O Twitter e o Copan
Apesar de todas as atualizações, o Twitter deve ser a rede social que mais mantém firme seus primeiros propósitos: permitir ao usuário expressar suas opiniões em poucos caracteres.
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Porém, é esse mesmo propósito que torna o dia a dia da plataforma cada vez mais pantanoso. Uma frase descomprometida pode criar desavenças por ignorar realidades diferentes das do seu autor. E os ataques acabam sendo cada vez mais frequentes, uma vez que promovem o famigerado engajamento de maneira muito mais rápida do que os elogios sinceros.
Nesse ciclo de voltas e revoltas, alguns temas parecem sempre voltar à superfície conforme são ressuscitados por internautas mais distraídos. Um deles costuma gerar uma discussão recorrente na rede: o fato de São Paulo ser ou não uma cidade feia.
Em tom de deboche, postagens com imagens de cidades envoltas por natureza exuberante se contrapõem a fotos de São Paulo como um mar de prédios emoldurados por postes, fiação elétrica e engarrafamentos.
Não posso dizer que estão errados. Quem chega em São Paulo é recepcionado por estradas marginais cujos rios que as margeiam já não lembram rios. A cidade não só dá as costas às águas que a rodeiam, como cada vez mais as encobre, soterra, se sobrepõe.
A metrópole que nas últimas décadas cresceu desenfreada, se espraiando em planos ditados pelo capital, expõe na própria imagem seus conflitos sociais.
Mas foi um ataque em particular que pegou desprevenido o colunista que aqui escreve. Tweets de uma conta com cerca de 70 mil seguidores falavam não só da feiura de São Paulo, mas de alguns de seus prédios, como por exemplo, do edifício Copan. Mais do que o conteúdo desses tweets, foi a enxurrada de respostas que concordavam com a feiura do edifício que me fizeram refletir.
O Copan foi comparado a um maço de cigarros, a um monte de papelão molhado, a um carburador. Em arquitetura isso costuma ser um sinal interessante. Para assimilar um edifício disruptivo como o Copan, que formalmente foge do que se espera da imagem de prédio, o público geral costuma recorrer a esse tipo de imagens.
Não foi à toa que Caetano compôs em Sampa o verso “É que Narciso acha feio o que não é espelho”. Se estranha o diferente. E não é esse ponto que me incomoda.
O incômodo veio ao ler comentários que expunham o quanto se desconhece do edifício e da região central da cidade.
Alguns escreveram que havia apartamentos sem janelas, que o prédio era inseguro, que estava abandonado.
A construção do Copan foi atribulada. Não é fácil um edifício de 120.000m2 e 1160 apartamentos sair do papel. Projetado em 1952 para receber o habite-se em 1966, o edifício entrou em declínio nas décadas posteriores, refletindo o esvaziamento da região central. Diversos relatos narram um período de insegurança e insalubridade do gigante revestido de pastilhas cerâmicas. Porém, nas últimas décadas, o prédio foi ganhando novo fôlego, assim como a região à sua volta. A administração do edifício renovou suas instalações comuns e implementou sistemas de segurança sem desconectar o edifício da malha urbana da qual faz parte. Quem se aproxima do Copan tem cinco possibilidades de acesso a sua galeria comercial, aberta para as calçadas e reproduzindo a topografia do terreno onde está implantado. O público divide com os moradores do edifício a vasta oferta de equipamentos e serviços lá instalados.
A variedade de tipologias de apartamentos, presente no projeto original e intensificada durante a construção - quando se decidiu dividir os apartamentos de mais de 300m2 que ocupariam os blocos E e F em apartamentos menores – proporciona o acesso e convívio de grupos de diversas origens e classes sociais. Todos com o mesmo direito à cidade que a localização privilegiada do edifício oferece.
Quem escolhe o Copan como sua casa dificilmente consegue ir morar em outro lugar, como relatou o ator Paulo Vieira, no episódio 48 do Betoneira podcast.
Não podemos reduzir a discussões superficiais um edifício que permite tamanha diversidade de convívio e promove o uso democrático de seus espaços e do próprio entorno.
O Copan e seus moradores têm uma importância enorme para a revitalização da região central da cidade e deveriam servir de exemplo a tantos outros edifícios que se fecham em muros e grades.
Fica aqui o convite aos twiteiros e não só: conheçam o centro, explorem a cidade. Vocês vão descobrir que a diversidade de opiniões que o Twitter permite tem muito a ver com a proposta de cidade que o Copan propõe.
Texto por André Scarpa