Rumo ao metaverso
Os dias de isolamento por certo nos impuseram muitas restrições. Mas também ajudaram a ampliar a percepção de nossas necessidades e nos propiciaram vivências inéditas. Sobretudo no que diz respeito à casa. Mais introspectivos, hoje a observamos com maior atenção. Apreciamos a proximidade com a natureza, nos interessamos pela procedência dos objetos, pelo feito à mão. Valorizamos o trabalho artesanal e aprendemos a explorar a tactilidade de tudo o que nos cerca.
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Ao mesmo tempo, os dias vividos entre quatro paredes nos incentivaram a ultrapassar os constrangimentos do mundo físico. Passamos a frequentar mais o ciberespaço, por meio da interação permanente facultada pelas redes sociais. Promovemos encontros online e realizamos visitas virtuais aos mais improváveis locais. Agora, começamos a dar nossos primeiros passos rumo ao metaverso, experimentando suas possibilidades no campo do design e dos interiores.
Não surpreende, portanto, que um evento do porte da Maison & Objet Paris, um dos mais representativos eventos internacionais do segmento de design e decoração, tenha, em sua última edição, voltado seus holofotes para esse admirável mundo novo que se avizinha. E que já vem suscitando, ao redor do planeta, uma ânsia por projetos pautados, a um só tempo, pelo desejo de viver intensamente o mundo real e adentrar o universo digital.
“Em 2020, estávamos todos no modo de resistência; em 2021, no modo resiliência. 2022 marca um desejo de renascimento”, pontuou o trendsetter francês Vincent Grégoire, da agência Nelly Rodi, que, para ilustrar esse momento de transição, estabeleceu o tema Meta Sensible, como fio condutor da feira francesa. Como ideia central, apresentar os contornos gerais da realidade vindoura. Um estágio no qual o mundo físico não surgirá mais em oposição a sua contraparte digital.
Segundo ele, se com a Covid tínhamos medo de perder, além de nossa conexão com o mundo exterior, nossos próprios sentidos (paladar e olfato), reagimos agora de modo hipersensível, procurando absorver tudo e ainda com maior intensidade. Em uma dimensão só imaginada, de fato, no universo virtual. “Na verdade, almejamos uma realidade na qual os dois mundos sejam igualmente influentes, fertilizando-se e até mesmo se fundindo um ao outro”, arrisca ele.
E, de fato, a julgar pela produção apresentada em Paris, ele não está exagerando. Não são poucos os designers que se valem de um repertório ingênuo, utópico e sonhador. Ao mesmo tempo em que nos domínios dos interiores, a casa passa a ser vista como um ninho de contornos curvilíneos, que acolhe e abraça, em meio a um cenário que combina plantas com chiclete e marshmallow com tons iridescentes. Na antessala do metaverso, a casa (real) se abre para experiências sensoriais únicas.
Um mundo sedutor, habitado por criaturas inanimadas, mas, ainda assim, capazes de provocar nossos sentidos, como os móveis produzidos pela suíça Mojow (mojow-mobiliers.ch) e a holandesa &klevering (kleveringb2b.com). A primeira, ousadamente intercalando elementos infláveis a molduras de vidro ou metal, sugerindo desprendimento e devaneio. A outra pelo aspecto acentuadamente lúdico de suas mesas, projetadas com perceptível desejo de alegria e bom humor.
Sem falar da italiana Saba, que, desde maio deste ano, já comercializa seus sofás também em NFT. Uma iniciativa que conecta, pela primeira vez, um móvel real, revestido com um tecido feito à mão, criado pelo designer sardo Antonio Marras, e a sua contraparte no metaverso - etapa que contou com a colaboração do artista digital francês Hugo Fournier, responsável pela produção de dez peças artísticas exclusivas no formato digital.
Obras nas quais o sofá aparece inserido em oníricos cenários naturais, em meio a flores e tecidos que se mudam como as ondas, dançando suavemente ao vento, e que retratam momentos específicos do dia, ao sabor dos diferentes ventos que sopram na Sardenha. Ilha que foi, de fato, a primeira fonte de inspiração para a criação do móvel, que conta com curvas sinuosas, em homenagem à Capocaccia, região que fica em frente a Alghero, cidade natal de Marras.
“Com o choque de experiências entre os dois mundos, as fronteiras entre o real e o virtual tornaram-se mais porosas. Nos novos projetos, o mundo físico não está mais em oposição à sua contraparte digital. Melhor ainda, os dois estão se aprimorando mutuamente”, arrisca Gregoire, que antevê para o futuro próximo interiores ainda mais híbridos, ancorados ao mundo real por peças artesanais e agradáveis ao toque e, ao mesmo tempo, por toda simbologia e códigos do mundo digital. A conferir.