profissão de arquiteto. Ser arquiteto pressupõe, ao menos em tese, ter um pensamento sustentável, que alie conforto e eficiência. Check!
Passada a onda da sustentabilidade, veio à tona a acessibilidade. Com grande empurrão da Norma Brasileira NBR 9050, da ABNT – que aborda os critérios de sinalização, parâmetros de ergonomia e equipamentos obrigatórios –, projetistas que inicialmente não consideravam os usuários com algum tipo de deficiência, exceto por solicitação do cliente, passaram a ser obrigados a pensar diferente. Mais uma vitória em prol do ser humano. Check!
A nova queridinha das “ades" arquitetônicas é a mobilidade, pela urgência de pensar as cidades, tornando-as mais gentis com seus cidadãos. Equipamentos urbanos que permitam permeabilidade aos pedestres, meios de locomoção que facilitem o ir e vir dos usuários, reduzindo trânsito e, principalmente, o tempo perdido nos deslocamentos. Um exemplo bastante distante de nossa realidade foi objeto de estudo de viabilidade pelo escritório brasileiro Fernandes Arquitetos Associados: uma linha de transporte pessoal rápido (PRT - Personal Rapid Transit) em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. Pela proposta dos autores, seria possível sobrevoar livremente um dos mais belos cenários da cidade, de forma flexível e segura, através de uma solução limpa e sustentável. Utópico para o Brasil do momento, porém um sopro de inventividade perante a mesmice dos VLTs. Aqui, considerando que boa parte da população brasileira é contra ciclovias, e o poder público demora décadas para entregar poucos quilômetros de metrô, ainda estamos muito distantes. Uncheck.
Outra “ade" de extrema importância, pouquíssimo falada e com raros exemplos de boa arquitetura aplicada é a longevidade. Dados concretos apontam que a população mundial nunca envelheceu tão rapidamente. Pessoas com mais de 65 anos representarão 17% da população mundial até 2050, sendo a proporção atual de 8,5%. Isso significa 1 bilhão a mais de idosos do que hoje. O número de idosos com mais de 80 anos irá triplicar, aumentando a expectativa de vida, que hoje é de 68,6 anos, para 76,2. No Brasil, o número de pessoas com mais de 65 anos irá quadruplicar em três décadas.
Esses números soam alarmantes quando detectamos que a arquitetura não está seguindo esse raciocínio. São raríssimos exemplos de obras voltadas ao segmento longevo. É necessário uma revisão completa na concepção dos espaços, assegurando qualidade de vida para essa população crescente. Dos poucos exemplos existentes, o mais famoso entre arquitetos é o projeto de Manuel e Francisco Aires Mateus. Seu Lar dos Idosos, em Alcácer do Sal, Portugal, é um oásis em meio a um mercado nada explorado. Muito pouco para uma realidade iminente. Além de uncheck, é urgente.
[…] Ao redor de todas as peculiaridades que marcam essa vertente, também está a valorização das funções sociais das construções. […]