Muita gente não sabe, mas comecei minha carreira de jornalista em rede aberta na TV americana. Por quatro anos ancorei uma atração na famosa NBC. Como era o único brasileiro a apresentar um programa nos Estados Unidos, acabei sendo entrevistado no Manhattan Connection e, pouco tempo depois, me juntei aos quatro mosqueteiros (Lucas Mendes, Caio Blinder, Ricardo Amorim e Diogo Mainardi). Após dois anos na bancada, recebi um convite da emissora ABC para ancorar um programa matinal diário e ao vivo das 7h às 10h da manhã.
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Até aí tudo parecia caminhar conforme o planejado, no entanto, nunca vou esquecer da ligação da diretora de elenco do canal, dizendo que havia deixado um detalhe fora da negociação: o projeto demandaria que me mudasse para Miami.
Na hora, o que parecia ser a oportunidade mais valiosa da minha vida, me pareceu um grande transtorno. Minha paixão por NY sempre foi incontestável e, de mais a mais, assim como boa parte do mundo, eu também tinha todos os preconceitos com relação ao Estado da Flórida.
Cresci ouvindo que Miami era um grande centro de muamba, capital do tráfico de drogas nos EUA, uma cidade cafona e sem qualquer resquício de bom gosto. Para minha grata surpresa, após aceitar o convite, me dei conta de que estava redondamente enganado.
Para entender a Miami de hoje, a gente tem que olhar para trás.
Miami é “jovem”. Esse lugar só se tornou uma cidade no dia 28 de julho de 1896 após a empresária Julia Tuttle convencer o empreendedor ferroviário Henry Flager a estender as linhas de trem da Flórida até o que hoje a gente conhece como South Beach (uma das regiões mais populares da cidade).
Imediatamente a região atraiu visitantes americanos e canadenses em busca de um clima mais agradável, praias paradisíacas e grandes eventos esportivos. Com esse interesse, logo após, também surgiram os imigrantes europeus que, por sua vez, trouxeram a arquitetura colonial muito comum na Espanha e o Art Déco - estilo de origem francesa.
Em 1929, os Estados Unidos enfrentaram sua maior crise econômica de todos os tempos. Em busca de oportunidades, americanos de toda parte abandonaram suas raízes em cidades como Nova York, Los Angeles, Boston e Chicago com o intuito de tentar a sorte em Miami. Assim surgiu a Golden Age do Art Déco, repleta de construções coloridas, linhas certeiras, designs geométricos e temática tropical. Hoje, Miami é considerada a capital mundial desse estilo arquitetônico.
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Nas décadas seguintes, a cidade enfrentou uma série de problemas. Dentre eles, as bases militares durante a Segunda Guerra Mundial, o tráfico desenfreado de cocaína (“gracias” Pablo Escobar) e a imigração cubana (inesperada) em peso.
Mesmo com tantos altos e baixos, o fato é que após os anos 1990, a cidade conseguiu dar uma reviravolta exemplar investindo em cultura, arte, segurança e arquitetura moderna. Bastam alguns dias em South Beach para que a gente note que Miami é um local seguro, jovem, dinâmico, moderno, temperado por uma latinidade singular e cheio de museus, galerias e casas de show.
Nos dias de hoje é um privilégio para qualquer arquiteto no mundo ter um projeto de peso em Miami. Dentre os mais evidentes neste momento estão a saudosa iraquiana Zaha Hadid (One Thousand Museum), o canadense Frank Gehry (New World Center), o francês Jean Nouvel (Monad Terrace), os suíços Herzog & De Meuron (1111 Lincoln Road e o espetacular Perez Museum) e o brasileiro Marcio Kogan (Studio MK27 Residence).
Ao longo dessas transformações, Miami soube se reinventar sem abrir mão da própria identidade em uma série de segmentos, desde a nova gastronomia cubana até a criação de uma das noites mais cobiçadas das Américas. Parte dessa evolução tem muito a ver com o investimento sólido e certeiro em arte.
Wynwood era um bairro industrial decadente e abandonado. Em 2009, o empreendedor imobiliário Tony Goldman chamou alguns dos maiores artistas de rua do mundo para ilustrar os muros e paredes de alguns quarteirões sob a alegação de que a região estava prestes a virar um enorme museu a céu aberto. Graças a seu poderoso círculo de amizades, a empreitada custou pouco e mudou completamente – para melhor - aquele espaço. Em poucos anos, o bairro foi revitalizado e, hoje em dia, é uma máquina de fazer dinheiro para a cidade. São bares, restaurantes, cafés, lojas, galerias, boates e hotéis. Tudo constantemente lotado.
Outra ideia brilhante foi a decisão de lançar uma alternativa tropical da maior feira de arte do planeta, a Art Basel. O evento – que surgiu na Suíça em 1970 – foi inaugurado em Miami em 2002. Hoje em dia, atrai mais de 80.000 visitantes, 240 galerias e investimentos de todo tipo.
A verdade é que Miami não precisa mais provar nada a ninguém. A cidade é um verdadeiro exemplo de urbanismo, segurança, entretenimento e estilo de vida.
Em 2016 soube que voltaria a morar na minha querida Manhattan. Quando recebi a notícia, não tinha dúvidas que meu futuro era mesmo em Nova York. No entanto, hoje não digo mais que moro somente na Big Apple, mas, sim, que vivo no eixo NY – SP – RJ – Miami… Pelo visto, não foi só Miami que se reinventou.