Na segunda metade do século 20, houve um grande favorecimento para a vida nas cidades brasileiras, por isso, foi constatado expressivo êxodo do campo para pontos mais urbanizados. Isso transformou o desenho das cidades e criou enormes aglomerados de pessoas.
Essa transformação é observada em quase todo o mundo e afeta direta e indiretamente todos os seres do planeta, gerando muito questionamento sobre a função das cidades e de cada um de seus habitantes. Diante desse cenário, um profissional ganha especial destaque: o arquiteto urbanista.
Para adentrarmos mais profundamente no assunto, conversamos com Ighor Alessandro Dombroski, arquiteto urbanista, que destaca como pode considerar a sua atuação diante dos desafios urbanos, e as opções não são poucas!
Principais desafios urbanos da atualidade
O mundo nunca viu cidades tão densas e populosas. Se voltarmos no tempo, perceberemos que há menos de dois séculos somente cidades como Tóquio, Londres e Pequim contavam com mais de 1 milhão de habitantes em sua população. Hoje, o planeta possui mais de 400 cidades que ultrapassam os sete dígitos. Com isso, os gastos com energia, transporte, limpeza e segurança aumentam e os desafios não param.
Estimativas realizadas pela ONU calculam que até 2050, 70% das pessoas do planeta residirá nas cidades. As pessoas buscarão qualidade de vida ao mesmo tempo que enfrentarão crises ambientais e econômicas.
O desenvolvimento da mobilidade urbana
O deslocamento de um ponto A para um ponto B na cidade pode ser feito de diversas formas: a pé, com carro individual, por meio de ônibus, com o uso do metrô, por bicicleta, por caronas etc. Os meios de transportes também podem ser integrados. Algumas pessoas podem pegar ônibus num trecho e irem de metrô em outro trecho.
“A cidade de Vancouver, por exemplo, proporciona ao cidadão um transporte multimodal muito eficiente”, lembra Ighor, não existe um sistema de transporte que seja totalmente eficiente, mas a integração multimodal utiliza o melhor de cada um oferecendo um transporte seguro, rápido e mais barato ao usuário e aos cofres públicos”.
O debate sobre mobilidade urbana passa também pelas cidades caminháveis, um conceito que, além de envolver a necessidade de criar espaços nas cidades que convidem ao andar a pé, também envolvem outro desafio para os urbanistas: a segurança.
A segurança e as cidades caminháveis
Quanto menos gente na rua, maior a sensação de insegurança e quanto mais insegurança, menos gente na rua. O ciclo não se interrompe se não for quebrado pela vontade da população. Para isso, urbanistas e gestores públicos planejam criar espaços mais facilmente caminháveis para os habitantes. Valorizar as calçadas e os calçamentos, criar uma arquitetura convidativa para que as pessoas não passem em regiões extremamente escuras, vazias ou abandonadas.
As cidades caminháveis também colaboram para uma questão essencial na segurança urbana: o contato entre as pessoas. À medida que as pessoas passam a percorrer as distâncias a pé, elas têm a possibilidade de se conectarem e se conhecerem.
Dessa forma, além de se ajudarem no caso de algum perigo, ocorre também que, todos se conhecendo, até mesmo um assaltante fique constrangido de praticar algum ato, uma vez que as pessoas podem conhecer sua mãe, seu pai, ou alguém do seu convívio. E, por falar em convívio, outro ponto que deve ser levado em conta nos desafios urbanos é a moradia.
A moradia na cidade grande
O planejamento urbano deve refletir também sobre as moradias e as suas condições. Pouco adianta ter uma cidade com uma arquitetura evoluída se as pessoas não tiverem dignidade em suas casas, ou seja, o mínimo esperado em uma cidade: tratamento de esgotos etc. Mais cedo ou mais tarde, esse desequilíbrio refletiria na própria cidade.
“Cabe a cada município saber tratar e priorizar os problemas por meio do planejamento urbano”, informa Ighor. "Os técnicos municipais (engenheiros, arquitetos urbanistas, biólogos, geógrafos etc.) juntamente à população, definem diretrizes objetivando a cidade que querem, e cobram dos poderes executivos e legislativos a execução e cumprimento deles”, esclarece.
As moradias das grandes cidades, muitas vezes, precárias, são desacompanhadas de infraestrutura, energia elétrica, recolhimento de lixo e pavimentação. Para isso, além do olhar do urbanista, é necessária vontade popular e gestora para o envolvimento nessas transformações.
Alguns arquitetos como Alejandro Aravena, vencedor do dito “nobel da arquitetura”, implicam seus talentos em descobrir soluções criativas para moradias populares. Alejandro é conhecido por construir casas populares que ao invés de se desvalorizarem com o uso, podem ganhar ainda mais valor e beleza com pequenas transformações realizadas pelos próprios moradores, desenvolvendo, assim, outro ponto-chave que é o desafio na cidade grande: a qualidade de vida.
Qualidade de vida: do lixo ao lazer
É rotineiro que uma cidade grande produza grande poluição. São milhares de carros, ônibus, hospitais, restaurantes, fábricas, moradias entre outros, todos produzindo CO2, barulho, e resíduos.
Cidades como São Francisco e Londres vêm incentivando o mundo inteiro a trabalhar de forma inteligente a triagem do lixo, a reutilização de resíduos, o escoamento do esgoto, entre outros. Construções têm sido feitas utilizando materiais inteligentes que esquentam no inverno e esfriam no verão. Poupam energia e criam um ambiente agradável para toda a cidade.
Uma cidade mais limpa é também uma cidade que oferece melhor qualidade de vida para seus habitantes e os convidam para a participação popular. A exemplo da reconstrução do rio Cheonggyecheon, em Seul, na Coréia do Sul. Um riacho que era desconsiderado pelos antigos gestores foi totalmente restaurado, tendo sua margem arborizada e coberta com cinco mil azulejos pintados pelos próprios habitantes com mensagens para o futuro sobre a cidade que querem.
Hoje, seu entorno, que era árido, convida para passeios, caminhadas, virou ponto turístico — um exemplo a ser seguido no mundo todo.
Como o arquiteto urbanistas pode pensar além do óbvio
“Em nosso dia a dia temos várias ferramentas que fazem parte do urbanismo inteligente”, comenta Ighor. Para ele, o simples fato de alguém utilizar o GPS enquanto se desloca é uma solução de urbanismo inteligente. Uma dica que Ighor indica para escapar do óbvio é pensar a estruturação de um município nos diversos tipos de deslocamentos possíveis, para facilitar a mobilidade urbana e o acesso de todas as pessoas aos diversos pontos e atrativos da cidade. Quanto menos centralizadas as atrações de uma cidade, mais facilmente ela será acessada por todos, uma vez que os gargalos não ficarão concentrados nas zonas próximas ao centro.
A concentração no centro é um pensamento óbvio que vem mudando com as novas formas de se pensar a cidade. “Um termo muito mencionado nos dias de hoje para urbanismo inteligente são as Smart Cities, ou cidades inteligentes”, explica Ighor. O conceito de Cidades inteligentes (CI) ou Smart Cities é vasto e pode ser encontrado em evolução na literatura especializada. Basicamente, ela trata da capacidade da cidade de se inovar, fazendo uso de ferramentas inteligentes como a tecnologia integrada para melhorar a qualidade de vida, a infraestrutura urbana e criar espaços mais eficientes na cidade para a sua população.
O objetivo das Smart Cities, segundo Ighor, é proporcionar qualidade de vida aos cidadãos de uma cidade com o uso da tecnologia e sustentabilidade. Em Barcelona, podemos encontrar o sistema de coleta de lixo por meio de tubulações subterrâneas, que tiram caminhões do trânsito, e, com isso, a poluição diminui também. Podemos citar também o apelo às bicicletas na Holanda e aos VLT’s na França.
No Brasil, a referência principal de cidade inteligente é Curitiba. Para Ighor, seu forte transporte coletivo por meio das canaletas de ônibus que integram a cidade toda e sua região metropolitana, e suas estações tubo, permitem mais agilidade e acessibilidade no ônibus.
Ele ressalta ainda que a capital paranaense é referência mundial em planejamento urbano. Tudo isso só é possível com uma gestão que esteja aberta em propor novas formas de governo e de uma cidade que esteja aberta em aceitar mudanças.
Fugir do óbvio e chegar a uma cidade inteligente, que contribua com o desenvolvimento de sua população não é uma obrigação única dos arquitetos urbanistas, mas também deles. Aprender com suas reflexões, obras e projetos é um trabalho que todos podemos seguir.
Se você acompanha os desafios urbanos e os processos de mudança da sua cidade e é um arquiteto antenado nestes assuntos, cadastre-se no Archtrends. Faça parte desta equipe que transforma com elegância.