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Nada voltará a ser como antes

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15.04.2020
Pesquisadores, arquitetos e outros profissionais do universo do design acreditam que o mundo sofrerá profundas transformações pós-crise da Covid-19. Veja algumas das previsões.
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Oficialmente, a virada do século 21 ocorreu em 1º de janeiro de 2001, há mais de 19 anos. Porém, historiadores têm dito nas últimas semanas que é agora que realmente ocorre a mudança de paradigma que nos leva cultural e socialmente para o novo século. “Muitos historiadores consideram que o século 20 global começou em 1914, ao mesmo tempo que o ciclo das guerras mundiais. Sem dúvida, amanhã se dirá que o século 21 começou em 2020, com a entrada em cena do coronavírus”, escreveu o historiador Jérôme Baschet.

Nem é preciso de um historiador para confirmar a importância da pandemia. Todos nós já estamos cientes que estamos vivenciando um momento histórico. Os menos afetados têm que lidar com isolamento social e drásticas mudanças no estilo de vida. Os mais, com a perda de pessoas queridas e de fontes de renda. Com essa profunda – e inesperada – crise, muitos pesquisadores de tendências acreditam que nada voltará a ser como antes. Após o controle da doença, o normal será um novo normal. Talvez melhor: mais sustentável, criativo, digital, local e humano. Com a revalorização da casa, haverá também impactos para a arquitetura e design de interiores residencial.

A seguir, veja as tendências para o futuro detectadas pela holandesa Li Edelkoort, provavelmente a pesquisadora de tendências mais reconhecida no universo do design. Em 9 de março, ela deu entrevista para o Dezeen, principal site de design do mundo. As previsões são confirmadas por Jérôme Baschet, historiador francês, em texto publicado no Brasil pela n-1 edições, em 8 de abril; Sasha Costanza-Chock, professora do MIT, autora do livro Design Justice, em entrevista para o Dezeen, publicada em 6 de abril; Tom Ravenscroft, editor do Dezeen, em texto publicado em 25 de março; Sergey Makhno, arquiteto ucraniano, em texto publicado em 25 de março no Dezeen.

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Li Edelkoort, pesquisadora de tendências (Retrato: divulgação)

Sustentabilidade

O coronavírus surgiu em um polo industrial na China. Após dois meses de fábricas paradas, a poluição sumiu do ar. Rodaram o mundo imagens do céu azul, comparadas à atmosfera cinza da Wuhan de antes. Como já sabíamos, a atividade humana é extremamente poluente. A crise comprovou que diminuir ou parar a produção industrial (também viagens aéreas e marítimas, de lazer e negócios) gera um meio ambiente melhor.

“Há muitos anos nós já havíamos entendido que, para sobrevivermos como espécie e para que o planeta continuasse a funcionar, nós precisaríamos fazer mudanças drásticas nas maneiras que vivemos, viajamos, consumimos e nos entretemos”, disse Li Edelkoort, se referindo ao aquecimento global e outros problemas ambientais causados pelo homem. 

O surto da Covid-19 obrigou o mundo a parar. O que, apesar de ser caótico, pode vir a ter impactos ambientais positivos. “Quando o vírus estiver sob controle, teremos que reinventar tudo do zero. Isso me dá esperança do surgimento de um novo e melhor sistema, com mais respeito pelo trabalho humano. Seremos forçados a fazer o que já deveríamos ter feito”, acredita a pesquisadora.

Jérôme Baschet tem um pensamento no mesmo sentido: “A verdadeira guerra a ser disputada não tem o coronavírus como inimigo, mas consistirá no confronto entre duas opções opostas: de um lado, a busca por um mundo onde o fanatismo da mercadoria reine supremo e o produtivismo compulsivo leve ao aprofundamento da devastação em curso; de outro, a invenção, que já se dá em milhares de lugares, de novas formas de existir que rompam com o imperativo categórico da economia, em benefício de uma vida boa para todas e todos”.

Para ele, a exploração invasiva do planeta pode ser ainda mais perigosa do que um vírus. “O coronavírus chegou para acionar o sinal de alarme e frear o trem louco de uma civilização que corria em direção à destruição em massa da vida. Permitiremos que ele arranque novamente? Isto seria a garantia de novos cataclismos sem precedentes, perto dos quais este que estamos vivendo agora, a posteriori, parecerá tímido.”

Criatividade

Muitas das ferramentas em que confiávamos foram por terra abaixo com a crise da Covid-19. Por sorte, o ser humano é criativo e rapidamente encontra novas soluções para seus problemas e demandas. “Capacidade de improvisar e criatividade serão as habilidades mais valorizadas”, acredita Edelkoort. Bom para nós, brasileiros, a quem sobram essas qualidades. 

“Nós teremos uma página em branco para recomeçar, pois muitas empresas irão fechar. Redirecionar e recomeçar demandará muita reflexão e audácia, para reconstruirmos uma nova economia com outros valores e maneiras de lidar com produção, transporte, distribuição e vendas”, diz Edelkoort. Ela reforça que essa não é apenas uma crise financeira, mas uma disrupção completa. Teremos menos coisas novas – o que proporciona a oportunidade de dar novos usos a coisas antigas. O trabalho manual voltará a ser valorizado, já que o industrial parou em tantas partes do mundo.

Sasha Costanza-Chock também vê oportunidades na crise mundial. “Qualquer pessoa pode propor ideias de transformação radical, com o potencial de que sejam adotadas rapidamente, já que todos estamos buscando soluções e maneiras de passar por isso juntos”. A criatividade tem sido, inclusive, uma arma fundamental no combate à Covid-19. Há designers trabalhando em projetos para que respiradores possam ser usados por dois pacientes ao mesmo tempo. Outros utilizam impressoras 3D para produzir equipamentos médicos mais acessíveis. “São projetos muito úteis, especialmente quando realizados em parcerias com profissionais de saúde”, afirma Chock.

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Sasha Costanza-Chock, professora do MIT (Retrato: divulgação)

100% digital

Nosso mundo já é digital. Há pelo menos duas décadas a Internet se democratizou social e geograficamente. Novas tecnologias estão sendo lançadas constantemente. Porém, muito do nosso modus operandi seguia o mesmo do século 20. Por exemplo, promover exposições, feiras e eventos e trabalhar no escritório da empresa. Com o isolamento social como principal prevenção à Covid-19, esses hábitos foram suspensos.

“Qualquer pessoa que ainda estiver planejando eventos públicos nos próximos meses deve parar a organização agora mesmo e encontrar maneiras inovadoras de se comunicar”, recomendou Edelkoort. Já está sendo anunciado o primeiro Virtual Design Festival, a partir de 15 de abril. Haverá vários eventos online, desde lançamentos de livros, palestras e apresentações musicais, até exposições digitais. O boom das lives já é um fenômeno no meio musical e deve se expandir para todas as áreas, inclusive o design.

Quanto ao home office, é interessante refletir como ele já era uma possibilidade real há anos, mas nunca havia sido amplamente explorado. “Muitas empresas já haviam introduzido um pouco de flexibilidade, mas poucos funcionários faziam home office diariamente. Havia medo da quebra de paradigma que trabalhar de casa poderia causar, o que atrasou sua adoção”, reflete Tom Ravenscroft. 

A crise causada pelo coronavírus, no entanto, forçou muitas empresas a instituir o home office de maneira radical. “Empresas que relutavam em deixar um único membro da equipe fazer home office por um dia na semana agora tiveram que aceitar ter toda a equipe trabalhando de casa por tempo indefinido”, avalia Ravenscroft. Continuaremos a fazer home office quando o afastamento social não for mais necessário? É provável que sim, muito mais do que antes. 

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Tom Ravenscroft, editor do Dezeen (Retrato: divulgação)

Valorização local

Nós já sabíamos que a China é a maior potência industrial do mundo e que tudo vem de lá. Mas a crise da Covid-19, que começou nesse país, escancarou nossa dependência. Sapatos, smartphones, roupas e até pasta de dente dependem de insumos produzidos na China com derivados de petróleo, como plástico e poliéster. É possível que muitos bens que consideramos comuns, desde remédios, até sacolas, entrem em escassez nos próximos meses.

A princípio pode haver desespero. Mas é bom lembrar que sempre é possível buscar por alternativas locais. Edelkoort dá exemplos: “A Índia importa da China sáris de tecido sintético; enquanto a África compra utensílios domésticos de plástico. Isso afetou as economias locais, criando desemprego e poluição. Agora há a oportunidade de voltar a fazer esses bens localmente”.

Novas maneiras de ser humano

Reduzir o ritmo, não andar mais de avião, trabalhar de casa, conviver apenas com família e amigos próximos, aprender a ser independente, não surtar. A crise da Covid-19 mudou nossa maneira de existir no mundo. “De repente desfiles de moda se tornaram bizarros, propagandas de companhias aéreas, ridículas. Pensar em projetos futuros é vago e inconclusivo. Será que vai sequer importar?”, se questiona Edelkoort. Sergey Makhno afirmou: “O novo mundo será sobre coisas que importam. Haverá menos coisas e elas serão escolhidas com mais responsabilidade. Vamos perguntar se são feitas de materiais naturais, se sua produção destrói o planeta”.

É possível que nos tornemos menos consumistas. “Vamos aprender a ser feliz com um vestido simples, redescobrir coisas antigas que possuímos, ler livros esquecidos. Vamos reutilizar para tornar a vida bela. O impacto do vírus será cultural, crucial para construirmos um mundo alternativo, profundamente diferente”, acredita Edelkoort. Talvez seremos mais humanos, no sentido elementar da palavra.

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Sergey Makhno, arquiteto ucraniano (Retrato: divulgação)

A nova casa

Makhno também avaliou como nossa relação com a casa está mudando, agora que passamos muito mais tempo nela. Ele aponta que arranha-céus foram desenhados para organizar a maior quantidade de pessoas possível em um lugar, sem preocupação com saúde e higiene. Um vírus como esse nos faz pensar nos perigos de elevadores, botões, maçanetas e vizinhos. Sem falar na tristeza de não poder sair de um apartamento sem varanda ou terraço.

“Após o isolamento social, estaremos todos desesperados para comprar uma casa”, acredita Makhno. “Pode ser pequena, mas com quintal ou terraço”, continua. Ele diz que vamos fugir da concentração de grandes centros urbanos e preferir subúrbios e pequenas cidades. “O que as pessoas vão precisar de um lar é que ele promova isolamento social efetivamente”, completa.

O home office já era tendência no design de interiores. Mas, normalmente, acabava ocupando um canto da sala. Agora, Makhno acredita, projetos passarão a dedicar um cômodo inteiro ao escritório, que será bem equipado. E uma tendência que deve mudar de direção é a da integração. Em casas com várias pessoas, são precisos cômodos para se isolar – ou simplesmente para passar um tempinho em paz. Ainda, “a área de entrada deve ser separada, para deixarmos roupas, sapatos e bolsas e não levarmos sujeira da rua para dentro”.

Muda mesmo?

Se você leu até aqui – obrigada pela atenção -, talvez esteja duvidando. Será que tudo vai mudar tanto mesmo? Claro que não podemos afirmar que as previsões dessas fontes estão corretas. Porém é impossível que a vida volte a ser como antes. Da mesma maneira que não voltou a ser após o 11 de setembro, a industrialização, as grandes guerras, o fim da escravidão, a descolonização e tantos outros eventos históricos. 

Nossa experiência no mundo muitas vezes é baseada na estabilidade. É fácil esquecer que tudo está sempre em constante mudança, seja individual ou socialmente. Por enquanto, fique em casa. Conte conosco para passar a crise e descobrir o mundo que surgirá após ela.

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  1. Ótimo texo! So não concordo com a parte de menos comunistas... A marca de luxo Louis Vuitton reabriu em Paris com filas gigantescas para compras... previsões nem sempre são um bom terreno para explorar

Maria Silvia Ferraz
Colunista
Editora

Editora do Archtrends, colabora com a Portobello desde 2014. É jornalista pela Faculdade Cásper...

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