A relação do indivíduo com o espaço urbano e interno durante a pandemia
Em março de 2020, o lockdown começou e as expectativas eram de que ele duraria um período de apenas 15 dias. Iniciamos a refletir e a imaginar o mundo pós-quarentena e como seria a vida com o fim da pandemia mundial. Depois de quase três meses completamente em casa, tivemos um verão europeu quase que "normal", com diversas medidas que começaram a fazer parte da nossa nova normalidade. O ser humano se adapta facilmente às mudanças e, hoje, para nós, é visivelmente anormal se deparar com imagens de filmes nas quais as pessoas não usavam máscaras ou simplesmente dividiam um elevador.
A esperança de uma vida 100% normal começou a reduzir com a chegada da segunda onda, onde as medidas de contenção ao vírus eram impostas de uma forma diferente, trazendo insegurança e medo. Hoje, seguimos vivendo com as mesmas providências que foram anunciadas em outubro de 2020. Apesar de alguns setores estarem abertos para funcionamento, o contato social ainda é baixíssimo e muitos espaços de interação encontram-se fechados, como restaurantes, cinemas, museus, entre outros.
Quando a normalidade vai voltar? Como será? Retornaremos a viver em um mundo como era em 2019? São diversas as perguntas que nos norteiam e apesar do período difícil que estamos atravessando, a esperança prevalece.
Sobre o futuro, ainda pouco sabemos, mas uma coisa é certa, muitas das nossas atitudes e hábitos mudaram, assim como as nossas rotinas e a nossa interação com o espaço urbano e com os espaços privados internos - sejam eles nossas casas ou lugares de trabalho.
Durante este ano, pude perceber ao meu redor a rápida adaptação do europeu para a nova normalidade, independente de qual fosse ela. Começamos com as interações nas janelas e terraços por toda a Itália, gerando imagens que percorreram os quatros cantos do mundo. Esse foi um instinto automático de nos unir, integrar e semear uma certa expectativa de que tudo iria passar, andrà tutto bene, era o novo mantra.
A partir daí, podemos já alinhar as primeiras mudanças, a procura por casas com espaços abertos e externos cresceu altamente no mercado imobiliário. A necessidade de se relacionar com a luz do dia, ter contato com a natureza e com o meio urbano e externo cresceu, e quando isso não era possível, a natureza começou a invadir as nossas casas. A busca pelo verde, vegetação, plantas e flores, tornou-se ainda mais frequente, e ter sua própria horta para cuidar tornou-se o novo artigo de luxo mais desejado.
É visível que, quando começamos a sair das nossas casas, essa necessidade de interação com o externo trouxe uma segunda grande mudança comportamental, o tempo de permanência no meio urbano. As mesas dos cafés eram facilmente trocadas pelas pontes das cidades ou pelos bancos dos parques. A lista de nomes na espera dos restaurantes era imensa, mas todos com a mesma exigência, reservas ao ar livre - uma medida que na minha opinião veio para ficar, é a permissão para que os estabelecimentos utilizem uma área maior do espaço público para dispor as suas mesas.
As vistas, as janelas estrategicamente posicionadas... ah, elas nunca fizeram tanto sentido! A nova tendência seria estar dentro e se sentir fora e estar fora sentindo todo o acolhimento de dentro.
Comecei a questionar a mim mesma e a amigos próximos sobre o que mudou nas relações pessoais com Florença, e as respostas foram unânimes. Interagir com a cidade tornou-se obrigação diária, usufruir do espaço urbano – mesmo que por meia hora ao dia – virou parte de uma rotina comum. Diversas ruas não são mais apenas lugares de passagem ou transição, agora é necessário permanecer e sentir, permitir-se e viver. A conexão com a cidade trouxe uma necessidade de transcender o sentimento de casa, trazendo um novo sentimento para as nossas relações de vivência.
Grandes nomes como Platão e Villanova Artigas já abordaram a questão cidade é casa/casa é cidade, trazendo reflexões necessárias sobre a dependência entre a arquitetura e o urbanismo. Finalizo com um poema de Aldo van Eyck que aborda esse pensamento:
árvore é
folha e folha
é árvore – casa é
cidade e cidade é casa
– uma árvore é uma árvore mas é
também uma folha enorme – uma
folha é uma folha, mas é
também uma minúscula árvore – a cidade
não é uma cidade a menos que seja
também uma enorme casa –
uma casa é uma casa
só se é também
uma minúscula cidade
Vejo com clareza uma necessidade cada vez maior de trazer para as nossas casas características das nossas cidades, do meio externo e urbano, questões sustentáveis e valorização da natureza. Ao mesmo tempo, vejo a vontade de fazer das nossas cidades a nossa verdadeira casa, não só um local de passagem, mas cada vez mais, um ponto de permanência e de encontro. Que possamos estabelecer cada vez mais esses laços, respeitando, cuidando e valorizando os espaços públicos.