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Desenho ensimesmado

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28.03.2018
Apesar de contarmos com arquitetos reconhecidos internacionalmente – como Oscar Niemeyer, Paulo Mendes da Rocha e Lina Bo Bardi –, ainda estamos longe de exportar uma parcela significativa da produção nacional da arquitetura e do design.
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A brasileira Carla Juaçaba será um dos destaques da Bienal de Arquitetura de Veneza deste ano, que abre as portas no final de maio. Além de ter sido escolhida para integrar a mostra principal pelas curadoras do evento, as irlandesas Yvonne Farrell e Shelley McNamara, ela também foi convidada para projetar uma das dez capelas que serão apresentadas no pavilhão do Vaticano, dividindo espaço com autores consagrados, como o português Eduardo Souto de Moura e o inglês Norman Foster, ambos detentores do prêmio Pritzker.

O destaque global conferido a ela é raro entre os arquitetos brasileiros. Apesar de contarmos com arquitetos que são conhecidos por todos os estudiosos do mundo – como Oscar Niemeyer, Paulo Mendes da Rocha e Lina Bo Bardi –, nossos projetistas, grosso modo, possuem presença raquítica na mídia e, principalmente, no mercado global de projetos. Mesmo sem a existência de um índice setorial, dá para supor que as exportações de serviço de trabalhos com desenho brasileiro representam muito menos do que 10% da produção nacional.

Sofá Aster Paposus, dos Campana, produzido pela empresa italiana Edra. Imagem: Edra/Divulgação.
Sofá Aster Paposus, dos Campana, produzido pela empresa italiana Edra. Imagem: Edra/Divulgação.

Esse é o patamar da porcentagem das exportações no PIB brasileiro, muito abaixo da média global, que fica perto dos 30%. Ou seja, nossa economia vive, sobretudo, de seu mercado interno. Os especialistas apontam várias razões para esse fato – sendo a falta de competitividade a principal delas –que envolvem desde empresas privadas ineficientes, passando por leis restritivas e desembocando na infraestrutura pública defasada (o parágrafo não trata do setor da arquitetura, mas a carapuça serve...).

Museu dos Coches, obra de Paulo Mende da Rocha em Lisboa. Foto: Fernando Guerra.
Museu dos Coches, obra de Paulo Mende da Rocha em Lisboa. Foto: Fernando Guerra.

O cenário fica mais nebuloso ao lembrarmos que entre os dez produtos brasileiros mais exportados, sete são agrícolas, outros dois são matérias-primas (petróleo e minério) e somente os automóveis são industrializados. Melhor dizendo, precisamos agradecer à natureza – ao vasto território, ao solo fértil e ao clima –, pois não conseguimos criar quase nada de maneira mais eficiente do que as outras nações.
Como a arquitetura (e o design) não são uma ilha, o cenário se reflete no setor. Carla Juaçaba, por exemplo, apesar da crescente fama além-mar, ainda não realizou nenhuma obra fora do país – a capela encomendada pelo Vaticano terá grande chance de ser sua primeira obra fora de nossas fronteiras. Trata-se de um feito difícil e as raríssimas exceções devem-se à fama internacional de alguns dos mais qualificados profissionais brasileiros. Ou seja, o pouco que exportamos está relacionado diretamente à valorização de características criativas de poucos autores.

Um exemplo histórico? Durante as décadas de 1960 e 1970, Oscar Niemeyer vendeu serviços para projetos nos países mediterrâneos. Trata-se de um diminuto conjunto de projetos, composto por menos de duas dezenas de edifícios, construídos na França, Itália, Portugal, Líbano e na Argélia. O feito deve-se à fama internacional do autor – potencializada com a execução de Brasília – e, consequentemente, ao seu autoexílio. Refiro-me ao período em que ele viveu na França e pôde trabalhar legalmente graças à autorização especial que recebeu do presidente Charles de Gaulle. Sem Skype e e-mails, é fácil supor que se ele não tivesse vivido em Paris não teria realizado nem um terço dos trabalhos que construiu.

Por outro lado, parte das obras de Niemeyer, principalmente as que foram construídas na África, contaram com a contratação de calculistas e construtoras brasileiras. Ou seja, não só o serviço de arquitetura foi exportado mas uma cadeira econômica inteira. Nesse sentido, outros países fazem muito melhor a venda casada do que nós. Os alemães, por exemplo, após a Copa do Mundo de Futebol que organizaram em 2006, emplacaram estádios projetados por equipes germânicas em todas os eventos seguintes. No Brasil, eles estiveram presentes em um terço dos projetos das arenas, sempre incluindo produtos alemães com alto valor agregado, como as caríssimas membranas de cobertura. Nós, que igualmente organizamos uma Copa, não emplacamos nenhum estádio com projeto brasileiro no evento russo.

Ações estratégicas como a dos alemães deveriam servir de exemplo e ser identificadas pelos interessados brasileiros, unindo, além de projetistas, fabricantes e empresas construtoras. Por enquanto, o que existe é a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos – a Apex –, que realiza parcerias com instituições de cada setor, criando uma estratégia para o design e outra para a arquitetura. A parceria com o setor de design é feita como o Sindicato das Indústrias de Mobiliário de Bento Gonçalves e foi batizada de Projeto Raiz. A estratégia atual é realizar ações em paralelo a grandes eventos no exterior, promovendo talentos emergentes – como Paulo Alves e o Estúdio Bola.

No campo da arquitetura, a Apex se associou à Asbea num programa batizado de Built by Brazil. Ele consiste em identificar mercados emergentes para vender serviços de arquitetura, onde existam oportunidades comerciais, como Cuba, Equador ou Argélia. A partir daí, organiza-se uma missão comercial ao local, com rodadas de negócios entre os arquitetos e possíveis contratantes locais. O ponto frágil é tentar vender serviços de arquitetura sem valor agregado, disputando o mercado com preço competitivo, algo que o famigerado “custo Brasil” dificilmente permite.

Correndo por fora, e sem apoio governamental, raros autores conseguem exportar serviços e produtos graças à qualidade e à singularidade de sua produção. No campo do design, os irmãos Campana são figuras carimbadas, estrelas globais com trabalhos produzidos e comercializados no exterior, sobretudo na Europa. Contudo, nunca deixaram de criar no estúdio paulistano no bairro de Santa Cecília.

Carla Juaçaba
Edfício La Petite Afrique, projeto de Isay Weinfeld em Mônaco. Foto Fernando Guerra.

No âmbito da arquitetura, Paulo Mendes da Rocha é o brasileiro mais reconhecido no exterior mas possui poucos encargos em comparação a sua fama. Recentemente, ele viu ser inaugurado o Museu dos Coches, em Lisboa, sua obra mais impactante no exterior. Contudo, os arquitetos que mais possuem trabalhos no exterior são aqueles que atendem a parcela mais sofisticada do mercado, composta por consumidores com recursos para pagar por projetos de arquitetura sob medida (e móveis sofisticados de autores nacionais consagrados). Os arquitetos que mais atendem a esta demanda no Brasil são os mesmo que têm mais trabalhos no exterior.

O pioneiro da lista foi Arthur Casas, que abriu escritório em Nova York há quase duas décadas com a intenção de fazer arquitetura num momento onde a demanda interna estava baixíssima – os ricos brasileiros não queriam saber de arquitetura contemporânea. Uma década mais tarde, Isay Weinfeld conquistou clientes nos Estados Unidos e Europa, sendo responsável, por exemplo, pelo desenho de um hotel em Belgrado, na Sérvia, e um prédio de apartamentos em Mônaco (a editora alemã Gestalten acaba de publicar um livro sobre a obra do brasileiro).

Márcio Kogan também possui vários encargos fora do país, como o recente conjunto com 21 casas construído nos arredores de Madri ou ainda um hotel remodelado em Barcelona. Thiago Bernardes, por sua vez, tem uma filial em Lisboa, onde está realizando uma série de projetos, encomendados por brasileiros e estrangeiros.

Carla Juaçaba
Filial da Ethel, recém inaugurada em Milão. Foto Filippo Bamberghi.

No âmbito do design, algumas lojas comercializam no exterior peças nacionais, feitas, sobretudo, artesanalmente com madeira. Em Nova York, esse papel cabe à Espasso, que possui outras lojas, como em Miami e Los Angeles, enquanto a Ethel acaba de abrir uma filial em Milão.

Talvez por ainda estarmos muito distantes de exportar uma parcela significativa da produção nacional da arquitetura e do design, somos uma sociedade que valoriza muito o sucesso no exterior. Oscar Niemeyer, por exemplo, muito antes de Brasília, foi legitimado pela sociedade brasileira somente após ser reconhecido no exterior, principalmente, nos Estados Unidos. Nesse processo, não é incomum que alguns autores consigam mais projeção fora do país do que dentro, caso da própria Carla Juaçaba – que mereceria ser muito mais reconhecida no Brasil do que é.

Carla Juaçaba
O Centro Cultural De Le Havre, um dos projetos de Oscar Niemeyer na França. Imagem: Fundação Oscar Niemeyer/Divulgação.
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Fernando Serapião
Colunista
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Crítico de arquitetura, Fernando é fundador e editor da revista Monolito, publicada em São...

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