O eterno moderno
O que é inovação na arquitetura? Será simplesmente utilizar um novo produto? Ou então empregar com originalidade um material tradicional? Pode ter alguma relação com a criação de espaços ou formas surpreendentes? Deve existir até quem julgue que inovação na arquitetura é apenas aplicar o último grito tecnológico. Diante da percepção de cada um, há dezenas de respostas – algumas até inovadoras! – e um veredito definitivo não é desejável.
Seja como for, uma coisa é certa: ao tratar desse assunto é bom deixar patente que a disciplina possui uma relação difícil, diria até esquizofrênica, com a inovação. Mesmo que a inovação seja necessária e desejável para a evolução da arquitetura, ela é lenta e maturada. Uma das razões para isso me parece clara: no olimpo da profissão figuram aqueles que criam obras para durar mais do que nos condena a finitude humana. Exemplos? Mesmo sem conhecer o nome do criador do Panteão, em Roma, não há como ficar insensível diante de uma obra que desafia a morte e dois mil anos de história.
Por isso, instantes atrás, a arquitetura colocada no topo da vanguarda possuía um compromisso com a permanência, com a durabilidade. Esse dado da natureza arquitetônica a coloca no corner oposto de áreas que se manifestam com materialidades efêmeras, como a moda, o design e a decoração. Por essa mesma razão, esses setores estão mais ligados a tendências e à própria indústria, que é pautada pela novidade, que alavanca vendas e metas.
Nesse contexto, alguém deveria instruir os mais bem-intencionados jornalistas que caem de paraquedas diante de grandes arquitetos da nossa era e perguntam qual é a tendência da arquitetura atual ou, pior, a cor do próximo verão. Se o interlocutor for educado e estiver de bom humor, muito provavelmente irá utilizar a célebre frase de Mies van der Rohe – o mestre da concisão arquitetônica do século 20 –, que além de trabalhos incríveis, também ficou conhecido pelos aforismos precisos: “Não se pode inventar a arquitetura a cada segunda-feira de manhã”.
Mesmo que a obra de Mies possa ser considerada ela mesma inovadora, é uma obra só, um trabalho consistente, uma só inovação que ele desenvolveu com maestria ao longo da vida. “É melhor ser bom do que ser original”, outra frase do homem que criou o “menos é mais”, que ajuda a esclarecer o assunto.
Porém, diante da desmaterialização do nosso cotidiano, do mundo virtual que rouba nosso tempo e do universo paralelo que suga nossa alma, a arquitetura não se transformou, não alterou sua cláusula pétrea, não se libertou de seu desejo pela eternidade?
A novidade é que, desde anteontem, impulsionados pela crise econômica europeia e também pelo pêndulo do desapego à materialidade, jovens arquitetos de todo mundo estão criando trabalhos cuja linha mestra é o efêmero, a experiência. Muitos dessas obras inovadoras agregam outras disciplinas, dialogam com a arte e diluem os limites da própria arquitetura. No Rio de Janeiro, por exemplo, dois jovens projetistas criaram no início de 2015 uma estrutura temporária na Praça XV, batizada de Cota 10. Pedro Varella e Júlio Valente são os autores da premiada obra, uma estrutura de andaime, que permitia que o visitante subisse 10 metros no exato local onde ficava a via Perimetral, demolida para a revitalização do centro carioca.
Também utilizando uma estrutura de andaime, o trabalho mais significativo desse gênero foi realizado pela arquiteta Carla Joaçaba em parceria com Bia Lessa. Contrastando com o diminuto Cota 10, o Pavilhão Humanidade utilizou 500 mil toneladas de andaime para a construção provisória montada no Forte de Copacabana. O local abrigou parte das atividades da Rio+20 e atraiu mais de duzentas mil pessoas, que o guardaram na memória.
Distante do debate do efêmero, o novo centro cultural do Instituto Moreira Salles, na Avenida Paulista, poderia entrar na pauta da inovação produzidas pela nova geração de arquitetos. Construído para durar mais do que nós, o prédio, criado pelo escritório Andrade Morettin, apresenta o movimento como linguagem ao sugar o visitante para o seu interior. A escala rolante, que comumente é associada ao consumo dos centros de compras, ganhou o sabor da absorção de cultura, ajudando a viabilizar um espaço cultural denso e vertical. Seu invólucro opaco, contrastando com os vizinhos espelhados e transparentes, sutilmente chama a atenção de quem passa da avenida em transformação, que deve se perguntar o que é aquilo. “É o eterno moderno”, diria, bem-humorado, o fantasma de Mies.