"É tempo de falar com o coração", destaca Ferreirinha no Archtrends Talks
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As informações sobre os rumos que a pandemia ocasiona na era digital para o mercado podem parecer repetitivos ou clichês. Mas o empresário Carlos Ferreirinha, parceiro constante da Portobello em seus eventos institucionais, provoca profissionais da arquitetura e do design a refletirem mais profundamente sobre a importância de criar novos repertórios para uma conexão mais intimista com os clientes.
O pingue-pongue da entrevista, com 10 perguntas-chaves, foi realizado pela gerente de Marketing da Portobello, Juliana Simas, e também pelo público virtual no inédito Archtrends Talks, ocorrido na tarde de quarta-feira (24/3). O evento fez parte do terceiro dia da programação Trend Week da Portobello durante a feira Expo Revestir 100% digital.
ASSISTA AGORA O ARCHTRENDS TALKS COM FERREIRINHA:
1 | Adequar a experiência
Em um ano de mudanças diante do cenário da pandemia, como o digital suporta a experiência em que o cliente é o protagonista? Nesses últimos 10 anos a transformação digital ficou distante da maior parte das empresas, dos profissionais autônomos. E falar da experiência de uma forma geral, eu escuto muito, "como posso traduzir no meu ambiente físico, na minha loja de decoração a experiência do digital?". Acho que aqui precisa de um ajuste no entendimento mercadológico. A experiência no digital é pixel, pautada na digitalização. Precisamos traduzir esses códigos onde são incluídos outros elementos, pautadas na fluidez da navegabilidade nos canais de comunicação, a constante atualização de informação etc. A transformação digital já era um caminho nesses últimos 10 anos e agora desde o ano passado nós estamos sendo obrigados pelo mercado a protagonizarmos a transformação digital. Ao mesmo tempo que eu digo isso, nós precisamos adequar a uma linguagem de experiência digital, não carregando a mesma experiência do físico.
2 | Hiper-personalização
Estamos vivendo a era da hiper-personalização, hiper-exigência, isso tudo porque, como diz o seu livro, "o paladar não retrocede"; o que você pode dizer sobre este tema? O primeiro ponto a destacar é que a velocidade de adaptação da experiência do cliente no digital nesse momento de mercado é muito importante. Posso dizer que um dos desdobramentos da transformação digital foi levar o empoderamento de informação ao cliente. Não basta mais termos o mesmo nível de relacionamento, nós precisamos subir alguns degraus e um deles é a hiper-personalização. Quando passarmos para essas possibilidades de elevarmos esse nível de engajamento com o nosso cliente, além do bom atendimento, além do bom serviço, com proximidade e entrega de relacionamento aí o "paladar não retrocede" o que você construiu - que é muito mais que o título do meu livro - ele é o mantra da minha existência. Eu acredito que todos nós somos educados pelas marcas, pelas empresas, pelos canais de comunicação, pelos serviços e profissionais. Eles educam as nossas expectativas e nos tornam mais exigentes. Dito isto, se nos últimos anos nós estamos pautados pela hiper-conectividade que nos levou ao hiper-conhecimento, nós temos muito mais ferramentas na mão para cobrar e elevarmos nossos padrões. O "paladar não retrocede" é exatamente aquilo que eu acredito de magnânimo no mercado: nós consumidores, nossos clientes e nós que estamos aqui neste evento somos resultado de uma série de impactos das ocasiões de consumo e serviços que vão acontecendo na nossa vida; quanto mais subimos degraus, mais exigentes nos tornamos. E o digital não é um obstáculo, ele é uma grande aliado para esse momento de maior velocidade, de uma personalização que é demandada a todos nós.
3 | Vivenciar conhecimentos
O processo de inovação da Portobello cria repertórios com os clientes e isso leva para essa evolução de aprendizado. Como você enquanto líder com sua equipe consegue apoiá-los no desenvolvimento? Toda a minha trajetória é de uma estrutura sociofamiliar muito simples, de São Gonçalo (RJ), então entendi desde muito cedo que se os recursos não estavam disponíveis, mas o conhecimento estava disponível e ele era a minha grande força competitiva. Eu sou um líder que tem como premissas a (1) vivência do conhecimento, eu crio estímulos e réguas de relacionamento com a equipe, para que possamos vivenciar assuntos e temas diferenciados: de visitas a exposições e fábricas de determinado produto, de assistir filmes e seriados juntos, de conhecer ateliês; (2) compartilho muita informação (links, livros) com minha equipe, determinando dias e horários para conversar sobre aquilo que foi compartilhado. Eu pauto o conhecimento, nós temos convidados a falar de meditação a psiquiatras para falar sobre momentos na pressão social, mas mantemos tudo isso numa régua de relacionamento contínuo.
4 | O cliente não é nosso
Tanto a saúde quanto a tecnologia são áreas que ganharam muito destaque na pandemia, mas o nosso segmento, a casa, também. Então, qual dica você daria aos arquitetos e designers para acelerar esse processo de conexão e um conhecimento mais profundo desse cliente? A transversalidade do conhecimento é fundamental, nós temos que saber sobre outros temas diferentes dos produtos e serviços que trabalhamos porque elas incrementam a nossa capacidade de repertório, de narrativas. Às vezes não alcançamos as metas porque genuinamente não temos uma atitude de ir além. Temos que conversar com o cliente sobre outros assuntos para que ele fique embebido e abraçado por nós. E vamos entendê-lo melhor quando soubermos as outras ocasiões de consumo dele. O cliente não é nosso. Se soubermos quem mais está educando e elevando as expectativas deles, teremos um conhecimento de como ele está se manifestando em outros segmentos. Isso é o combustível fundamental.
5 | Tirar lágrimas
Uma habilidade que ajuda no processo de permitir que o cliente se revele mais, apontada por você em um evento, é a criatividade. Você comentou que em 2015 ela estava em 10º lugar e em 2020 subiu para 3º lugar, segundo o Fórum Mundial Econômico, para se manter competitivo. Essa é uma habilidade forte dos nossos profissionais parceiros. Por que essa criatividade nesse contexto de atendimento? Isso acontece porque nós profissionais éramos pautados nas competências técnicas, para conseguir saber vender, saber tudo de um produto… Isso não é mais suficiente. Agora precisamos "tirar lágrimas dos clientes", emocionar as pessoas. O que fica muito claro nessa atualização de habilidade, as chamadas soft skills, é que as competências mais pautadas nos estímulos e sensações ganharam força nos tempos atuais. As marcas que conseguirem manter um ritmo mais genuíno, mais espontâneo e fluidez pela criatividade, terão uma força competitiva muito grande.
6 |Ressignificação do consumo
Mercado de luxo ganhou ou perdeu com a pandemia? Tudo depende de qual atividade do mercado de luxo estamos falando. O setor da moda, por exemplo, é muito delicado, porque as ocasiões de consumo foram ressignificadas, as roupas deixaram de ser uma prioridade nesse tempo. Porém, tudo que engloba a casa, que vocês são líderes nessa atividade, isso cresce a um ritmo explosivo. Além disso, tudo o que falar sobre luxo absoluto, em que muitas poucas pessoas conseguem acessar, o crescimento também foi explosivo porque tem concentração de riqueza. Há necessidades de reflexões aqui: tudo o que é contado no luxo em médio a longo prazo, ele tende a crescer em momentos de crise, exemplo das joias, carros no patamar de luxo porque o conceito de colecionismo cresce, na venda do alto padrão de metro quadrado em incorporação imobiliária é a melhor venda da história do Brasil. Sim, para a atividade do luxo, para concentração de riqueza, para alto padrão e para o conceito do luxo, o crescimento tem sido de forma bem significativa. Já o luxo mais democrático, que precisa das bases mais expandidas para consumo, nós temos obstáculos, principalmente para o setor de gastronomia e entretenimento.
7 | Presença no digital
Como está agora o posicionamento das marcas de luxo que se negaram ao digital? As marcas de luxo são ponta de lança, sempre são indicadores de mercado, muito resilientes, e escola nos últimos 30 anos. Mas sempre foram muito atrasadas no digital. Um dos motivos é que o luxo sempre acreditou no seu tempo de consumo, com suas lojas físicas magnânimas, e com produtos que precisam ser tocados e sentidos. Aconteceu que ano passado foi um "deus nos acuda" de algumas marcas que estavam negligenciando caminhar no digital. Precisamos adequar nessa reflexão que nem tudo que se fala de presença no digital tem a ver com venda. Exemplo, a Chanel, uma das maiores marcas de luxo, ela não vende no digital, mas é uma excelente produtora de conteúdo digital. Muitas das vezes você pode não vender no digital, mas ter uma excepcional presença no digital como geradora de conteúdo.
8 | Aprender com o "luxo"
O que é luxo para você? É a pergunta que mais acontece ao longo de 30 anos de minha vida. As pessoas vão achar que o Ferreirinha vai falar enquanto pessoa física. Essa resposta não vai acontecer. A minha pauta do luxo não é uma pauta das minhas experiências pessoais, mas sim de minhas vivências profissionais. Então a resposta para essa pergunta é simples: luxo é o estado da arte da excelência. É o patamar máximo do extraordinário, um patamar no qual poucas marcas conseguem dialogar através dos seus produtos e serviços. Poucas empresas fazem parte do universo do luxo, porque é uma atividade de nicho, não são elas que lideram o mercado de consumo no mundo. O que se pode fazer é olhar para isso como aprendizado, estímulo e motivação no sentido de seguirmos uma aprimoração contínua.
9 | Efeito Black Mirror
O profissional da nossa área deve ter mais bagagem emocional para conviver com seus clientes? Não sei o que tem por trás do conceito de bagagem emocional. Mas digo o seguinte, como nós precisamos ter mais habilidades para lidar com as pessoas, criar conexões emocionais é fundamental. Os estímulos das sensações passam a ser tão importantes quanto os produtos que foram fabricados na melhor indústria etc. Não estamos mais apenas numa era de consumo, onde o diálogo dos padrões de qualidade pautou os últimos 50 anos. Essa pergunta é muito interessante, mas ela é meio armadilha, precisamos fazer um ajuste de reflexão. Porque se nós não nos cuidarmos, estaremos escondidos atrás de um celular, o chamado "Black mirror", que é até nome de um seriado disponível no Netflix. Esse nome significa a tela preta do celular. Como estamos concentrados na tela do celular, a gente também está perdendo a habilidade de conversar, de olhar nos olhos das pessoas. Então não dá para considerar uma era onde os estímulos emocionais serão mais fortes se não tivermos alertas ao fato que estamos exagerando a nossa relação com o celular.
10 | Falar com o coração
É tempo de falar com o coração? Sim. Os produtos elevaram-se de patamar, as qualidades foram perseguidas e alcançadas. Temos muito o que precisamos em termos de solução, ar-condicionado, celulares, carros… Temos agora que resgatar o princípio que deixamos adormecidos ou uma geração deixou de entender o quão importante é: "nós não somos liquidificadores", nós não somos "chips de celular", somos seres humanos e estamos nos esquecendo disso. Corre em nós destemperos emocionais. Pessoas precisam de pessoas. Então temos que cuidar para não privilegiar demais a técnica, a solução, e termos negligenciado a emoção. É tempo de falar com o coração ainda mais diante de um cenário tão complicado que estamos vivendo e que precisamos ter empatia".
Carlos Ferreirinha tem mais de 35 anos de trajetória como profissional em liderança e gestão. É conhecido como pensador estratégico sobre mercado e comportamento de consumo. Foi diretor de Marketing e Comunicação em novos negócios da Louis Vuitton Caribe, América Latina e Brasil, finalizando como CEO da Operação Brasil, tendo sido o mais jovem executivo em posição de presidência no grupo. É também fundador da MCF Consultoria, empresa líder em gestão do luxo na América Latina, Brasil, Portugal e África, atuando em diversos segmentos e atividades.