Da cabeça agitada dessas arquitetas decorre uma velha inquietação, certamente fruto dos anos de produção do escritório, com várias demandas, diversos clientes e projetos, muito diferentes uns dos outros, mesmo que entre eles haja o ponto comum da nossa essência, que se faz presente em cada criação. A questão é que a cada desejo por uma nova construção surge também um pedido muito recorrente: o uso do telhado embutido, a famosa “casa em caixote”. Assim, ficamos com a sensação de que estamos, aos poucos, abandonando uma técnica construtiva de importância secular: o telhado cerâmico.
O que notamos nos espaços projetados por arquitetos, nos conteúdos digitais, nos portais de arquitetura ou revistas especializadas é o absoluto predomínio do telhado oculto por platibanda, uma escolha de quem produz arquitetura, de quem financia e de quem escolhe qual arquitetura merece ser divulgada. Consequentemente, molda os gostos da população geral, que é impactada pela arquitetura nas cidades.
Para começar esse debate nós precisamos lembrar que a cobertura de uma edificação não é só funcionalidade, representando também uma cultura, símbolo de status, indicando um gosto estético e uma identidade visual.
Um dos materiais mais tradicionais da construção civil, a cerâmica, se consolidou nas construções brasileiras ao longo dos séculos, aplicando seu uso para coberturas. Sua excelência na vedação, versatilidade, durabilidade, ampla disponibilidade nas diversas regiões e bom custo-benefício, são alguns dos fatores que contribuem para que seu uso seja tão popular no país.
Quando falamos de estratégia passiva de conforto ambiental, aquela em que o uso adequado de materiais pode contribuir para a inércia térmica da edificação, a cerâmica é um bom isolante térmico, contribuindo para a redução do uso de equipamentos de condicionamento de ar (ventiladores, aquecedores e ar condicionado), o que impacta diretamente na redução do gasto energético e financeiro.
Associado ao telhado está o beiral, trecho da cobertura que avança além dos limites da construção, que tem como função proteger paredes e aberturas da insolação direta e da chuva, contribuindo para a durabilidade e o conforto térmico da edificação. No que diz respeito a estrutura, a telha cerâmica demanda algo mais robusto se comparado às telhas em placas, como as de fibrocimento ou metálicas, por exemplo.
Mas isso não inviabiliza seu uso, afinal, o principal material estrutural de telhados é a madeira, um recurso com imenso potencial sustentável pelo manejo, reflorestamento e pelo baixo gasto energético e de emissão de CO2 em comparação a outros materiais estruturais como aço e concreto. A madeira também pode ser reutilizada e reprocessada, prolongando sua vida útil e, consequentemente, diminuindo seu impacto ambiental.
Um estudo feito em 2011 pela ANICER – Associação Nacional da Indústria Cerâmica, compara o ciclo de vida das telhas cerâmicas e das telhas de concreto, apontando que “[...] telhas cerâmicas parecem ter menos impacto do que as telhas de concreto no que diz respeito às mudanças climáticas, o esgotamento de recursos e a retirada de água”.
Assim como qualquer técnica construtiva, é necessário ter atenção às recomendações do fabricante, ao projeto arquitetônico, à execução e à manutenção para evitar patologias. Muitos dos problemas que surgem estão relacionados à inclinação inadequada, erros de cálculo, má fixação das telhas e falta de manutenção. Assim como todo o restante da obra, o sucesso da cobertura depende de um bom projeto, de profissionais qualificados e de uma manutenção periódica.
Apesar de todas as possibilidades de desenho e vantagens técnicas, o telhado cerâmico como elemento arquitetônico em projetos se tornou exceção. Por qual motivo esse modelo não cabe na arquitetura contemporânea? Por que, como profissionais, estamos abrindo mão do uso do telhado aparente? Como o material não figura entre as primeiras opções de cobertura para nossas propostas?
O “Estilo Internacional”, que replicou deliberadamente elementos estéticos do Moderno, preencheu nosso imaginário com planos ortogonais, coberturas baixas com inclinações mínimas e linhas horizontais sobre as construções. Uma poderosa referência que vem sendo atualizada e reproduzida como visual de vanguarda desde então.
Diferente disso, a arquitetura produzida pelo Movimento Moderno não se limitou a um único padrão visual, abrigando ótimos exemplos de arquitetura com telhado aparente, como a Igreja do Divino Espírito Santo do Cerrado, projetada por Lina Bo Bardi para a cidade de Uberlândia-MG.
A verdade “nua e crua” é que o telhado oculto se tornou sinônimo de uma arquitetura avançada para a maior parte dos arquitetos e, consequentemente, para quem tem acesso aos seus serviços. Enquanto isso, o telhado cerâmico é associado ao passado e visto como um elemento demasiadamente popular.
Com as diversas possibilidades de desenho que a telha cerâmica permite, certamente não é o material ou a técnica que limitam a criação de uma arquitetura inovadora e contemporânea. Seria falta de técnica ou criatividade para projetar coberturas interessantes? Esse texto é um lembrete aos arquitetos da força da nossa arquitetura. É também um pedido: revelem os telhados!