Os números da última grande mostra antes da pandemia, em 2019, são altos: 2 mil toneladas de resíduos em cada edição da maior mostra de arquitetura, decoração e paisagismo da América Latina, 15 mil m² de área média do evento, com construção de casas, restaurantes, em torno de 70 ambientes envolvendo aproximadamente 4 mil profissionais durante a obra. CASACOR São Paulo é um evento de grande dimensão, efêmero, realizado em pouco tempo e com data para acabar. Como dar conta de todo esse resíduo?
Segundo o Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, a responsabilidade do descarte do resíduo é de quem gera o entulho. Por isso, o desafio é enorme e foi encarado pela equipe da mostra paulistana a partir de 2015, quando deu início a implementação de conceitos e práticas comprometidas com a separação do material e destinação correta, além de outras ações em busca da certificação ISO 14.001 aplicável às organizações com um desempenho ambiental correto. Por causa da pandemia, esse processo foi interrompido e a sonhada certificação está prevista para 2022. Mas, em 2021, a mostra está em busca de outro certificado, o do Lixo Zero.
Depois da edição especial Janelas, em 2019, esse ano a CASACOR São Paulo ocupará o mais novo espaço de eventos multiuso da América Latina, o Parque Mirante, no Allianz Parque. Serão 60 ambientes, entre casas, lofts e apartamentos, usando o tema a Casa Original, que promove uma série de reflexões, sobretudo pelo evidente desejo de retorno às origens. A estreia está prevista para o segundo semestre deste ano, de setembro a novembro.
Grandes eventos afetam o meio ambiente
Ao longo dos anos, a mostra foi aprendendo, testando e adotando medidas para reduzir os resíduos, por exemplo. Em 2019, a equipe comemorou que 99,3% dos resíduos gerados na mostra, entre montagem, evento e desmontagem, foram desviados de aterros sanitários e a emissão de carbono foi reduzida em 54%. Uma conquista que reafirmou a importância em entender como os grandes eventos afetam o meio ambiente. Nesse mesmo ano, foi lançada a Rota da Sustentabilidade, incluindo à visitação o acesso à Central de Resíduos, antes uma área apenas de bastidores que passou a fazer parte do roteiro. A ideia foi demonstrar como a CASACOR processava todos os tipos de materiais.
Outras medidas incorporadas foram a adoção de uma obra seca, economia e reutilização de recursos hídricos, economia de energia, coleta seletiva, programa de reciclagem e destino adequado para resíduos, promovendo a economia circular.
À frente da gestão de sustentabilidade da CASACOR São Paulo está o arquiteto e urbanista Darlan Firmato, que nos conta sobre essa experiência e os desafios em tempos de pandemia.
Pandemia acelerou olhar para a sustentabilidade
Qual o desafio atual e o que mudou com o cenário da pandemia?
Apesar das inúmeras conquistas ainda temos um caminho longo para seguir. Acredito que fizemos com que nossa principal mostra, a edição de São Paulo, tenha se tornado uma referência quando falamos em evento sustentável. Principalmente pelo fato de termos uma característica peculiar devido a construções de casa e espaços funcionais, o que torna esse trabalho mais desafiador. Acho que podemos influenciar mais pessoas que estão além dos "nossos muros". Os arquitetos, designers, executores, staff da mostra e visitantes já percebem a diferença, mas podemos servir de modelo para muitas pessoas que fazem reformas, stands de venda imobiliária, etc.
Acredito que a pandemia tenha acelerado o olhar para a questão da sustentabilidade e seu vínculo com a necessidade de bem-estar nas moradias, ambientes de trabalho, lazer ou compras. Precisamos nos adaptar para promover uma coisa simples e essencial na arquitetura que é a ventilação cruzada. Item tão esquecido nos prédios envidraçados e de temperatura controlada pelos aparelhos de ar-condicionado. Espero que os novos hábitos trazidos pela pandemia sejam um despertar para um cuidado maior com nossas construções e seus impactos ambientais.
Como a mostra pratica a economia circular e quais as estratégias previstas?
A CASACOR por si só já promove um dos princípios básicos da economia circular desde as fundadoras. Isso ocorre pelo simples fato de que após a exibição, a maioria dos produtos que compõem os espaços, isto é, muitos tapetes, luminárias, móveis, cortinas, etc retornam para os fornecedores ou profissionais para manutenção e venda, mesmo que em outlets. Conseguimos fazer com que muitos itens sejam doados para ONGs, também. Vamos lembrar que estes produtos para chegarem na CASACOR passaram pela extração da natureza, processo de transformação, consumo de energia, água, trabalho humano, transporte, etc e são muito nobres para serem descartados após um uso de 2 meses.
Todos os demais produtos que não conseguimos reutilizar são enviados para reciclagem, nosso último nível de destinação. Assim, itens como vidros, metais, gesso, entulho, papeis e papelões, madeira, plásticos seguem para diversos locais apropriados para se tornarem subprodutos e retornarem à cadeia produtiva. Não economizamos esforços para atingir o patamar de 99.3% de índice de desvio de aterro sanitário. Um marco para qualquer evento ou construção no Brasil.
O que é inovador em relação à sustentabilidade?
Estamos vivendo um momento de transição onde o maior desafio é a adaptação para uma forma de pensamento sistêmico, onde todos possam contribuir para uma mudança de hábitos e cultura de consumo.
Apesar de estarmos um pouco atrasados em relação a países europeus, EUA, China, Japão dentre outros, do ponto de vista das tecnologias de construções sustentáveis esbarramos sempre no quesito custo da obra no Brasil. As soluções modulares estão revolucionando as construções de prédios em tempo recordes. Um fator importantíssimo em qualquer obra. Afinal, tempo é dinheiro. As construções industrializadas (CLT, wood frame, steel frame, etc) e o uso de containers seguem o mesmo caminho e ainda geram menos resíduos e menos consumo de água nos canteiros. Estas vêm sendo experimentadas em CASACOR desde 2018, pois permitem aos profissionais e executores que, após a desmontagem, sejam reconstruídas em outros locais, adaptando projeto e espaços para novos usos.
Existe uma tendência do resgate de técnicas vernaculares que seguem a linha da bioconstrução combinadas com materiais e técnicas contemporâneas.
Qual o grande gargalo nesse processo? E qual a sua percepção dos atores envolvidos como arquitetos, designers, mão-de-obra, clientes, por exemplo – em relação às propostas da CASACOR São Paulo sustentável?
Os últimos anos têm sido de muito aprendizado para todos os envolvidos. Não teríamos conseguido os resultados que atingimos sem a parceria e compreensão de todos os stakeholders que compõem a mostra CASACOR. É realmente um trabalho de equipe e sem o engajamento de todos não teríamos sucesso. Como em cada edição temos um novo elenco, o processo de aprendizagem não para e temos sempre que envolver os estreantes. É importante dizer que é fundamental ter uma equipe de Gestão de Resíduos dedicada a treinar todos que chegam na obra ou no evento, inclusive, equipes de limpeza, segurança, recepcionistas, garçons, etc.
Ainda temos alguns gargalos, pois por incrível que pareça, estamos lidando com pessoas que estão se acostumando a um novo hábito. Por exemplo, boa parte dos visitantes ainda não dispensam os seus resíduos nas lixeiras corretas. Aí percebemos que todos precisam ser impactados, instruídos e conquistados. Os mais novos e as crianças, por outro lado, já sabem o que fazer.
Na sua apresentação no Congresso Internacional Lixo Zero, você falou que a mostra eliminou, em 2019, as alvenarias e teve uma redução de 700 toneladas do volume. Tem perspectivas para esse ano? Alguma mudança prevista a ser implementada?
Sim, foi um impacto expressivo em 2019 e percebemos que era possível reduzir os volumes e adaptar técnicas construtivas - mais um item básico da economia circular. Para este ano atípico, vamos manter a proibição de alvenarias e o grande foco será nos resíduos determinados pelos protocolos sanitários. Certamente, teremos que dar um destino adequado para o descarte de máscaras e talvez, tenhamos que aproveitar menos os papeis toalha usados nos banheiros, evitando riscos de contaminação dos colaboradores de limpeza e coleta de resíduos.
Sobre as franquias, quais já aderiram a este modelo e como funciona a expansão do projeto em relação as outras mostras?
Vale lembrar que a sustentabilidade também é pauta das nossas franquias. Em algumas cidades, ainda não existem soluções como usinas e empresas capazes de processar todos os resíduos de forma adequada. Mesmo para São Paulo, só conseguimos destinar adequadamente as placas de gesso em 2016. Antes, não era possível.
Nossa franquia de Minas Gerais tem parceria com uma empresa de energia solar que ajudou a mostra a se tornar autossuficiente em energia elétrica desde 2015. A edição do Ceará fez uma parceria em 2019 e desenvolveu diversas práticas sustentáveis, inclusive compostagem acelerada dos seus resíduos de restaurantes, com distribuição de adubo orgânico para os visitantes. A mostra do Peru fez a sua compensação de carbono no evento de 2019. Enfim, existe um engajamento cada vez maior das franquias para integração a essas práticas e em breve, pretendemos ampliar as ações de forma mais sistêmica. Esperem as novidades!