Lisboa tem história. Mais antiga que Roma, Paris, Berlim, Barcelona e Londres, esta cidade teve papel decisivo em vários aspectos da evolução global nos últimos séculos.
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Por aqui já passaram fenícios, mouros, romanos, gregos, vikings e isso, por incrível que pareça, é só o começo. Cada um desses povos deixou rastros na gastronomia, na arte, na língua, na música e, é claro, na arquitetura.
A riqueza cultural desse lugar é evidente por toda parte. Basta uma caminhada pelo centro de Lisboa para que qualquer contador de histórias de araque – incluindo o locutor que vos fala – fique boquiaberto. Tudo tem um motivo. Tudo tem uma raiz. Basta cavar, procurar, observar e degustar para ver que o mundo seria um lugar diferente sem a participação dos portugueses.
Um bom exemplo são os famosos doces que atraem gulosos de toda parte. A base quase sempre é a gema do ovo. Por que? Ora pois… Em um país historicamente cristão e repleto de laços com o Vaticano, as freiras tiveram um papel crucial durante muito tempo. Por séculos as próprias usaram claras para engomar suas indumentárias. A gemas sobravam e assim nasceram os pastéis de nata, os fios de ovos, travesseiros de Sintra, pingos de tocha e a tradicional queijada.
Apesar de inúmeras guerras, batalhas e conquistas, o momento mais avassalador da história local não foi consequência da fúria humana, mas sim, de um desastre natural. Em 1755 um terremoto – seguido de um tsunami – destruiu dois terços da cidade. As cicatrizes dessa tragédia ainda estão presentes em cada esquina. Por décadas após o evento, todo o urbanismo da área foi moldado em torno do que restou da região e a arquitetura lisboeta teve que adotar certas técnicas na tentativa de contornar os resquícios da catástrofe.
Praticamente todas as construções da parte baixa de Lisboa sofreram terrivelmente com a erosão causada pela água do mar que invadiu bairros e mais bairros. Documentos mostram que as fachadas dos prédios descascavam que nem barro danificado e, consequentemente, colocavam em risco todos que ali frequentavam, trabalhavam ou viviam. Uma das soluções para este problema tem a ver com um revestimento que acabou se tornando símbolo de Portugal: o azulejo.
Apesar de muita gente associar a palavra em si à cor azul, a real origem está ligada a presença dos mouros na região séculos atrás. Azulejo significa pequena pedra polida em árabe (azzelij para ser mais exato) e era a expressão utilizadas para designar o mosaico bizantino do Próximo Oriente.
Isso não significa que antes do desastre a arte azulejera não existisse no país. Em 1498, o Rei de Portugal D. Manuel I foi a Sevilla e voltou encantado com os interiores mouriscos. Prova disso é a decoração do Palácio Nacional de Sintra, onde o rei viveu por muito tempo, no entanto, a democratização da técnica só aconteceu no fim do século XVIII. Além de ser uma peça de cerâmica relativamente barata, ela é impermeável e propícia a um estilo visual cheio de possibilidades. Os temas oscilam desde relatos de episódios históricos até a iconografia religiosa passando, é claro, por cenas mitológicas e – mais recentemente – designs minimalistas.
A verdade, é que passeando pelas ruas de Lisboa, volta e meia a gente dá de cara com uma igreja construída em 1213, um restaurantes do século XVII e um castelo que serviu como Fortaleza noutras vidas. Com isso dito, um dos grandes fascínios desse local é o fato dele ter sabido se reinventar.
Após algumas décadas economicamente complicadas, o país finalmente encontrou no turismo uma solução parcial para o problema do desemprego. Hoje Lisboa é uma cidade linda, segura, culturalmente rica, com uma gastronomia excepcional e, sim, muito barata.
Viajando o mundo, canso de ver locais onde o passado e o futuro brigam, ou seja, onde não há uma harmonia visual entre o que foi elaborado e o que está prestes a ser construído. Aqui o caso é diferente. Há um orgulho tão grande atrelado a história da cidade, que até nos prédios mais futuristas, há um respeito nítido pelo que antes ocupava aquele espaço. É o caso do MAAT (Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia), que foi projetado pela britânica Amanda Levete e erguido ao lado do Museu da Eletricidade, um dos símbolos da arquitetura industrial do século XX, que funcionou como central termoelétrica entre 1909 e 1974. O dois edifícios - que diga-se de passagem não podiam ser mais diferentes - ficam às margens do Rio Tejo e há poucas quadras do antigo Mosteiro dos Jerónimos construído em 1502.
Na gastronomia, não é diferente. O maior chef do país tem como missão mostrar que nem só de bolinho de bacalhau é feita a gastronomia milenar local. José Avillez é dono de seis restaurantes em Lisboa, que, por sinal, vivem lotados de segunda a segunda. Dentre eles, está o Belcanto, considerado o quadragésimo segundo melhor restaurante do mundo.
Durante minha visita no mês passado, fui ao Cantinho do Avillez, um de seus estabelecimentos mais modestos, cujo cardápio gira em torno de clássicos da culinária portuguesa. Mais uma vez, a gente se depara com esta mistura do antigo e do novo com sofisticação, simplicidade e maestria. No meu peixe, encontrei azeitonas deliciosas, porém diferentes de tudo que já provei até hoje. Eram frutos de uma experiência gastro-molecular criada pelo próprio chef. Microrredomas verdes que estouravam na boca proporcionando um sabor semelhante ao de um azeite português de primeira. Este tipo de inovação ousada, é também perigosa. Um passo falso e o prato vira uma atração cafona e equivocada. Avillez sabe arriscar como poucos. A refeição foi inesquecível e a criatividade na medida fez com que eu saísse de lá satisfeito, estimulado e cheio de histórias para contar… Uma verdadeira explosão de sensações e um prato cheio para todos os sentidos; mais ou menos como a gente se sente explorando Lisboa da maneira certa.