Luz, sombra e transparência
Ao longo da história da arquitetura, a manipulação da luz natural através de aberturas de diferentes tipos, orientações, localizações e graus de transparência foi usada com o objetivo de realçar as formas e volumetria dos ambientes. De cúpulas da arquitetura romana, passando pelos vitrais da arquitetura gótica, até o engenhoso jogo de luz direta e refletida da arquitetura barroca, a luz é tema central do trabalho do arquiteto.
A luz determina a forma como a arquitetura é percebida em seus planos, volumes, texturas, cores, cheios, vazios, opacos e transparentes. Transparente é tudo aquilo que deixa passar a luz. E foi após a revolução industrial, com a independência entre estrutura e vedação, que os grandes planos transparentes se tornaram possíveis.
(Leandra Costa. A luz como modeladora do espaço na arquitetura. Dissertação de mestrado. Covilhã, out de 2013)
Desde o movimento moderno, a transparência tornou-se uma constante na arquitetura em boa parte do mundo. Colocadas por Le Corbusier, a fachada livre e a janela em fita foram dois dos cinco pontos da arquitetura moderna, que influenciaram a arquitetura do século 20 e continuam sendo referência para os arquitetos contemporâneos brasileiros.
Com o passar dos anos, o aprimoramento das tecnologias construtivas possibilitou a construção de edifícios cada vez mais transparentes. De modo que, atualmente, existem edifícios vedados por materiais transparentes quase em sua totalidade. O que pode ser uma excelente escolha para climas onde a insolação disponível precisa ser aproveitada ao máximo.
Em climas quentes como o do Brasil, onde a luz solar é um recurso abundante, pensar em envoltórias transparentes exige atenção às condições existentes. Se acompanhada de orientação, dimensionamento e proteção adequados a transparência tem muito a agregar a arquitetura com:
- Integração visual: a permeabilidade visual entre espaços internos e externos é uma maneira de criar uma separação mais fluida, ao permitir que o olhar passeie além do edifício de dentro pra fora e vice-versa, essa continuidade dá ao observador uma sensação de amplitude.
- Aproveitamento da luz natural: primeiro, temos a questão energética, quanto melhor o aproveitamento da luz natural, menor a necessidade de luz artificial. Faz bem para o bolso e para o planeta. Segundo, o importante papel de controle do nosso ciclo biológico, está relacionado à produção de hormônios, controle de temperatura corporal, pressão arterial, qualidade do sono, sensação de fome e funcionamento dos sistemas urinário e digestivo. Por isso é tão importante estarmos em contato com o ciclo dia/noite.
- Conexão com a natureza: se o contato com a área externa significa ter vista para uma árvore ou um jardim, melhor ainda, pois estar conectado com a natureza promove bem-estar ao usuário. Diversos estudos apontam que o contato com a natureza contribui para o alívio da tensão, reduz o stress, melhora a memória, concentração e desenvolvimento cognitivo.
Para usufruir dos benefícios da transparência sem transformar a edificação em uma estufa, nosso desafio é dosar a luz que entra.
Na arquitetura brasileira, existem muitos bons exemplos de projetos que souberam aliar transparência e conforto da edificação. E o fizeram usando elementos arquitetônicos que protegem da insolação direta e do ganho de calor, ao mesmo tempo que permitem a entrada da luz e a permeabilidade visual.
- Planos horizontais de sombreamento como beirais, pergolados, venezianas e prateleiras de luz são mais eficientes para fachadas norte e sul, que recebem insolação direta nos horários em que o sol está mais alto.
- A vegetação como elemento de sombreamento pode ser um grande aliado. Árvores de grande porte são capazes de sombrear inclusive a cobertura, já os arbustos podem proteger fachadas do sol da tarde.
- As fachadas que recebem sol mais baixo exigem uma combinação de planos verticais e horizontais, como: cobogós ou brises.
- Quanto à transparência na cobertura é preciso ter moderação. Sheds e lanternins são boas alternativas para incorporar a iluminação zenital aos projetos. As grandes claraboias são ideais para climas frios, pois ganham muito calor para a edificação. Já para climas quentes, é melhor optar por claraboias menores e posicionadas de modo a receber insolação somente em períodos específicos do dia e do ano.
Navegando pelas referências no Archtrends, selecionamos dois projetos arquitetônicos que respondem às estratégias que listamos acima:
Casa IF - Martins Lucena Arquitetos
Implantada na cidade de Natal, RN, a residência unifamiliar tem como partido arquitetônico a integração entre os ambientes e a conexão visual entre exterior e interior da edificação. A construção é marcada pelo contraste entre o concreto bruto, jogo de volumetria e a leveza dos panos de vidro.
A implantação em um lote de esquina favoreceu a captação dos ventos Sudeste, predominantes nesta região. As generosas aberturas conseguem captar a abundância de luz e ventilação naturais, enquanto beirais proeminentes protegem da incidência solar direta, ao criar pequenos terraços ao redor da casa. Para a fachada oeste foram instalados brises de madeira integrados aos panos de vidro.
“O projeto imprime uma linguagem baseada no estilo internacional através de concreto aparente e volumes simples que interagem com combinações de luz e sombra por meio dos grandes balanços presentes na edificação, [...].”
Casa Costa - Liga Arquitetura e Urbanismo
O formato triangular do lote com vista para a Lagoa dos Ingleses, em Nova Lima, MG, foi o determinante para a implantação em L dos blocos social e privado. Ambos implantados no térreo, mas apenas o bloco social permite o acesso também pelo fundo do lote. Para aproveitar o declive natural do terreno, abaixo do bloco social foi implantado o nível subsolo, com depósito e vagas para os carros.
Com grandes panos de vidro, que integram os ambientes internos à área de preservação natural, a edificação aproveita o recebimento de luz e ventilação naturais.
A edificação é delimitada por um beiral de concreto que protege as aberturas quando o sol está mais alto e possibilita a circulação no entorno da casa mesmo em dias chuvosos. No bloco social correm dois trilhos de brises metálicos que podem ser distribuídos de acordo com a incidência do sol e permitem a maior integração entre área social e o deque da piscina.
Felizmente, a arquitetura brasileira está cheia de ótimos exemplos, alguns deles disponíveis aqui no Archtrends. Encontrar o equilíbrio entre luz e sombra é também um determinante de uma boa arquitetura!
Amei o tema e essas referências! As possibilidades de trabalho com luz, sombra e integração interno-externo me encantam muito.